21 Julho 2021
"Se o Papa Francisco, talvez com um motu proprio, decretasse o fim da era das vestes e botõezinhos vermelhos, do sobrepeliz e do pilus, não daria uma aceleração a essa reforma sistêmica da Igreja que é tão necessária, de que tanto se fala e que, pelo contrário, tem dificuldade em trilhar os caminhos do possível?", escreve Marinella Perroni, biblista, fundadora da Coordenação de Teólogas Italianas, em artigo publicado por Il Regno, 17-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na área católica fala-se muito de mudanças de época e da necessidade de uma reforma sistêmica da Igreja. Mas há algo que resiste obstinadamente à mudança dos tempos: os “trajes de palco” eclesiásticos. Talvez seja realmente a hora de renovar seu guarda-roupa, para ajudar a renovar mentes e corações.
Em seu discurso à Cúria Romana em 21 de dezembro de 2019, o Papa Francisco fez uma afirmação que me parece resumir com lucidez sua visão do momento histórico em que vivemos. Depois de recordar as palavras do santo Cardeal Newman segundo as quais "aqui na terra viver é mudar, e a perfeição é o resultado de muitas transformações", Francisco retomou o que já havia afirmado na Conferência da Igreja Italiana de Florença 2015 (“a que estamos vivendo não é simplesmente uma época de mudanças, mas uma mudança de época”) insistindo no fato que “estamos, portanto, em um daqueles momentos em que as mudanças não são mais lineares, mas de época; constituem escolhas que transformam rapidamente o modo de viver, de se relacionar, de comunicar e elaborar o pensamento, de se relacionar entre as gerações humanas e de compreender e viver a fé e a ciência”.
Diante da força dessa exigente declaração, o que vou dizer soará, no mínimo, inadequado. Se não fosse que foi o próprio Papa quem me fez pensar nisso quando acrescentou: “Muitas vezes acontece que viver uma mudança limitando-se a usar uma roupa nova, e depois permanecer como era antes. Lembro-me da expressão enigmática que se lê em um famoso romance italiano: “Se queremos que tudo permaneça como está, tudo deve mudar” (em Il Gattopardo de Giuseppe Tomasi di Lampedusa)”. Em suma, Francisco combinou uma mudança de época e mudança de roupa para destacar, no entanto, a substancial distância que separa uma da outra.
Há algum tempo, porém, venho me perguntando se justamente a incapacidade de trocar de roupa, ou seja, a própria maneira de se "relacionar, comunicar e elaborar o pensamento", bem como de se relacionar com o mundo, não seria um sinal tangível da dificuldade estrutural da nossa Igreja de aceitar o que o próprio Francisco definiu como as "escolhas que transformam rapidamente o modo de viver". Quando olhamos as fotografias do nosso passado recente, a primeira coisa que nos chama a atenção e que nos dá a medida de "como éramos" e das mudanças que foram realmente "de época" são precisamente os elementos do figurino que marcam a diferença: comprimento dos vestidos, estilos de cabelo, modelos de sapatos.
Não sei se isso é uma banalidade. Não acredito, e convoco como testemunha o que aconteceu poucos dias antes do encerramento do Concílio Vaticano II, em 16 de novembro de 1965. O fato é conhecido: cerca de quarenta padres conciliares se reuniram nas catacumbas de Domitila para proclamar e assinar o Pacto das Catacumbas, que depois também será assinado por algumas centenas de outros bispos. Deixemos de lado o que muito se pode dizer sob diferentes pontos de vista sobre aquele momento de colegialidade eclesial e dos seus significados reais e simbólicos, bem como do fato de que em 2019, ao final do Sínodo da Amazônia, 150 bispos quiseram renovar, no mesmo lugar, aquelas mesmas promessas. Limito-me a observar algo que, no entanto, tem, a meu ver, um significado verdadeiramente “de época”.
Os dois primeiros artigos daquele documento, que para alguns padres conciliares traduziam imediatamente para a prática o que havia sido vivido e decidido no Concílio, são mais ou menos assim:
“1. Procuraremos viver segundo o modo ordinário da nossa população, no que concerne à habitação, à alimentação, aos meios de locomoção e a tudo que daí se segue. Cf. Mt 5,3; 6,33s; 8,20.
2. Para sempre renunciamos à aparência e à realidade da riqueza, especialmente no traje (fazendas ricas, cores berrantes), nas insígnias de matéria preciosa (devem esses signos ser, com efeito, evangélicos).
As roupas, portanto, os tecidos, as cores: tudo menos folclórico, mas seria tolice circunscrevê-lo a um impulso para a pobreza. Mesmo quando passam em nossas telas de televisão, as imagens dos "figurinos de palco" clericais confirmam a percepção de uma distância cada vez mais intransponível, longe da determinação de viver "segundo o modo ordinário da nossa população". São sinais, mas são também sinais da incapacidade de se pensar no tempo e da ostentação da pretensão que o que muda é apenas acidental, porque na realidade não é verdade que “tudo muda”. Os aparatos religiosos são sempre os “guardiões da revolução”!
Certamente, ninguém pode ser forçado a agir como Francisco de Assis, que se despiu publicamente na frente de seu pai para estabelecer um ponto sem volta em sua jornada de conversão. Mas temos realmente certeza que se o Papa Francisco, talvez com um motu proprio, decretasse o fim da era das vestes e botõezinhos vermelhos, do sobrepeliz e do pilus, não daria uma aceleração a essa reforma sistêmica da Igreja que é tão necessária, de que tanto se fala e que, pelo contrário, tem dificuldade em trilhar os caminhos do possível?
O discurso torna-se ainda mais delicado, mas não menos urgente também no que diz respeito ao âmbito litúrgico. E, no entanto, sempre que, nas telas do planeta, oscilam procissões de mitras pela nave da Basílica de São Pedro apenas para serem forçadas àquele contínuo "sobre e desce" das cabeças de cabelos brancos de quem as usa, das quais é difícil entender qualquer possível significado, não posso deixar de me perguntar se, no caso da Igreja e de seu aparato, o raciocínio de Francisco não deveria ser invertido: criar novos estilos é substancial, não marginal. Talvez, clicar nas imagens do Google o termo “mitra” possa ajudar a entender.
Isso certamente não significa convocar um "sínodo" de estilistas para que criem novos uniformes, como costuma acontecer com grandes empresas ou tropas militares. No entanto, significa questionar-se, em profundidade, sobre a eclesiologia da qual os "uniformes eclesiásticos" são o evidente atestado. Costuma-se afirmar que os uniformes não permitem ver que "o rei está nu". Francisco, aliás, está certo: especialmente em ambientes com alto índice de hipocrisia funcional, o perigo da simulação “gattopardesca” é muito real. Não é muito pior, porém, ceder ao medo desse perigo e aceitar a paralisia?
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Diga-me como se veste... Artigo de Marinella Perroni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU