06 Janeiro 2021
Replicando-se, o coronavírus muda. Quando ele cria uma nova cópia de seu RNA, às vezes comete erros. Apesar de contar com um eficiente sistema de "correção", sempre acontecem descuidos. “Com um cálculo aproximado, digamos que faça uma mutação para cada pessoa que infecta”, explica Roberto Amato, pesquisador do Sanger Institute, de Cambridge, principal centro da Grã-Bretanha que trabalha com o sequenciamento de 10 mil coronavírus por semana. Uma variação em 30.000 bases genéticas pode parecer muito pouco. “Principalmente porque a grande maioria das mutações é insignificante", explica Amato. Mas às vezes uma pequena mudança é suficiente para transformar a cara do vírus.
A reprotagem é de Elena Dusi, publicada por Repubblica, 05-01-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma mutação pode fazer variar, mesmo que pouco, a proteína spike na superfície externa do vírus, usada como chave para penetrar em nossas células. "Nesse caso, o vírus ganha uma vantagem evolutiva. A nova cepa começa a se espalhar mais do que as outras." O processo é imprevisível. "As mutações são aleatórias. É como se a cada evento o vírus estivesse comprando um bilhete de loteria. Na maioria das vezes, ele perde. Mas de vez em quando pode ganhar o prêmio principal." Com 83 milhões de infectados no mundo, desde o início da pandemia, o Sars-Cov-2 já comprou muitos bilhetes de loteria. Seguem abaixo todas as mutações que se espalharam o suficiente para serem observadas em laboratório.
Foi a primeira mutação importante, em um ponto da proteína spike útil para se ligar às nossas células. Foi notada no final de fevereiro no norte da Itália e se espalhou muito rapidamente. Em Houston, verificou-se que em março estava presente em 71% dos vírus analisados. Em abril ele já havia subido ao topo, com 99,9% das amostras rotuladas D614G. Quando colocado em laboratório em contato com as células, o vírus mutante mostrou ser até 13 vezes mais rápido na replicação do que o vírus originário de Wuhan.
É considerado um dos motores da segunda onda, muito mais violenta que a primeira. O D614G não torna o coronavírus ainda mais letal para o corpo humano. A proporção de vítimas em relação aos infectados permanece constante. Mas, ao aumentar o número de pessoas infectadas, infelizmente também vimos aumentar as mortes.
Para nós é a variante inglesa, para os ingleses "a nova variante". Conta com um número muito alto de mutações contemporâneas: 23, das quais 14 na proteína spike. Até agora, em um único vírus (o que sofreu mutação no vison) havia sido relatado um máximo de 4. O primeiro caso data de 20 de setembro, mas Londres deu o alarme em 14 de dezembro.
Isso desperta dois tipos de medos. A primeira é que a spike, mudando muito, escape aos nossos anticorpos, produzidos tanto pelas pessoas recuperadas quanto pelas vacinadas. No entanto, esse risco ainda não parece concreto (talvez haja mais preocupação com os anticorpos monoclonais).
O segundo alarme surge do fato de que uma mutação (na posição chamada "501" da spike) é conhecida por aumentar a contagiosidade do vírus. E nisso os números de infecções na Grã-Bretanha parecem confirmar as previsões sombrias.
Há dias, de fato, o país vem superando abundantemente 50.000 casos cotidianos. O número de infecções está aumentando especialmente em áreas onde a cepa B.1.1.7 é mais difundida, no sudeste do país. Um estudo do Imperial College atribui à variante um aumento no índice de replicação R entre 0,4 e 0,7 e, de fato, apesar do lockdown, nos últimos dias, no sudeste da Grã-Bretanha o índice R permanece acima de 1.
A cepa já foi encontrada em 33 outros países ao redor do mundo, dos EUA ao Japão e à Austrália, passando também pela Itália. Na Itália não existe um monitoramento genético particularmente atento e não sabemos o quanto a variante inglesa esteja se espalhando atualmente. Não parece causar formas mais graves de Covid, mas, como para a D614G, infelizmente as mortes também aumentam à medida que aumentam os contágios.
As notícias sobre a disseminação entre crianças também são confusas. As infecções na Grã-Bretanha aumentaram nas faixas etárias abaixo dos 20 anos, mas por um período em algumas regiões as escolas permaneceram abertas apesar do lockdown.
Na África do Sul, outro país onde as infecções são galopantes, uma nova variante do coronavírus foi observada no final de outubro na região do Cabo, acompanhada por um número galopante de contágios e uma carga viral mais alta. Ou seja, pessoas infectadas com N501Y abrigam maiores quantidades do vírus em suas vias aéreas do que aquelas infectadas com outras cepas do coronavírus. A mutação está na posição 501 da spike e é análoga àquela da variante inglesa. Mas não sabemos se se desenvolveu de forma independente na África do Sul ou se chegou a bordo de um avião.
Além da mutação de posição 501, a cepa sul-africana tem várias outras concentradas na spike. Simon Clarke, microbiologista da Universidade de Reading, disse à Reuters que, em relação às vacinas, "as mutações adicionais na proteína spike causam preocupação". Também o ministro da Saúde britânico, Matt Hancock, na segunda-feira, disse estar preocupado com a eficácia das injeções. Ugur Sahin, fundador da empresa alemã BioNTech que desenvolveu a vacina da Pfizer, disse que já iniciou testes para verificar a eficácia de seu produto nas novas variantes. Mas são necessárias algumas semanas para entender as características de um novo vírus em laboratório.
Em Brescia, região da Itália, uma mutação na posição 501 da proteína spike já havia surgido em agosto. O vírus sofreu uma variação ligeiramente diferente em relação às cepas inglesa e sul-africana, mas que poderia tê-lo tornado igualmente mais contagioso.
A mutação foi encontrada por Arnaldo Caruso, da Universidade de Brescia, e por Massimo Ciccozzi, do Campus Biomédico de Roma, em um paciente imunodeprimido com uma doença muito longa (infectou-se em abril e o teste só deu negativo em novembro), sempre ficou assintomático. Não há testes laboratoriais em andamento para verificar se a mutação aumenta a contagiosidade.
No norte da Europa, o coronavírus se espalhou nas fazendas de criação de vison desde a primavera do hemisfério norte. Esses animais são tão suscetíveis à doenças quanto nós e, nas fazendas, vivem em espaços confinados. Milhões de replicações nos animais produziram uma versão do vírus com quatro mutações, que depois foi transmitida aos humanos.
Em agosto, a nova cepa foi identificada nos animais e em outubro a Dinamarca encontrou algumas centenas de pessoas com a "versão do vison" (chamada de cluster 5 no jargão técnico). As autoridades sanitárias do país deram o alarme sobre a eficácia da vacina, mas também dos anticorpos das pessoas curadas, ordenando a eliminação de 17 milhões de visons criados.
Estudos subsequentes reduziram o risco para nossa imunidade, nem parece que o cluster 5 tenha se espalhado com números significativos entre os seres humanos. Mas os visons foram o primeiro sinal de alarme: percebeu-se que o vírus estava sofrendo mutação e que o problema precisava ser monitorado com atenção.
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Covid, um vírus, cinco variantes. As mutações que preocupam o mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU