07 Janeiro 2021
"No sistema capitalista de produção, tudo e todos convertem-se em “mercadoria”, incluindo os recursos que o planeta nos legou, bem como a força humana de trabalho. Por conta disso, o motor do lucro e a primazia da acumulação de capital explora as coisas e as pessoas até o último átomo ou a última gota de sangue. Os resultados perversos dessa ânsia doentia e autofágica na cadeia implacável de produção, comercialização, consumo e descarte chegam a um ponto culminante e irreversível", escreve Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, vice-presidente do SPM – Rio de Janeiro.
Janeiro, primeiros dias no ano e da década. Brasil ultrapassa os 7,7 milhões de infectados pela Covid-19 e quase alcança a casa das 200 mil vítimas fatais. Ao mesmo tempo, o continente europeu passa por uma segunda onda do novo coronavírus, e nos Estados Unidos os mortos já superam três centenas de milhares. Os que desfilam com rostos aflitos e desesperançados. A que se deve essa tragédia, com seu rastro fúnebre de famílias enlutadas?
Não faltam explicações. Elas vão desde o conceito de esgotamento da exploração da natureza pela ação humana até a “teoria da conspiração”, segundo a qual o vírus teria sido fabricado em laboratório, passando por uma série de visões intermediárias. A “teoria da conspiração” está definitivamente descartada, na medida em que visa apenas encontrar um culpado, isentando as autoridades da própria responsabilidade. Ela se complementa, de resto, com a “teoria do bode expiatório”. Em meio a uma crise, ao caos e à desordem social, os detentores do poder buscam a todo custo um inimigo externo a ser identificado e abatido. Somente assim, com o sacrifício do culpado, será possível resgatar a ordem perdida.
Deixando de lado as explicações nebulosas e permeadas de interrogações, resta a ideia das implicações e consequências que a tecnologia e o progresso humano, levados à exacerbação, imprimem ao meio ambiente. No sistema capitalista de produção, tudo e todos convertem-se em “mercadoria”, incluindo os recursos que o planeta nos legou, bem como a força humana de trabalho. Por conta disso, o motor do lucro e a primazia da acumulação de capital explora as coisas e as pessoas até o último átomo ou a última gota de sangue. Os resultados perversos dessa ânsia doentia e autofágica na cadeia implacável de produção, comercialização, consumo e descarte chegam a um ponto culminante e irreversível.
Daí a poluição e contaminação dos rios e do mar, do ar e das águas em geral; a derrubada das florestas e a progressiva desertificação do solo; o uso indiscriminado de insumos, herbicidas e inseticidas cujas danos afetam todas as formas de vida; a extinção de não poucas espécies de fauna e flora, o que afeta a biodiversidade e a própria qualidade da vida humana; a emissão de gases com efeito estufa, que têm contribuído poderosamente para o aquecimento global; o derretimento das geleiras e a elevação do nível do mar, com risco para uma série de povoados e populações; a devastação e destruição dos diversos ecossistemas, o que, pouco a pouco, deverá comprometer o organismo vivo chamado planeta terra!... Por fim, a força destruidora das catástrofes ditas “naturais”, mas cujos extremos acabam sendo despertados pela cobiça do capital sobre os bens que a natureza colocou à nossa disposição, causando secas e estiagens cada vez mais prolongadas, tempestades e inundações imprevistas, incêndios, furacões, tornados!... Não estará em curso o crepúsculo mesmo desse modo de produção?!...
Na medida em que semelhante sistema de produção compromete o ritmo cadenciado da vida e das estações, a ciência sábia e popular do plantio e da colheita, o usufruto e distribuição mais sensatos e racionais dos bens produzidos, sem desperdício, por um lado e, por outro, sem fome e desnutrição – nessa exata medida o cuidado e preservação do meio ambiente também se tornam irremediavelmente comprometidos. A terra exibe feridas e cicatrizes por todo lado. Golpeada, ela se enfurece e reage. Diz o ditado popular que “Deus perdoa sempre, o homem às vezes, a natureza nunca”. Ao mesmo tempo que a natureza se vê afetada, segue-se a destruição dos ecossistemas vegetais e animais. Enquanto várias espécies simplesmente desaparecem, outras passam a buscar meios de vida fora de seu habitat natural. Em determinados lugares, animais selvagens invadem as cidades para sobreviver. Passam a conviver mais de perto com os seres humanos. Daí o risco de transmutação e transmissão de novos vírus, como gripe suína, aviária, ebola e agora do Covid-19. Que outros flagelos nos aguardam?
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Crepúsculo da economia capitalista? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU