28 Julho 2021
“A reconstrução econômica e social entre os países em desenvolvimento do Sul requer cooperação Sul-Sul, porque o egoísmo do Norte industrial ameaça agravar a pandemia do apartheid”, escrevem Jomo Kwame Sundaram e Anis Chowdhury, em artigo publicado por IPS e Jesuítas da América Latina, 09-07-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Kwame Sundaram foi professor de economia e subsecretário-geral da ONU para o Desenvolvimento Econômico.
Anis Chowdhury foi professor de economia na Western Sydney University e ocupou cargos importantes na ONU entre 2008 e 2015.
Os países ricos do Norte atrasaram a contenção do contágio, incluindo a vacinação em massa, nos países em desenvolvimento, enquanto os esforços fiscais muito mais fracos no Sul global aprofundaram o crescente apartheid da pandemia global.
Apesar dos recursos fiscais limitados e do modesto apoio externo, os esforços do governo também devem abordar a insustentabilidade, a desigualdade e outros problemas decorrentes dos arranjos econômicos, sociais e ambientais existentes.
As primeiras medidas de alívio e recuperação presumiram que a pandemia teria vida curta e seria reversível. Consequentemente, nos países em desenvolvimento, tais medidas raramente foram mantidas, muito menos ampliadas, apesar da necessidade crescente delas.
São necessárias medidas adequadas de proteção social de longo prazo, além das consideradas temporariamente necessárias. Os efeitos adversos das interrupções nos meios de subsistência devem ser mitigados mantendo a renda dos empregados e autônomos cujos meios de subsistência foram seriamente ameaçados.
Os governos devem tentar manter a renda familiar, permitindo que gastem para sobreviver, mantendo assim a economia e os negócios à tona. Com uma contenção efetiva do contágio, esses programas permitem que as atividades econômicas sejam retomadas mais cedo, ou seja, a recuperação.
Alguns países, principalmente desenvolvidos, tentaram minimizar a destruição de negócios, demissões de trabalhadores e perdas de bem-estar. Os governos dos países em desenvolvimento também devem ajudar a reviver e manter as economias e meios de subsistência para evitar que as recessões pandêmicas se transformem em depressões prolongadas.
Poucas empresas e setores podem sobreviver sem se adaptar. As opções de sobrevivência de negócios podem incluir redistribuição, reutilização de infraestrutura e instalações e reciclagem de pessoal. Outras opções são crédito comercial adicional, diferimento de impostos e até proteção social.
Muitas empresas, especialmente aquelas com menos reservas, precisam de ajuda para evitar a falência e manter funcionários. Os governos podem precisar considerar a adaptação da lei de falências dos Estados Unidos para permitir que as empresas continuem operando para sair das dificuldades temporárias da pandemia.
Em abril de 2020, a pandemia havia afetado muitas empresas em mais de 130 países, especialmente pequenas e médias empresas. Duas em cada três foram duramente atingidas em todo o mundo, bem como na África, e um quinto deverá fechar em um trimestre.
É claro que o aumento dos empréstimos e incentivos fiscais beneficia principalmente os mais abastados, em vez dos mais necessitados, vulneráveis ou mais afetados.
Embora os responsáveis políticos muitas vezes na focalização e comprovação dos recursos dos pobres, eles raramente exigem o mesmo das empresas. No entanto, uma fácil seleção é desejável para identificar negócios frágeis, mas recuperáveis.
A interrupção dos negócios tem implicações mais amplas, ameaçando as economias nacionais. Se as relações necessárias para a viabilização das transações econômicas, como a confiança entre empregadores, trabalhadores e clientes, forem interrompidas, elas terão que ser reconstruídas, o que geralmente requer muito tempo e despesas.
Os custos de transação são normalmente ignorados para construir confiança, encontrar e manter clientes, obter crédito, contratar trabalhadores e manter outros relacionamentos de longo prazo. Consequentemente, a economia convencional é considerada um guia insatisfatório para a compreensão da economia e a formulação de políticas.
Os economistas keynesianos costumam ver os governos como o empregador de último recurso em resposta às crises econômicas.
Mas os governos também podem ajudar, tornando-se pagadores de último recurso, permitindo que as empresas permaneçam solventes, por exemplo, sob a condição de manter, em vez de demitir, trabalhadores involuntariamente ociosos.
As condições de acesso à ajuda política devem ser rigorosas o suficiente para impedir o abuso, mas não a participação. A verificação e correção rigorosas podem esperar, inclusive depois que o pior já tenha passado.
As subvenções ou subsídios estatais desembolsados, que depois são considerados excessivos, podem ser convertidos em empréstimos a juros baixos. Os governos podem recuperá-los mais tarde, em vez de tratar os beneficiários como delinquentes fraudulentos.
As economias certamente não são homogêneas, monolíticas ou imutáveis. E as desacelerações causadas pela covid-19 são diferentes das recessões anteriores. Como esses impactos são invariavelmente desiguais, vários setores, indústrias e empresas são afetados de maneiras diferentes.
Portanto, nenhuma política pode ser adequada para todos os países, em todos os momentos.
É necessário aprender muito rapidamente com a prática, ou seja, com a experiência, inclusive de outras pessoas. As lições podem ser positivas e negativas, e o aprendizado rápido é crucial para melhorar a formulação e implementação de políticas.
Sem contenção eficaz do contágio e vacinação em massa, será impossível controlar a pandemia. E, com pouco apoio externo, as medidas de contenção, alívio e recuperação em países de baixa e média renda serão ainda mais difíceis.
Assim, o pior ainda está por vir para o Sul global, que agora deve se preparar para as terríveis consequências do atraso na supressão da pandemia e dos esforços fiscais limitados. Enquanto isso, o Norte parece não se intimidar com o alerta do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre uma perigosa nova divergência econômica a nível mundial.
As 870 milhões de vacinas que o Grupo dos Sete Países Mais Ricos do Mundo (G7) prometeu aos países pobres, imunizarão metade desse número a partir do final de 2021. Isso é apenas 8% dos 11 bilhões de doses necessárias, observou o ex-primeiro-ministro britânico, Gordon Brown.
Mas, apesar da falta de generosidade dos ricos países ocidentais, o FMI pediu 50 bilhões de dólares para acelerar a vacinação em todo o mundo. Espera que isso acabe com a pandemia, aumente a produção global em nove trilhões de dólares e gere um trilhão de receitas fiscais adicionais.
Os países de baixa e média renda devem responder urgentemente às ondas de pandemia que se espalham rapidamente. Eles também precisam fazer isso de forma eficaz, viável e equitativa, esperando pouca ajuda do Norte.
Os empréstimos internos facilitados pelos bancos centrais, o desenho de políticas sólidas e a cooperação Sul-Sul serão cruciais para o sucesso nessas circunstâncias.
Com os atrasos, novas e mais perigosas variantes da covid ameaçarão os países em desenvolvimento, à medida que o Norte retarda a contenção do contágio e aplica esforços fiscais mais eficazes. Isso irá agravar tragédias evitáveis e velhas desigualdades.
Os países em desenvolvimento não têm escolha a não ser impulsionar a economia, apesar da redução do espaço fiscal e monetário e do aumento da dívida. Maiores gastos públicos para lidar com a pandemia podem ser financiados com mais empréstimos internos dos bancos centrais.
O câmbio estrangeiro é necessário principalmente para o serviço da dívida externa e para pagar as contas de importação. As necessidades de câmbio também podem ser reduzidas por meio de acordos de swap e restringindo importações não essenciais.
Uma maior cooperação Sul-Sul também pode melhorar a resiliência e reconstruir para um novo futuro.
A recuperação não deve significar simplesmente um retorno ao status quo anterior. A década anterior à pandemia deixou muito a desejar e há poucos motivos para querer restaurá-la. A economia insustentável, “financeirizada” e desigual antes da pandemia deve ser transformada para alcançar um desenvolvimento mais justo e sustentável.
Afinal, o Norte agora solapa a mesma globalização que outrora impôs ao Sul.
Portanto, é imperativo estabelecer relações internacionais novas, mais equitativas, pacifistas e de princípios, sob os auspícios multilaterais, que promovam a cooperação.
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Solidariedade Sul-Sul para superar a pandemia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU