14 Junho 2021
"Dê um peixe a um homem e você o alimentará por um dia, ensine-o a pescar e você o alimentará para o resto da vida". Esta verdade tem mais de 2.500 anos e o mundo nunca a memorizou. Ele a ignora, continua a "doar", sempre convencido de que é a única forma de ajudar. Há três meses, o diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, escreveu aos líderes mundiais que estava na hora de mudar a estratégia, como na guerra. Naquela carta aberta, ele pedia aos Grandes para fazerem escolhas corajosas para sair do pesadelo da pandemia. Começando com uma decisão clara, simples e terrivelmente eficaz: "Suspender as patentes". Mas as primeiras sete autoproclamadas potências mundiais parecem ter perdido mais uma oportunidade de mudar de curso. Diante do apartheid vacinal do qual o Sul geopolítico do planeta está prisioneiro, os líderes do G7 em Corbis Bay optaram pelo caminho mais fácil: colocar a mão no bolso para tirar as moedas para doar um bilhão de doses no próximo ano, não agora, mas em dezoito meses. Uma quantia faiscante, que talvez atraia em valor absoluto. Mas completamente insuficiente para resolver o drama: mais 10 bilhões de vacinas são necessárias para imunizar 70 por cento dos habitantes da Terra e assim alcançar aquela imunidade de população indispensável para acabar com a pandemia. Caso contrário - os especialistas não se cansam de repetir -, o vírus permanecerá à espreita, pronto para uma nova e trágica mutação-irrupção. É, portanto, um interesse comum "vacinar o mundo".
A reportagem é de Lucia Capuzzi, publicada por Avvenire, 13-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
O Papa Francisco repete isso desde o Regina Coeli em 3 de maio de 2020. Por outro lado, formalmente, ninguém o contesta. Muito pelo contrário. A lacuna entre teoria e realidade, entretanto, é feita de cautela, aliás, passos tímidos e inversões abruptas. Uma hipótese - talvez a mais simples - é a administração às nações de baixa renda das doses excedentes que a Europa e os EUA garantiram para si desde o primeiro momento. Com toda a boa vontade, no entanto, os estoques acumulados e não utilizados não ultrapassam dois bilhões. Ainda faltam oito. A União Europeia, por seu lado, está dividida entre a necessidade de acelerar a distribuição de vacinas e a vontade de não desagradar as Big Pharma. O difícil equilíbrio seria garantido pela utilização das chamadas "licenças facultativas": sem qualquer derrogação sobre as propriedades intelectuais, as empresas farmacêuticas estipulam, em plena autonomia, acordos com países terceiros para os quais podem repassar a produção. Algumas, na verdade, já estão fazendo isso. No entanto, a justiça vacinal não melhorou.
Existe outra possibilidade, apoiada fortemente por cientistas, ganhadores do Nobel e ativistas, pela ONU e OMS. Além do Papa. A suspensão temporária das patentes das vacinas anti-Covid até o fim da pandemia. A discussão na Organização Mundial do Comércio (OMC) - destinada para resolver a questão - prossegue desde o último dia 2 de outubro, quando a Índia e a África do Sul apresentaram o pedido. Não é por acaso que essas são as nações na linha de frente: Nova Déli e Pretória - na época também havia o Brasil com elas - lideraram a batalha pelo acesso universal aos antirretrovirais. E, contra todas as previsões, eles ganharam, permitindo que o Sul do Planeta, em particular a África, reduzisse drasticamente as mortes por AIDS. Desta vez a luta talvez seja ainda mais difícil.
A defesa antiaérea dos Grandes, no dia 12 de março, fez naufragar a primeira proposta, sem nem chegar nem mesmo a uma minuta. Nesse ínterim, no entanto, um sinal de esperança veio da escolha repentina de Joe Biden de apoiar a suspensão das patentes. Na última reunião da OMC, nos dias 8 e 9 de junho, os EUA votaram com o Sul a favor da redação de pelo menos um texto para discussão. Nos mesmos dias, porém, o presidente dos Estados Unidos apresentou um "grande plano anti-Covid", no qual não há sequer uma menção ao afrouxamento da propriedade intelectual. Juntamente com a Europa, Washington tem se orientado para a “doação das doses”, gerando incômodo naqueles - inclusive a OMS – que enxergam nisso um fundo de paternalismo conveniente.
Mesmo sem patentes, o Sul global não teria condições de produzir os medicamentos anti-Covid, devido à falta de competências e de matéria-prima. Essa é a tese das principais empresas farmacêuticas: é uma pena que 80% dos medicamentos sejam produzidos justamente nas periferias globais. E que, durante um evento da OMS no mês passado, um grupo de especialistas tenha identificado potenciais produtores no Paquistão, Bangladesh, África do Sul, Senegal, Indonésia e Canadá. Desde que o obstáculo da patente seja removido, conforme legalmente previsto pelo tratado fundador da OMC. “Em circunstâncias excepcionais, a Conferência dos Ministros pode decidir conceder uma derrogação a uma obrigação imposta a um membro pelo presente acordo ou por um acordo comercial multilateral”, estabelece o artigo 9. Em circunstâncias excepcionais, justamente. Se não agora, quando?
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Ajuda para o mundo: a hora é agora. Suspender as patentes farmacêuticas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU