19 Março 2021
Gostaria de pedir desculpas a todos aqueles para os quais este “responsum” é doloroso e incompreensível: casais homossexuais católicos fiéis e comprometidos, pais e avós de casais homossexuais e seus filhos, agentes de pastoral e conselheiros de casais homossexuais. A sua dor com a Igreja também é a minha hoje.
A opinião é de Johan Bonny, bispo de Antuérpia, Bélgica. O artigo foi publicado originalmente no sítio HLN e republicado em inglês na página do Pe. James Martin, SJ no Facebook, 18-03-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em outubro de 2015, eu participei do Sínodo sobre o Matrimônio e a Família como representante dos bispos belgas. Eu ouvi os bispos tanto no auditório quanto nos corredores, ouvi todos os discursos, participei nas discussões de grupo e redigi emendas para o texto final.
Nesta semana, a Congregação para a Doutrina da Fé deu uma resposta negativa à pergunta sobre se os padres podem abençoar as uniões entre pessoas do mesmo sexo. Como me sinto depois do “responsum”? Mal. Sinto uma vergonha vicária pela minha Igreja, como disse um ministro do governo. E, especialmente, sinto uma incompreensão intelectual e moral.
Gostaria de pedir desculpas a todos aqueles para os quais este “responsum” é doloroso e incompreensível: casais homossexuais católicos fiéis e comprometidos, pais e avós de casais homossexuais e seus filhos, agentes de pastoral e conselheiros de casais homossexuais. A sua dor com a Igreja também é a minha hoje.
O presente “responsum” carece de zelo pastoral, de base científica, de nuance teológica e do cuidado ético que estiveram presentes entre os Padres sinodais que na época aprovaram as conclusões finais. Aqui está em ação outro procedimento de tomada de decisão e de formulação de políticas. A título de exemplo, gostaria de citar apenas três de suas partes.
Primeiro, o parágrafo que afirma que, no plano de Deus, não há remotamente nenhuma semelhança ou mesmo analogia entre o casamento heterossexual e o homossexual. Eu conheço casais homossexuais, civilmente casados, com filhos, que formam uma família calorosa e estável, e que também participam ativamente da vida paroquial. Vários deles atuam em tempo integral na pastoral ou são empregados da Igreja. Sou muito grato a eles. Quem tem interesse de negar que não há nenhuma semelhança ou analogia com o casamento heterossexual aqui? Durante o Sínodo, a falsidade factual dessa afirmação foi enfatizada repetidamente.
Depois, o conceito de “pecado”. Os parágrafos finais evidenciam a mais pesada artilharia moral. A lógica é clara: Deus não pode tolerar o pecado; os casais homossexuais vivem juntos em pecado; portanto, a Igreja não pode abençoar seu relacionamento. Essa é precisamente a linguagem que os Padres sinodais não quiseram usar, tanto neste quanto em outros casos denominados como situações “irregulares”. Essa não é a linguagem da Amoris laetitia, a exortação apostólica de 2016.
“Pecado” é uma das categorias teológicas e morais mais difíceis de definir e, portanto, é uma das últimas a ser aplicada às pessoas e ao modo como convivem. E, certamente, não a categorias gerais de pessoas. O que as pessoas querem e podem fazer, neste exato momento das suas vidas, com as melhores intenções em relação a si mesmas e aos outros, face a face com o Deus que amam e que os ama, não é um enigma fácil de resolver. Além disso, a teologia moral católica clássica nunca lidou com essas questões de uma forma tão simples. O tempora, o mores!
Por fim, o conceito de “liturgia”. Como bispo e teólogo, isso me envergonha ainda mais. Os casais homossexuais não são dignos de participar de uma oração litúrgica pelo seu relacionamento ou de receber uma bênção litúrgica sobre o seu relacionamento. De que bastidores ideológicos veio essa afirmação sobre a “verdade do rito litúrgico”? Este também não foi o dinamismo do sínodo.
Claramente, essa também não foi a dinâmica do Sínodo. Várias vezes, falou-se de ritos e gestos apropriados para integrar também os casais homossexuais, inclusive no âmbito litúrgico. Naturalmente, com respeito pela distinção teológica e pastoral entre um matrimônio sacramental e a bênção de um relacionamento. A maioria dos Padres sinodais não optou por uma abordagem litúrgica “preto no branco” ou por um modelo “tudo ou nada”. Ao contrário, o Sínodo impulsionou a busca sábia de formas intermediárias que façam justiça tanto à individualidade dessas pessoas quanto à singularidade dos seus relacionamentos.
A liturgia é a liturgia do povo de Deus, e os casais homossexuais também pertencem a esse povo. Além disso, soa desrespeitoso abordar a questão de uma possível bênção dos casais homossexuais com base nos chamados “sacramentais” ou no “Ritual de Bênçãos”, que também inclui a bênção de animais, carros e edifícios.
Uma abordagem respeitosa ao casamento homossexual só pode ocorrer dentro do contexto mais amplo do “Ritual do Matrimônio”, como uma possível variação do tema do matrimônio e da vida familiar, com um reconhecimento honesto das semelhanças e diferenças reais. Deus nunca foi mesquinho ou pedante ao abençoar as pessoas. Ele é nosso Pai. Essa era a mentalidade teológica e moral da maioria dos Padres sinodais.
Em suma, eu não encontro no presente “responsum” as linhas de força substanciais – do modo como eu as experimentei – do Sínodo dos Bispos sobre o Matrimônio e a Família de 2015. É uma pena para os casais homossexuais fiéis, suas famílias e amigos. Eles não se sentem justificados nem tratados com sinceridade pela Igreja. A reação já está ocorrendo.
É uma pena também para a Igreja. Esse “responsum” não é um exemplo de como podemos caminhar juntos. O documento mina a credibilidade tanto do “caminho sinodal” defendido pelo Papa Francisco quanto do anunciado ano de trabalho dedicado à Amoris laetitia. O verdadeiro Sínodo poderia fazer o favor de se levantar?
+Johan Bonny
Bispo de Antuérpia
Participante do Sínodo sobre o Matrimônio e a Família de 2015
16 de março de 2021
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"Essa não é a linguagem da Amoris laetitia." Artigo de Johan Bonny, bispo da Antuérpia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU