"Certamente as reflexões oferecidas neste valioso livro ajudaram a melhor conhecer a cidade (centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de ida da humanidade) e, com ela interagir e desta forma ajudaram os agentes de pastorais a superar o medo e a falta de abertura diante do novo – reconhecendo que Deus habita a cidade e Ele está no meio de nós", escreve Eliseu Wisniewski, presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul e mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), ao comentar o livro Pastoral Urbana: novos caminhos para a Igreja na cidade (Vozes, 2021, 232 p.).
As Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2019-2023 entendem que nosso mundo vai se tornando uma grande cidade, onde viver se manifesta fortemente interligado e os estilos de vida das metrópoles é capaz de influenciar outras cidades e até mesmo o mais distante ponto do planeta, principalmente em decorrência do influxo dos atuais meios de comunicação. Reconhece, por isso, a presença de Deus em cada contexto histórico, inclusive no mundo atual, cada vez mais urbano. O mundo urbano atual, cuja mentalidade está presente na cidade e no campo, embora marcado por contradições e desafios, é lugar da presença de Deus, espaço aberto para a vivência do Evangelho. Por isso, a cidade se torna uma imagem importante para a ação evangelizadora em nossos dias.
O contexto posto em relevo pelas atuais Diretrizes é o mundo urbano, que exige uma pastoral urbana. No intuito de contribuir com a implementação destas Diretrizes propostas pela CNBB, um grupo de cientistas sociais, teólogos e pastoralistas oferecem oportunas reflexões na obra: Pastoral Urbana: novos caminhos para a Igreja na cidade (Vozes, 2021, 232 p.), organizada por Dr. Agenor Brighenti e Dr. Francisco de Aquino Júnior. A presente obra está estruturada em três partes, com quatro capítulos em cada uma delas.
Na primeira parte, intitulada “Mundo Urbano" (p. 13-79) busca-se situar os agentes de pastoral na realidade urbana em seus diversos âmbitos: geográfico, político, social, cultural, ecológico, religioso:
1) O mundo urbano: um universo plural, diverso e complexo (p. 15-33), de autoria de Me. Solange S. Rodrigues. Sob o enfoque sociológico a autora destaca que pensar e concretizar a ação evangelizadora exige conhecimento do universo em que será desenvolvida (cf. p. 15), precisam compreender a dinâmica que move o mundo urbano (cf. p. 31). Entendendo o mundo urbano como um espaço complexo de relações sociais, apresenta algumas de suas características fundamentais: pluralidade, diversidade e complexidade (p. 15-20). Na segunda parte deste capítulo, levando-se em consideração que no Brasil, a ampla maioria da população está concentrada em áreas urbanas - a autora faz considerações sobre a extensão da população urbana em nosso país (p. 20-24). Na parte final deste capítulo, é apresentado o horizonte para o qual devem apontar as ações de diferentes sujeitos que almejam cidades para todos/as: o direito à cidade, ou seja, uma cidade inclusiva, que rejeita atitudes discriminatórias e onde o respeito à diversidade se articula com o direito à igualdade (p. 24-30).
2) A cidade como um modo de vida. Em busca de redes de comunicação humanizadoras (p. 34-52), de autoria de Dra. Magali do Nascimento Cunha. A autora salienta que a cidade é um modo de vida, um lugar multifacetado no qual fluxos de comunicação e esperanças imaginadas se combinam na busca por uma vida sustentável (cf. p. 34). Frente a isso, a reflexão deste capítulo está centrada na busca de redes de comunicação humanizadoras como chave para superação da individualidade da impessoalidade, do anonimato e da indiferença (cf. p. 35). Tomando a metodologia latino-americana: ver, julgar e agir. No ver, a autora destaca que estamos imersos na chamada “cultura da convergência”. Essa cultura possibilita transformações no modo de ser e viver nas cidades, trazendo também mudanças significativas para a comunicação humana (p. 36-41). No julgar, abordam-se os aspectos críticos relacionados à midiatização das relações humanas, sentido que isso revela um retrato da cultura das cidades. A reflexão teológica se baseia na , que vê a comunicação como uma dádiva de Deus criador aos seres humanos para permitir a vida em comum com a harmonia, a justiça e a paz com toda a criação (cf. p. 41-48). No agir, a autora aponta para as possibilidades de ações concretas para a humanização dos processos de comunicação que envolvem a vida nas cidades (cf. p. 48-50).
3) Sobreviver na cidade: cristalização de contradições (p. 53-64), de autoria de Dr. Luiz Roberto Benedetti. O autor observa que a cidade é um espaço privilegiado onde se expressam as contradições sociais do mundo do trabalho, marcado pela desigualdade, pela precarização e pela informalização crescentes (cf. p. 54). Diante disso tece reflexões sobre: a) a cidade como o mundo da sobrevivência (p. 54-57), b) o lugar exclusão e inclusão (p. 57-59), c) a dimensão territorial (p. 60-62), d) as mídias sociais (p. 62-63).
4) O desafio da convivência das religiões no espaço urbano (p. 65-79), de autoria de Dr. Elias Wolff. O autor destaca que as religiões são uma das expressões mais significativas das diversidades presentes na cidade. Frente a isso, nas páginas deste capítulo busca-se analisar quais são os desafios, as possibilidades e os limites da convivência dos credos na cidade (cf. p. 65). Em primeiro lugar o autor tece reflexões sobre a religião na gênese da cidade (p. 65-67), “enquanto alguns estudiosos sustentam que a origem da cidade está nas transformações das técnicas de produção, que possibilitaram o acúmulo de bens e produtos e a sedentarização, outros defendem que a cidade se originou em torno do espaço sagrado, onde as pessoas acorriam para as práticas de seus cultos e, com o tempo, ali foram se aglomerando” (p. 66). Num segundo momento olha-se para a religião nas cidades contemporâneas (p. 67-69), em seguida fala-se da presença/insistência da religião na configuração do cenário urbano (p. 69-70). Por fim, são apresentados os desafios da relação entre religião e cidade: a) afirmar o plural sem fragmentar o tecido social; b) afirmar a liberdade religiosa sem individualismos; c) afirmar o ético e o profético sobre o estético, d) desenvolver a cultura do encontro, do diálogo e da cooperação (p. 71-75).
Na segunda parte, intitulada “Igreja Urbana” (p. 81-138) situa-se a fé cristã e a Igreja no contexto urbano atual, dando indicações para a enculturação da fé, para uma Igreja com rosto urbano e presente na cidade segundo as exigências desse contexto, sobretudo em relação à sua organização e às estruturas:
5) Igreja sacramento do reinado de Deus (p. 83-96), de autoria de Dr. Francisco de Aquino Júnior. A reflexão deste capítulo insere-se no processo de reflexão desencadeado pelo Concílio Vaticano II (1962-1965), centrando-se naquilo que segundo este evento eclesial, constitui o cerne do mistério da Igreja: ser sacramento de salvação ou do reinado de Deus no mundo (cf. p. 84). Entendendo que o mistério da Igreja é inseparável do mistério de Cristo, e cujo centro está o anúncio e a realização do reinado de Deus, o autor fala em primeiro lugar da Igreja como sinal e instrumento do reinado de Deus no mundo (p. 85-91) e, num segundo momento o autor traz considerações sobre a Igreja no mundo urbano levando em conta o texto das atuais Diretrizes da ação evangelizadora. Destaca que a partir das Diretrizes é possível fazer três insistências: fazendo notar que neste texto se insiste: a) na centralidade do Evangelho de Jesus Cristo que é o Evangelho do reinado de Deus, b) a insistência na pequena comunidade como ambiente de vivência da fé e forma de presença da Igreja na sociedade e, c) a insistência no caráter missionário da comunidade (p. 92- 95).
6) Uma Igreja de rosto urbano (p. 97-109), de autoria de Dr. Mario de França Miranda. Partindo da diversidade cultural presente nas cidades, seu impacto na comunidade eclesial e em sua missão evangelizadora, o autor elabora sua reflexão em três etapas. Elenca primeiramente algumas noções básicas provindas tanto da fé cristã quanto também da antropologia cultural: o ser cristão, a realidade simbólica do cristianismo, a importância da linguagem/ linguagem condizente (p. 98-101). Em seguida o autor chama a atenção para a configuração eclesial que melhor responde aos desafios da diversidade cultural presente no espaço urbano: a opção por pequenas comunidades eclesiais centradas na palavra, na eucaristia, na caridade e na missão (p. 101-107). Na terceira parte, o autor chama a atenção para a unidade eclesial na pluralidade de comunidades, ou seja, a necessária salvaguarda da unidade e da visibilidade eclesial sempre exercida pela paróquia (p. 107-109).
7) Comunidade: modo de vida e testemunho evangélico (p. 110-123), de autoria de Dr. Celso Pinto Carias. O autor busca salientar o tema da comunidade, tratado nas Diretrizes de forma prioritária, como um caminho fundamental para responder aos desafios do mundo urbano. Num primeiro momento chama atenção para alguns conceitos/questões que as Diretrizes precisam aprofundar: missão, culturas urbanas e comunidade missionária (p. 111-119). No segundo momento, a partir do exemplo das Comunidades Eclesiais de Base, o autor, oferece uma mística de caminho comunitário: comunidade como espaço do encontro, da solidariedade e lugar da alegria (p. 119-123).
8) Periferias como lugar teológico-eclesial (p. 124-138), de autoria de Sinivaldo S. Tavares. Na primeira parte deste capítulo, o autor destaca que as periferias são produzidas pelo fenômeno de urbano-periferação e constituem-se num cenário conflitivo e paradoxal, posto que resultam da coexistência de segregação territorial e desigualdade econômica com transgressão de regras estabelecidas e reinvenção da cultura e da política (cf. p. 124). Num segundo momento as periferias são descritas como lugar teológico-pastoral porque se apresentam como desafio à evangelização evangelizadora, esclarecendo à luz do Concílio Vaticano II o que entendemos por “lugar teológico-pastoral” (p. 128-131), apontando num terceiro momento para as implicações dessa proposição no que diz respeito à presença e missão da Igreja: o valor perene da opção pelos pobres (p. 131-134); a eleição das periferias como prioridade da evangelização (p. 134-136); o desafio de uma evangelização inclusiva e integral (p. 136-137).
Na terceira parte, intitulada “Pastoral Urbana” (p. 139-223), são oferecidas perspectivas para a operacionalização de uma pastoral com jeito urbano e no contexto urbano, relativa aos dramas e às urgências socioambientais, à fragmentação do tecido social, bem como às exigências de uma pastoral orgânica em vista de uma Igreja com rosto urbano:
9) Uma pastoral com rosto urbano (p. 141-159), de autoria do Me. Manoel José de Godoy. O autor destaca que viver na cidade exige uma postura de discernimento permanente, pois os sinais de Deus aí estão mesclados com os mais diversos processos que constituem a vida e a cultura urbana (cf. p. 142). Por isso, é preciso olhar a cidade com ternura (p. 142-148), decifrar o tempo que se vive: a cidade em três tempos: cronos (tempo das horas e datas, dos relógios e calendários), kairós (tempo enquanto qualidade) e eschaton (um acontecimento qualitativa e radicalmente novo), (p. 148-152), abrindo-se à busca permanente de paradigmas que deem conta da realidade são condições para que o Evangelho tenha chance de ser proposto verdadeiramente como Boa-nova para os homens e mulheres urbanos (p. 152-156).
10) Refazer o tecido social e eclesial (p. 160-180), de autoria de Dr. Benedito Ferraro. O autor, diante da rica experiência das Comunidade Eclesiais de Base, destaca que para que as comunidades cristãs possam dar sua contribuição na reconstrução do tecido social e eclesial é fundamental que os cristãos e cristãs se tornem sujeitos sociais e sujeitos eclesiais. Esse caminho indica a necessidade da cidadania social e da cidadania eclesial, retomando a vivência da sinodalidade na Igreja e assumindo a defesa dos direitos dos pobres e da Casa Comum na sociedade (p. 160-162). Diante disso, o autor propõe uma série de considerações sobre a globalização da indiferença e do descarte versus cultura da solidariedade e do encontro (p. 162-165); a comunidade eclesial como espaço de encontro e acolhida e como sujeito da evangelização (p. 165-168); a Comunidade Eclesial de Base como célula inicial da estruturação (p. 169-171); a pastoral social e a Igreja como promotora da consciência cidadã (p. 171-178).
11) Evangelização das cidades e conversão ecológica. Sugestões a partir das Diretrizes da CNBB (p. 181-205), de autoria de Dr. Afonso Murad. Partindo do objetivo geral das Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil 2019-2023, o autor destaca que nas Diretrizes a perspectiva social aparece com a “opção preferencial pelos pobres” e a ecológica em “cuidado da Casa Comum”. São, portanto, inseparáveis a preocupação pela natureza, a justiça para com os pobres, o compromisso na sociedade e a paz interior (cf. p. 181-182). Tendo-se e conta o apelo da ecologia integral e da conversão ecológica (p. 182-184), o autor pergunta-se como as Diretrizes colocam a questão socioambiental e de que forma elas nos ajudam a fazer um caminho de conversão ecológica e de adoção de uma ecologia integral nas cidades (cf. p. 184). Buscando dar uma resposta a estas interrogações mostra como as Diretrizes apresentam o panorama sobre a realidade urbana e até que ponto elas incluem a ecologia integral (p. 184-189). Na opinião do autor, as Diretrizes não contemplam de forma suficiente a ecologia integral e a conversão ecológica (cf. p. 191), que sugere então algumas ações e processos relacionados com os pilares da ação evangelizadora: o pilar da palavra e a espiritualidade ecológica (p. 192-195); o pilar do Pão e a conversão ecológica (p. 195197), os pilares da caridade e da ação missionária na conversão ecológica (p. 197-200). Por fim, são apresentadas sugestões de ações comunitárias nos espaços eclesiais urbanos: eventos, campanhas, processos, gestão ambiental, grupo de incidência política (p. 200-204).
12) Pastoral orgânica e de conjunto na cidade (p. 206-219), de autoria de Dr. Agenor Brighenti. Para o autor não há como fazer pastoral urbana sem pastoral orgânica e de conjunto (cf. p. 206-208). A pastoral orgânica e de conjunto se autocompreende como “orgânica” na medida em que cada iniciativa, setor ou frente se constitui um órgão, inserido em um único corpo, que é comunidade eclesial; de “conjunto”, no sentido das diferentes inciativas pastorais de uma determinada comunidade eclesial se inserirem no conjunto das iniciativas da Igreja local (cf. p. 209). Ela precisa levar em conta os fundamentos: de ordem teológica (p. 209-211), de ordem de eficácia da ação (p. 211-213). Implica pensar ação tanto do ponto de vista pedagógico como metodológico (p. 213). As condições de ordem pedagógica: a superação do amadorismo e do pragmatismo (p. 213-214); considerar a comunidade como sujeito da pastoral (p. 214-215). As condições de ordem metodológica implicam três exigências básicas: pés no chão, olhos no horizonte e sujar as mãos (p. 216-217).
Uma Igreja servidora da vida nas grandes cidades... Tendo-se em conta que 85% dos brasileiros vivem nas cidades – a evangelização nas grandes cidades é um desafio abrangente, complexo e urgente. Este livro organizado por Dr. Agenor Brighenti e Dr. Francisco de Aquino Júnior como um convite a viver a fé cristã na cidade está destinado a fazer grande bem. Ajudará os agentes de pastoral a pensar a evangelização, inculturação e pastoral urbana. Brighenti salienta que na cidade, a pastoral precisa ser uma evangelização inculturada no mundo urbano. Precisa ser pastoral urbana e não simplesmente ação pastoral na cidade, muitas vezes de do rural ou não levando em conta as peculiaridades do contexto. Uma evangelização inculturada no mundo urbano é uma ação pastoral encarnada a realidade urbana, caracterizada por desafios, estilo de vida, linguagem, símbolos e imaginários próprios.
Certamente as reflexões oferecidas neste valioso livro ajudaram a melhor conhecer a cidade (centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de ida da humanidade) e, com ela interagir e desta forma ajudaram os agentes de pastorais a superar o medo e a falta de abertura diante do novo – reconhecendo que Deus habita a cidade e Ele está no meio de nós!