10 Mai 2021
Bernard Kouchner já teve tantas vidas. Jovem militante antifascista na época da guerra da Argélia, protagonista de maio de 1968 em Paris, médico humanitário na África desde a guerra de Biafra, fundador dos Médicos Sem Fronteiras em 1971, idealizador da operação de resgate dos botes vietnamitas em 1979, presença constante em várias frentes humanitárias (mesmo na ex-Iugoslávia, durante a guerra). E depois ministro francês da Saúde em três ocasiões (a primeira com François Mitterrand) e das Relações Exteriores, com Nicolas Sarkozy. E ainda, na frente esquecida da epidemia de Ebola. Hoje, aos 81 anos, de seu apartamento parisiense, ele observa a pandemia com os olhos experientes de quem, afinal, é antes de tudo um médico: o “french doctor”, como era chamado em todo o mundo.
A entrevista com Bernard Kouchner é editada por Leonardo Martinelli, publicada por La Stampa, 09-05-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
O que você acha da ideia de suspender as patentes de vacinas da Covid? É esta a solução para torná-las acessíveis aos países mais pobres?
Não é a solução, mas sim uma das soluções. E é o provável início de uma nova consciência no âmbito da saúde pública. Este será um princípio difícil de aplicar e o processo será longo, porque será preciso realizar as campanhas de vacinação universal nos países mais pobres, que possuem estruturas sanitárias frágeis ou quase inexistentes. Esse é um obstáculo que não pode ser superado simplesmente suspendendo as patentes... Mas a ideia de um compartilhamento internacional de vacinas é importante. E também devem ser compartilhados medidas de precaução e "gestos de barreira", que não devem ser abandonados sob o pretexto de vacinas. Nasce uma política de saúde pública mundial.
Na Europa a Itália e a França concordam, mas a Alemanha se opõe...
Não, a Alemanha também será a favor. As últimas declarações de Angela Merkel no Porto assumiram nuances mais favoráveis. A chanceler é uma pessoa realista. E a ideia é boa, é um sonho necessário, e também Merkel sabe disso.
Digamos que para a Itália e a França seria mais fácil renunciar às patentes, porque não conceberam vacinas anti-Covid, em comparação com os EUA, Alemanha e Reino Unido...
Talvez, em todo caso, a situação não é a mesma. A Itália é um país desenvolvido que melhorou significativamente sua saúde pública. Mas não tem um grupo farmacêutico como o francês Sanofi, nem um laboratório da envergadura do instituto Pasteur. Nós na França temos, mas fracassamos mesmo assim, com dois campeões desse calibre. Para além de tudo isso, porém, suspender as patentes é um sonho necessário. E agora é preciso ajudar os países mais pobres a melhorar suas infraestruturas sanitárias.
Outro elemento preocupante: segundo a OMS, existem 46 milhões de migrantes e refugiados em todo o mundo, que não têm acesso às vacinas...
Os migrantes são um grande problema. Mas só nos preocupamos com eles para encontrar uma maneira de rejeitá-los. A Itália, deixando de lado a polêmica, fez esforços consideráveis para acolhê-los e nós, franceses e outros europeus, nunca os reconhecemos realmente. É outra história, mas uma história triste.
Você participou ativamente de operações humanitárias contra o Ebola na África. Poderiam ser tiradas algumas lições já daquela experiência?
Claro, não se entendeu que estávamos caminhando para uma sucessão de pandemias globais. E era preciso se preparar para conceber vacinas e terapias, desenvolver uma abordagem internacional para a saúde pública. Mas ninguém se importava com o Ebola. E agora está recomeçando, na República Democrática do Congo e na Guiné. E ainda ninguém liga para isso.
O pesadelo do Covid está acabando na sua opinião?
Espero estar errado, mas haverá uma persistência do Coronavirus mais forte do que se acredita e devemos tomar precauções, nos preparar para isso desde agora. A Pfizer e outros grupos farmacêuticos estão fazendo isso. Assim como acontece com a gripe, uma nova vacina precisará ser desenvolvida a cada ano, em função das mutações do vírus. Não há a certeza de que seja assim, mas é possível.
Você pegou a Covid?
Sim, no início, quase um ano atrás. Mas tive sorte, não durou muito e eu tive uma forma leve. Se eu pensar em quanto tempo fiquei na Guiné, quando tinha o Ebola e não fiquei doente. E graças a Deus, porque 80% dos que o pegavam acabavam morrendo.
Qual é um dos perigos colaterais da atual pandemia?
As televisões, que alimentam a ansiedade. Transformam jornalistas, que de outra forma não seriam nem tão ruins, em especialistas da medicina. Suas avaliações errôneas depois se disseminam nas redes sociais. É terrível.
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“Compartilhar as vacinas imediatamente, este vírus vai durar muito tempo”; Entrevista com Bernard Kouchner - Instituto Humanitas Unisinos - IHU