22 Mai 2021
"Fica constatado que as políticas públicas voltadas à proteção social da população avançam e retrocedem de acordo com o movimento da economia. Faz-se necessário que sejam implementadas medidas de estado constantes no combate à desigualdade de renda e alívio da pobreza", escreve Adrimauro Gemaque, Analista do IBGE, Administrador (graduado em Administração Pública) e Consultor em Política Pública e Articulista, em artigo publicado por EcoDebate, 21-05-2021.
Depois de um ano da maior pandemia sanitária mundial anunciada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 11 de março de 2020, o Brasil ficou mais desigual e muito mais faminto. No final de 2019, o Brasil havia sido destaque no relatório de desenvolvimento humano divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). De acordo com o estudo, o país era o sétimo mais desigual do mundo, atrás apenas de nações africanas.
Ainda em 2019, um estudo do Banco Mundial apontou que o Brasil possuía 51,7 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza, 24,7% do total da população com uma renda mensal de R$ 387,07
Em março de 2020, quando a economia começou a ser impactada pela Covid-19, o mercado de trabalho ainda estava fragilizado. Então, no segundo trimestre de 2020 a desigualdade de renda bateu recorde no Brasil, foi o que apontou o estudo “Efeitos da pandemia sobre o mercado de trabalho brasileiro”, divulgado pelo FGV Social (Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas). O indicador estudado na pesquisa foi o índice de Gini, que monitora a desigualdade de renda em uma escala de 0 a 1, sendo que, quanto mais próximo de 1, maior é a desigualdade. O do Brasil ficou em 0,6257 em março.
Fonte: IBRE/FGV (Foto: Reprodução EcoDebate)
Isto foi péssimo para o Brasil, aconteceu em momento muito ruim para a economia brasileira. Naquela ocasião os dados do IBGE apontavam que a taxa de desocupação havia caído de 12% para 11,7%, entre 2018 e 2019. O país estava saindo de uma forte recessão, que começou no segundo trimestre de 2014 e foi até o final de 2016.
O estudo da FGV Social, investigou sobre a renda média dos brasileiros na pandemia, para além do problema da desigualdade. E os números confirmaram que houve sim queda significativa na renda do trabalho da população. 20,1% foi o tamanho da queda na renda média da população brasileira no segundo trimestre de 2020, na comparação com três primeiros meses do ano. Com isso, a queda de renda da população alcançou diferentes níveis. Os 10% mais ricos também tiveram perdas nos rendimentos, mas não tão substanciais como a população de menor renda que foi duramente atingida.
Fonte: FGV/Social (Foto: Reprodução EcoDebate)
De acordo com projeções feitas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), divulgada em março de 2021. Existiam no Brasil, entre agosto de 2020 e fevereiro de 2021, cerca de 17,7 milhões de pessoas que voltaram à pobreza, passando de 9,5 milhões (4,5% da população) para 27,2 milhões em fevereiro (12,8% da população).
Para Daniel Duque, pesquisador da IBRAE/FGV (…) “A redução do auxílio emergencial é um fator que, além de puxar a queda da renda média, também tem grande efeito sobre a pobreza, principalmente por estar concentrada entre a população mais pobre do país”. Então, a redução do Auxílio Emergencial foi o fator preponderante para puxar a queda da renda média, fazendo um grande efeito sobre a pobreza.
O impacto da pandemia e do Auxílio Emergencial são, além de distributivamente maiores sobre os mais pobres, também são regionalmente mais fortes sobre o Nordeste e Norte. Como demonstrado no gráfico abaixo que, após a redução registrada do Auxílio Emergencial, a Pobreza Extrema teve maior alta no Nordeste, que passou o Norte com a maior proporção, tendo chegado a 10%. No Sul e Centro Oeste, o impacto foi quase nulo, e tal proporção da população continua em torno de apenas 2%.
Fonte: IBGE – Elaboração: IBRE/FGV (Foto: Reprodução EcoDebate)
Evidentemente que não pode deixar de citar o desemprego neste contexto. O IBGE divulgou no dia 30 de abril a taxa de desocupação referente ao trimestre móvel de dezembro de 2020 a fevereiro de 2021. Eram 14,4 milhões de pessoas desocupadas. A taxa é recorde da série histórica iniciada em 2012. Isso demonstra um cenário frágil do mercado de trabalho. Aliás, desde o início da pandemia, o número de pessoas sem emprego no Brasil aumentou 16,9%, e teve ainda um acréscimo de 2,1 milhões de pessoas em busca de trabalho, segundo o Instituto.
No Amapá, em 2019 existiam 335 mil amapaenses vivendo abaixo da linha da pobreza. Considerando que naquele ano a população estimada era de 845.731 habitantes isto representava 39,6% do total da população. Já na pobreza extrema eram 59 mil amapaenses nessa condição, segundo o IBGE (Indicadores Sociais – 2020).
Então, em 2019 o estudo do Banco Mundial apontou que 24,7% da população brasileira vivia abaixo da linha da pobreza. Já no Amapá eram 39,6%, de acordo com o IBGE. Um percentual bem acima da média nacional. Muito embora sejam metodologias diferentes, os números apresentados merecem sim uma reflexão, pois deixa a população amapaense ainda mais desigual em relação ao Brasil. Ademais, a desigualdade por ser um fenômeno de diferenciação entre pessoas de uma mesma sociedade, coloca alguns indivíduos em condições estruturalmente mais vantajosas do que outros.
Já com relação a fome, a Pesquisa de Orçamentos Familiares – POF (2017-2018), divulgada pelo IBGE em setembro de 2020 apontou que no Brasil viviam 10,3 milhões de pessoas com insegurança alimentar grave em 3,1 milhões de domicílios. O nível de Insegurança Alimentar Grave (IA grave) significa que houve ruptura nos padrões de alimentação resultante da falta de alimentos entre todos os moradores, incluindo, quando presentes, as crianças. A pesquisa identificou também que esse cenário foi proporcionalmente mais expressivo nos domicílios da área rural do Brasil.
O conceito de insegurança alimentar é empregado quando não há acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem que isso necessariamente comprometa o acesso a outras necessidades essenciais.
No Amapá, a mesma pesquisa levantou que 107 mil habitantes que viviam em situação de fome, classificadas com alimentação ruim e insuficiente. O indicador representava 13,2% da população do estado.
Fonte: IBGE – Elaboração Portal G1 (Foto: Reprodução EcoDebate)
Estes números retratam um cenário antes da pandemia sanitária. Agora a realidade é bem pior. Um estudo coordenado por um grupo de pesquisadores da Universidade Livre de Berlim, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais e a Universidade de Brasília, realizado no fim de 2020, e que foi divulgado em abril de 2021, mapeou a parcela dos lares brasileiros que enfrenta fome ou acesso irregular à comida. O levantamento apontou que em 15% dos domicílios há privação de alimentos e fome.
Fonte e Elaboração: Universidade Livre de Berlim (Foto: Reprodução EcoDebate)
Para o cientista político Lúcio Rennó, “A pandemia de covid-19 chega no mundo e em particular no Brasil no momento de redução da nossa capacidade de resposta estatal, dada a fragilidade fiscal do nosso país e de uma economia que dava passos muito lentos e muito graduais de recuperação, mas com ainda aprofundamento da pobreza e da desigualdade. Isso é uma consequência, quase uma lei que nós vivemos quando temos crises econômicas: os setores mais pobres da sociedade são os que mais sofrem. E sentem de forma mais imediata e rápida e são os que levam mais tempo para se recuperar desse processo”.
Documentar este cenário que vivemos no Brasil causa uma sensação de angustia. A pandemia escancarou, mais uma vez, o péssimo quadro da desigualdade social e econômica do país.
Também foi possível ver a deterioração da infraestrutura social, a partir de março de 2020, sentida com a intensidade em meio à crise econômica sanitária, não sendo possível lançar mão dos programas sociais.
No decorrer da primeira onda da pandemia, no ano passado, mais de 30% dos 211,8 milhões de residentes nos 5.570 municípios brasileiros tiveram de ser socorridos na etapa inicial do auxílio de R$ 600,00, sugerido pelo Governo Federal e aprovado pelo Congresso, segundo dados divulgados em julho de 2020 pelo IBGE. Enquanto corria o trâmite burocrático do auxílio emergencial, foi preciso identificar quem eram os necessitados invisíveis. Foi quando o governo federal descobriu, em plena pandemia, 38 milhões de pobres, sem carteira assinada e nenhum auxilio. Esses números foram divulgados em novembro de 2020 pelo Ministério da Economia.
Em junho de 2020 escrevi o artigo “Duas pandemias! Uma sanitária e outra econômica”, em que destaquei (…) que por inação dos nossos governantes estava preocupado, pois tínhamos o vírus também destruindo as finanças públicas do governo federal, estados e municípios criando grande endividamento público. Como foi possível constatar, as políticas públicas e os programas sociais que poderiam mitigar o efeito da pandemia com a transferência de recursos aos mais pobres tiveram a sua eficiência limitada por problemas de desenho ou até mesmo por restrições orçamentárias dos governos federal, estadual e municipal.
Portanto, fica constatado que as políticas públicas voltadas à proteção social da população avançam e retrocedem de acordo com o movimento da economia. Faz-se necessário que sejam implementadas medidas de estado constantes no combate à desigualdade de renda e alívio da pobreza.
“Vi ontem um bicho
Na imundice do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com velocidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem”
Manoel Bandeira, escritor, poeta, crítico literário, professor e tradutor.
NERI, Marcelo C. “Efeitos da pandemia sobre o mercado de trabalho brasileiro: Desigualdades, ingredientes trabalhistas e o papel da jornada” (2020). Disponível aqui.
DUQUE, Daniel. Pobreza e desigualdade aumentam de novo: PNAD Contínua Covid mostrou impacto do Auxilio Emergencial nos indicadores sociais (2020).
GEMAQUE, Adrimauro. Duas pandemias! Uma sanitária e outra econômica. Disponível aqui.
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A pandemia agravou a desigualdade de renda e a pobreza no Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU