Um novo relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Fazendo as pazes com a Natureza (2021), destaca a “gravidade das triplas emergências ambientais da Terra: clima, perda de biodiversidade e poluição”. Essas três “crises planetárias autoinfligidas”, afirma o Pnuma, colocam “o bem-estar das gerações atuais e futuras em um risco inaceitável”. Esse Alerta Vermelho, lançado para o Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho), é produzido com a Semana Internacional de Luta Antiimperialista.
A reportagem é publicada por Tricontinental, 02-06-2021.
Os ecossistemas se degradaram a um nível alarmante. O relatório da Plataforma de Política Científica Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos de 2019 fornece exemplos impressionantes da escala da destruição:
Um milhão das cerca de oito milhões de espécies de plantas e animais estão ameaçadas de extinção.
As ações humanas levaram pelo menos 680 espécies de vertebrados à extinção desde 1500, com as populações globais de espécies de vertebrados caindo 68% nos últimos 50 anos.
Mais de 9% de todas as raças de mamíferos domesticados usados para alimentação e agricultura foram extintas em 2016, com outras mil raças em extinção.
A degradação do ecossistema é acelerada pelo capitalismo, que intensifica a poluição e o desperdício, o desmatamento, a mudança e exploração do uso da terra e os sistemas de energia movidos pelo carbono. Por exemplo, o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês), Mudanças Climáticas e Terra, (janeiro de 2020) aponta que apenas 15% das zonas úmidas conhecidas permanecem, a maioria tendo sido degradada além da possibilidade de recuperação. Em 2020, o Pnuma documentou que, de 2014 a 2017, os recifes de coral sofreram o mais longo evento de branqueamento grave já registrado. Prevê-se que os recifes de coral diminuam drasticamente com o aumento das temperaturas; se o aquecimento global aumentar para 1,5°C, apenas 10-30% dos recifes permanecerão; e se o aquecimento global aumentar para 2°C, então menos de 1% dos recifes irão sobreviver.
Do jeito que as coisas estão, há uma boa chance de que o oceano Ártico esteja sem gelo em 2035, o que afetará tanto o ecossistema ártico quanto a circulação das correntes oceânicas, possivelmente transformando o clima global e regional. Essas mudanças na cobertura de gelo do Ártico já desencadearam uma corrida entre as principais potências pelo domínio militar na região por conta de seus valiosos recursos energéticos e minerais, abrindo ainda mais a porta para uma devastadora destruição ecológica; em janeiro de 2021, em um artigo intitulado Regaining Arctic Dominance [Recuperando o domínio do Ártico], os militares dos EUA caracterizaram a região como “simultaneamente uma arena de competição, uma linha de ataque em conflito, uma área vital que contém muitos dos recursos naturais de nossa nação e uma plataforma de projeção de poder global”.
O aquecimento do oceano vem junto com o despejo anual de até 400 milhões de toneladas de metais pesados, solventes e lodo tóxico (entre outros resíduos industriais) – sem contar os resíduos radioativos. Este é o lixo mais perigoso, mas é apenas uma pequena proporção do lixo total lançado no oceano, incluindo milhões de toneladas de plástico. Um estudo de 2016 descobriu que, em 2050, é provável que haja mais plástico no oceano do que peixes em termos de peso. No oceano, o plástico se acumula em redemoinhos, um dos quais é a Grande Mancha de Lixo do Pacífico, uma massa estimada de 79 mil toneladas de plástico oceânico flutuando dentro de uma área concentrada de 1,6 milhão de km² (aproximadamente o tamanho do Irã). A luz ultravioleta do sol degrada os detritos em “microplásticos”, que não podem ser limpos e que perturbam as cadeias alimentares e destrói habitats. O despejo de resíduos industriais nas águas, inclusive em rios e outros corpos de água doce, gera pelo menos 1,4 milhão de mortes anualmente por doenças evitáveis que estão associadas à água potável poluída por patógenos.
Os resíduos nas águas são apenas uma fração do que é produzido pelos seres humanos, estimado em 2,01 bilhões de toneladas por ano. Apenas 13,5% desses resíduos são reciclados, enquanto apenas 5,5% são compostados; os 81% restantes são descartados em aterros sanitários, incinerados (o que libera gases do efeito estufa e outros gases tóxicos) ou vão para o oceano. Com a taxa atual de produção de resíduos, estima-se que esse número aumentará 70%, chegando a 3,4 bilhões de toneladas em 2050.
Nenhum estudo mostra uma diminuição da poluição, incluindo a geração de resíduos, ou uma desaceleração do aumento da temperatura. Por exemplo, o Relatório da Lacuna de Emissões do Pnuma (dezembro de 2020) mostra que, até 2100 e mantendo a atual taxa de emissões, o mundo está a caminho de um aquecimento de pelo menos 3,2°C acima dos níveis pré-industriais. Isso é muito maior do que os limites estabelecidos pelo Acordo de Paris de 1,5° – 2,0°C. O aquecimento planetário e a degradação ambiental se alimentam mutuamente: entre 2010 e 2019, a degradação e a transformação da terra – incluindo o desmatamento e a perda de carbono do solo em terras cultivadas – contribuíram com um quarto das emissões de gases de efeito estufa, com as mudanças climáticas agravando ainda mais a desertificação e o rompimento de ciclos de nutrição do solo.
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Na declaração da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, o sétimo princípio de “responsabilidades comuns, mas diferenciadas” – acordado pela comunidade internacional – estabelece que todas as nações precisam assumir algumas responsabilidades “comuns” para reduzir as emissões, mas que os países desenvolvidos têm maior responsabilidade “diferenciada”, por historicamente ter maior contribuição nas emissões globais cumulativas que causam as mudanças climáticas. Uma olhada nos dados do Projeto de Carbono Global do Centro de Análise de Informações de Dióxido de Carbono mostra que os Estados Unidos da América – por si só – têm sido a maior fonte de emissões de dióxido de carbono desde 1750. Os principais emissores de carbono ao longo da História foram todas as potências industriais e coloniais, principalmente Estados europeus e os EUA. A partir do século 18, esses países não apenas emitiram a maior parte do carbono na atmosfera, mas também continuam a exceder sua parcela justa do Orçamento Global de Carbono em proporção às suas populações. Os países com menos responsabilidade pela criação da catástrofe climática – como pequenos Estados insulares – são os mais afetados por suas desastrosas consequências.
A energia barata baseada no carvão e nos hidrocarbonetos, junto com a pilhagem dos recursos naturais pelas potências coloniais, permitiu aos países da Europa e da América do Norte aumentar o bem-estar de suas populações à custa do mundo colonizado. Hoje, a extrema desigualdade entre o padrão de vida do europeu médio (747 milhões de pessoas) e do indiano (1,38 bilhão de pessoas) é tão gritante quanto há um século. A dependência da China, Índia e outros países em desenvolvimento do carbono – particularmente do carvão – é de fato alta; mas mesmo esse uso recente de carbono pela China e Índia está bem abaixo do dos Estados Unidos. Os números de 2019 para as emissões de carbono per capita da Austrália (16,3 toneladas) e dos EUA (16 toneladas) são mais do que o dobro da China (7,1 toneladas) e da Índia (1,9 toneladas).
Todos os países do mundo precisam fazer avanços para deixar de depender de energia baseada em carbono e evitar a degradação do meio ambiente em grande escala, mas os países desenvolvidos devem ser responsabilizados por duas ações urgentes principais:
Reduzir as emissões prejudiciais. Os países desenvolvidos devem fazer cortes drásticos nas emissões de pelo menos 70-80% dos níveis de 1990 até 2030 e se comprometer com um caminho para aprofundar ainda mais esses cortes até 2050.
Mitigação e adaptação capacitante. Os países desenvolvidos devem ajudar os países em desenvolvimento transferindo tecnologia para fontes de energia renováveis, bem como fornecendo financiamento para se mitigar e se adaptar aos impactos das mudanças climáticas. A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima de 1992 reconheceu a importância da divisão geográfica do capitalismo industrial entre o Norte e o Sul Global e seu impacto nas respectivas participações desiguais do orçamento mundial de carbono.
É por isso que todos os países nas inúmeras Conferências do Clima concordaram em criar um Fundo Verde para o Clima na Conferência de Cancún, em 2016. A meta atual é de 100 bilhões de dólares anuais até 2020. Os Estados Unidos, sob a nova administração Biden, se comprometeram a dobrar seu valor internacional, financiar contribuições até 2024 e triplicar suas contribuições para adaptação. Mas, dado o patamar muito baixo, isso é altamente insuficiente. A Agência Internacional de Energia, em seu World Energy Outlook , sugere que o número real para o financiamento climático internacional deve estar na casa dos trilhões a cada ano. Nenhuma das potências ocidentais sugeriu algo parecido com um compromisso dessa escala com o Fundo.
Mudança para emissões zero de carbono. As nações do mundo como um todo, lideradas pelo G20 (que responde por 78% de todas as emissões globais de carbono), devem adotar planos realistas para chegarmos a zero emissões líquidas de carbono. Na prática, isso significa zerar a emissão de carbono até 2050.
Reduzir a pegada militar dos EUA. Atualmente, as Forças Armadas dos EUA são o maior emissor institucional de gases de efeito estufa. A redução da pegada militar dos EUA reduziria consideravelmente os problemas políticos e ambientais.
Fornecer compensação climática para países em desenvolvimento. Garantir que os países desenvolvidos forneçam compensação climática por perdas e danos causados por suas emissões climáticas. Exigir que os países que poluíram as águas, o solo e o ar com resíduos tóxicos e perigosos – incluindo resíduos nucleares – arquem com os custos da limpeza; exigir o fim da produção e utilização de resíduos tóxicos.
Fornecer financiamento e tecnologia aos países em desenvolvimento para mitigação e adaptação. Além disso, os países desenvolvidos devem fornecer 100 bilhões de dólares por ano para atender às necessidades dos países em desenvolvimento, inclusive para adaptação e resiliência ao impacto real e desastroso da mudança climática. Esses impactos já são suportados pelos países em desenvolvimento (particularmente os países de baixa altitude e pequenos Estados insulares). A tecnologia também deve ser transferida para os países em desenvolvimento para mitigação e adaptação.