12 Fevereiro 2021
"Uma parte substancial dos novos ‘direitos especiais de saque’ que o Fundo Monetário está prestes a emitir deve ser expressamente dedicada à distribuição de vacinas nos países mais pobres, onde as campanhas de vacinação são nulas, mas a Covid continua a fazer centenas de milhares de vítimas". Jeffrey Sachs, 78, economista da Columbia University, é o apologista global das iniciativas pela sustentabilidade social e a redução da pobreza. Autor de dezenas de programas de desenvolvimento para os mercados emergentes, ele agora é presidente da Sustainable Development Solutions Network, órgão coordenado pela ONU.
A entrevista é de Eugenio Occorsio, publicada por Repubblica, 08-02-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Por que recorrer ao DSP, um instrumento antigo e obsoleto e de questionável utilidade, não seria mais prático doar dólares ou euros diretamente?
Não, por uma substancial diferença: os DSPs são instrumentos já incluídos no orçamento do FMI, que descontam as contribuições anteriores dos países industrializados. Eles são muito mais rápidos, mais seguros e também estáveis graças à nova cesta ampliada a partir de 2016 ao renminbi chinês que conta com 10%, contra 40% do dólar, 30% do euro e as demais cotas divididas entre libra esterlina e iene. Os DSPs, em que o FMI acaba de reiterar sua intenção de apostar, são expressamente destinados a emergências internacionais, e que emergência mais internacional do que esta? Igualmente global é o instrumento que já foi identificado para canalizar as contribuições.
E qual é?
Chama-se Covax, é um grupo sem fins lucrativos criado pela ONU por meio da OMS e da Unicef, da Fundação Gates e do Banco Mundial, que também se vale de outras doações privadas. A Covax está prestes a iniciar a primeira distribuição de 337 milhões de doses em 187 países, da América do Sul à África e Sudeste Asiático, que de outra forma não teriam nenhuma outra cobertura.
Porém, você entende que se trata de minar as doses já pré-garantidas aos países ocidentais, onde, portanto, os planos de vacinação terão que ser redimensionados. Claro que é uma causa muito justa, mas o dilema ético que se abre é preocupante...
Em vez disso, digo que precisamente do G20, dos países mais poderosos do mundo, deveria partir o ímpeto para tal iniciativa: seria a prova de que a solidariedade mundial existe e não é apenas um jogo de palavras. Vamos convocar uma sessão extraordinária para resolver o problema. O Covax, como qualquer iniciativa contra o coronavírus, precisa de mais financiamento e mais apoio político. Hoje estamos testemunhando o espetáculo desanimador dos países mais avançados lutando entre si por doses enquanto o resto do mundo espera.
Contribui a opacidade dos contratos, que ao serem divulgados estão repletos de omissões nas partes mais sensíveis?
Ah, claro. Por exemplo, apesar de estar tentando, eu não consigo obter nenhuma informação sobre acordos bilaterais entre as grandes empresas farmacêuticas e os países ocidentais. Os procedimentos não são transparentes e não geram nenhuma confiança. Uma grande obra de limpeza mundial seria necessária. O processo para dar origem a uma expansão da produção também deveria ser igualmente coordenado e transparente. Sei que não é tão fácil reconverter, mesmo que desejado, as linhas de produção projetadas para um determinado medicamento para uma vacina tão complexa. Mas uma discussão aberta e desinteressada, inclusive sobre as garantias de propriedade intelectual, conduzida sob a égide dos entes especiais que existem na Organização Mundial do Comércio, daria um impulso à solução de todos os aspectos práticos, regulatórios e financeiros. Em total transparência.
Esses mecanismos que exigem tempo, ou não?
De jeito nenhum, uma conferência remota é organizada em uma tarde. Bastaria a vontade, é impensável que a vacina só circule onde existem fábricas. Os riscos são dramáticos. Cada dia perdido dá ao vírus a possibilidade de variar e se multiplicar. E até que a pandemia seja resolvida, as esperanças de uma recuperação econômica ficam bloqueadas.
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“Em nome dos lucros, a solidariedade global fica só no papel”. Entrevista com Jeffrey Sachs - Instituto Humanitas Unisinos - IHU