05 Abril 2021
"Deveríamos focar nossa atenção nas atividades humanas e no impacto que elas produzem sobre a natureza. Práticas como desmatamento, expansão irracional das cidades, agricultura intensiva, dizimação de variedades silvestres para fins comerciais, redução da biodiversidade e até mesmo as mudanças climáticas devido ao aumento de CO2 em excesso, são todos fenômenos que alteram os equilíbrios ecológicos, aumentando consequentemente o risco de pandemias devido à intensificação dos contatos e interações entre espécies silvestres, animais de criação e seres humanos", escreve o ativista italiano Francesco Gesualdi, coordenador do Centro Nuovo Modello di Sviluppo, de Vecchiano, na Itália, e um dos fundadores, junto com o Pe. Alex Zanotelli, da Rede Lilliput, em artigo publicado por Avvenire, 03-04-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma relação correta com o meio ambiente é a estratégia sanitária necessária nesta fase histórica. 60% das novas infecções são de origem animal. Vacinas e antibióticos funcionam, mas é necessário um sistema econômico que esteja mais em harmonia com a natureza para deter as infecções. De acordo com o Grupo de Trabalho Intergovernamental sobre Biodiversidade (Ipbes), o desmatamento e a urbanização contribuíram sozinhos com mais de 30% das novas doenças infecciosas que surgiram após 1960.
A cada ano há o risco de surgirem mais de cinco novos vírus, cada um dos quais poderia tornar-se uma epidemia global. Houve um tempo em que nos iludimos que havíamos nos livrado das doenças infecciosas. A disponibilidade de vacinas e antibióticos nos fez acreditar nisso. Mas depois surgiram as bactérias resistentes aos antibióticos e novas variedades de vírus que desconhecíamos. E tivemos que mudar de ideia. Entre os motivos que favorecem o desenvolvimento de bactérias resistentes, como agora se sabe, está, sem dúvida, o uso excessivo e inadequado de antibióticos. Muitos são prescritos, em doses erradas e de tipo errado. Além disso, são usados como uma prática usual nas criações de animais.
Uma vez desenvolvidas, as bactérias resistentes se espalham para o meio ambiente por meio de águas residuais, por contágio entre pessoa e pessoa, por transmissão de animais para pessoas, por contaminação de alimentos. O fato é que, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, a cada ano 700.000 pessoas em todo o mundo morrem por causa de uma infecção causada por bactérias resistentes a antibióticos.
Destas, de acordo com as estimativas do Centro Europeu para a Prevenção e Controle das Doenças, 33 mil se registram na União Europeia e mais de 10 mil dizem respeito à Itália. A Comissão Britânica para a Resistência a Antibióticos (Review on Antimicrobial Resistance) estima que em 2050 as infecções bacterianas causarão, em todo o mundo, cerca de 10 milhões de mortes por ano, superando em muito as mortes por câncer (8,2 milhões), diabetes (1,5 milhão) ou acidentes rodoviários (1,2 milhões).
As mais expostas serão as pessoas hospitalizadas, onde se desenvolvem com maior frequência bactérias resistentes, as pessoas imunodeprimidas e as portadoras de doenças crônicas. O estudo mais recente sobre as novas doenças infecciosas que se desenvolveram nas últimas décadas remonta a 2008 e foi realizado por um grupo de pesquisadores, entre os quais Jones, Patel, Levy e outros, que publicaram sua pesquisa na revista Nature.
Eles apuraram que de 1940 a 2004 houve 335 novas doenças infecciosas, 54% devido a bactérias e Rickettsia, principalmente bactérias que desenvolveram resistência a antibióticos, como o estafilococo aureus resistente à vancomicina. Em segundo lugar, vêm os vírus que representam 26% das novas doenças infecciosas. Por fim, os protozoários (11%), os fungos (6%) e os vermes (3%). Mas o dado mais surpreendente é que 60% de todas as novas infecções foram causadas por patógenos de origem animal (zoonoses), 72% dos quais vieram de animais silvestres. E se focarmos nossa atenção nas novas infecções ocorridas na década de 1990-2000, verifica-se que as doenças originadas em animais silvestres representam 52% do total. Portanto, o estudo conclui que é fundamental entender como as infecções de animais silvestres se intensificaram.
A passagem de agentes patógenos dos animais para humanos é conhecida como spill over, o que pode ser traduzido como salto, passagem de espécies. Um evento possível, mas com um desfecho diferente a cada vez em função do tipo de interação que se estabelece entre o nosso corpo e o novo hóspede. Na maioria das vezes a contaminação se esgota sem consequências significativas, outras vezes transforma-se em doença altamente transmissível. Um desses casos ocorreu nas décadas de 1970 e 1980 com a AIDS: um retrovírus que geralmente parasitava chimpanzés e gorilas da África Ocidental passou para humanos através do sangue infectado de animais capturados e abatidos.
O vírus, mais tarde batizado de HIV, se adaptou bem às células humanas e a infecção continuou por transmissão direta de humano para humano. História semelhante para a Sars, pneumonia viral que apareceu no Extremo Oriente em 2002-2003 e que, graças também à abnegação de Carlo Urbani, o médico que isolou o vírus, felizmente ficou circunscrita. De acordo com pesquisas conduzidas por um grupo de pesquisadores chineses do Instituto de Virologia de Wuhan, a doença vinha de algumas espécies de morcegos que vivem em cavernas na província de Yunnan.
E o Sars-CoV2, que desencadeia a doença conhecida como Covid-19, também pode ser atribuído ao morcego e ao pangolim, mamíferos comumente caçados e consumidos na China. Mas há relatos de casos em que a contaminação por animais silvestres não ocorreu como resultado de atividades de caça, mas como consequência do desmatamento que expulsou os animais silvestres para fora de seu habitat natural.
A Organização Mundial da Saúde lembra que na África Ocidental o primeiro caso de ebola ocorreu em dezembro de 2013 em Meliandou, uma aldeia no sul da Guiné na fronteira com a floresta, que, no entanto, havia sido destruída em 80% por empresas de mineração e madeireiras. Como resultado, a aldeia foi infestada de morcegos que fugiram da floresta destruída. De fato, a primeira morte por Ebola foi uma criança de um ano e meio que, segundo os testemunhos, costumava ser colocada à sombra de árvores ocupada por morcegos que antes viviam na floresta. Além disso, nem seria o primeiro caso de virose disseminada por morcegos.
Nos primeiros anos do novo milênio, em Bangladesh, ocorreram cerca de 200 casos de Nipah, uma encefalite viral com alta mortalidade. E descobriu-se que todos haviam consumido seiva extraída da casca de uma determinada espécie de palmeira. Investigações posteriores constataram que o veículo da infecção era justamente a linfa contaminada com excrementos de morcegos que pousavam nas palmeiras para se alimentar também da preciosa seiva.
O Ipbes, grupo de trabalho intergovernamental sobre biodiversidade, considera que mamíferos e pássaros são repositórios naturais de 1,7 milhão de vírus que ainda não conhecemos. Cerca de metade deles pode ter a capacidade de infectar seres humanos. Os principais reservatórios são representados por morcegos, roedores e macacos, bem como por algumas aves (principalmente aquáticas) e animais de criação (porcos, camelos, aves). Existe o risco de surgirem mais de cinco novas doenças infecciosas todos os anos, podendo cada uma delas se transformar numa pandemia. Mas o grupo de trabalho alerta que não adianta culpar a natureza.
Em vez disso, deveríamos focar nossa atenção nas atividades humanas e no impacto que elas produzem sobre a natureza. Práticas como desmatamento, expansão irracional das cidades, agricultura intensiva, dizimação de variedades silvestres para fins comerciais, redução da biodiversidade e até mesmo as mudanças climáticas devido ao aumento de CO2 em excesso, são todos fenômenos que alteram os equilíbrios ecológicos, aumentando consequentemente o risco de pandemias devido à intensificação dos contatos e interações entre espécies silvestres, animais de criação e seres humanos.
O grupo de trabalho considera que a mudança no uso do solo (desmatamento e urbanização) tenha contribuído sozinha com mais de 30% das novas doenças infecciosas que surgiram após 1960. A conclusão do grupo do Ipbes é que embora seja obrigatório produzir vacinas e curas para erradicar as pandemias que se disseminam, o verdadeiro desafio é preveni-las. Tarefa possível, mas para ter sucesso é preciso restabelecer uma relação correta com a natureza, voltando-se para formas de vida, ou seja, de produção, consumo, mobilidade e habitação, inspiradas na sobriedade, na regeneração e na harmonia.
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Como mudar os estilos de vida para prevenir as pandemias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU