14 Janeiro 2021
"Donald J. Trump deveria ser impichado, removido e impedido de exercer qualquer cargo federal futuro – imediatamente", diz o editorial da revista America, dos jesuítas dos EUA, 11-01-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No dia 6 de janeiro de 2021, uma turba sediciosa incitada pelo presidente dos Estados Unidos invadiu o Capitólio do país, interrompeu os procedimentos do Congresso e aprisionou brevemente os legisladores do país, que tiveram de ser escoltados para um local seguro. Pelo menos cinco pessoas morreram, incluindo um policial do Capitólio dos EUA, que foi espancado enquanto defendia a “casa do povo”. Um segundo policial do Capitólio dos EUA, que respondeu ao ataque, supostamente cometeu suicídio no dia 10 de janeiro.
Muitos dos insurrecionistas estavam equipados com trajes de combate e armas automáticas. Aqueles que não estavam armados inicialmente converteram barreiras de metal, escudos policiais, mastros e extintores de incêndio em armas improvisadas, as quais empunhavam com ferocidade enquanto gritavam invectivas racistas e antissemitas.
Por mais horrível e repugnante que tenha sido o ataque, poderia ter sido pior. Dezenas de amotinados que perambulavam pelo Capitólio também carregavam mochilas, qualquer uma das quais poderia conter os meios para assassinar todo o poder legislativo do governo federal, incluindo as três primeiras pessoas na linha de sucessão presidencial. Alguns deles gritavam: “Enforquem Mike Pence” [vice-presidente dos EUA]; outros ergueram uma forca improvisada perto do lago do Capitólio.
O ataque à capital nacional será lembrado como um dos eventos mais desprezíveis da história estadunidense. E não deveria haver dúvidas sobre por que isso aconteceu e quem o causou.
Minutos antes da previsível calamidade, o presidente Donald J. Trump proferiu um de seus discursos habitualmente demagógicos em um comício no National Mall. Em mais de uma dezena de vezes em apenas 90 minutos, o presidente ousadamente e sem fundamento afirmou que a eleição presidencial de 2020 tinha sido roubada dele – a mesma mentira que ele vem repetindo diariamente desde o dia 4 de novembro.
Alimentando a raiva da multidão com a sua calculada desonestidade, o Sr. Trump disse à turba que “o nosso país já está farto. Não vamos aguentar mais”. Então, ele encorajou a multidão a marchar até o Capitólio dos EUA para dar aos republicanos “o tipo de orgulho e de ousadia de que eles precisam para retomar o nosso país”.
O presidente, é claro, não foi o único a instigar o motim. Ele deu as boas-vindas a vários oradores naquele dia que conscientemente gritaram “fogo” no teatro lotado. Momentos antes da aparição do Sr. Trump, seu advogado pessoal e ex-prefeito da cidade de Nova York, Rudolph W. Giuliani, dirigiu-se à mesma multidão e pediu um “julgamento por combate” contra os democratas – uma referência chocantemente aberta a um modo de resolver a disputa mediante o confronto físico. O filho do presidente, Donald J. Trump Jr., usou a mesma plataforma para enviar um alerta aos membros republicanos hesitantes do Congresso: “Estamos indo atrás de vocês”. Junto com todas essas declarações provocativas, a sugestão questionavelmente sincera e fugaz do Sr. Trump de que a multidão fizesse “ouvir suas vozes pacífica e patrioticamente” foi culpadamente insuficiente, na melhor das hipóteses.
Durante a violência e o caos que se seguiram, enquanto os membros do Congresso e suas equipes eram forçados a fugir e a se esconder para defender suas vidas, o presidente continuou incitando os terroristas domésticos usando o Twitter para canalizar sua raiva contra o vice-presidente e as outras principais autoridades do governo federal.
Em uma mensagem gravada e divulgada naquela tarde, o Sr. Trump disse à turba amotinada: “Nós amamos vocês”, e mais uma vez repetiu a mentira de que havia sido enganado na sua vitória eleitoral. Na realidade, o presidente fez um apelo à paz da boca para fora no Twitter e no vídeo, mas qualquer pessoa razoável perceberia que, pelo contrário, se tratou de um claro aceno a seus apoiadores. E embora ele finalmente tenha reconhecido a contragosto que um novo governo tomará posse no dia 20 de janeiro, o Sr. Trump não assumiu a responsabilidade nem expressou pesar por instigar o ataque e confirmou que não comparecerá à posse do seu sucessor devidamente eleito.
Raramente nos 244 anos de história dos EUA, um presidente agiu de forma mais desprezível por meio da abdicação deliberada ao seu dever constitucional. Raramente na história de 112 anos desta revista, os editores testemunharam um desprezo mais insensível pelo Estado de Direito por parte do executivo-chefe do país. Nunca antes um presidente estadunidense despachou uma turba violenta para atacar um braço em pé de igualdade do governo.
Donald J. Trump deveria ser impichado, removido e impedido de exercer qualquer cargo federal futuro – imediatamente.
Na verdade, o impeachment e a condenação são impraticáveis e improváveis de serem concluídos com sucesso durante os relativamente poucos dias que restam ao mandato do Sr. Trump. Mas tal resultado não é impossível, e qualquer demora, seja qual for, seria uma substituição profundamente insensata do cálculo tático pelo princípio constitucional. O dano que o Sr. Trump causou não tem precedentes, e os nossos legisladores não deveriam tolerar mais atrasos em responsabilizá-lo por completo e, assim, estabelecer um padrão de comportamento aceitável para os futuros presidentes.
No rastro do ataque sem precedentes de Trump à ordem constitucional, o Congresso deve agir agora, no mínimo para registrar no supremo tribunal da história a repulsa coletiva da nação, assim como o seu compromisso de garantir que tal abuso depravado e pérfido do cargo presidencial nunca mais manche o caráter da nação.
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Impichar e condenar Trump, agora. Editorial da revista América - Instituto Humanitas Unisinos - IHU