21 Mai 2020
No site da Sociedade para a Conservação da Vida Selvagem (WCS), uma venerável organização não governamental (ONG) americana para a proteção da natureza criada em 1895 em Nova York, a mensagem é clara: “Para deter a pandemia entre os humanos: 1. Suspendam o comércio de animais selvagens! 2. Parem de consumi-los! 3. Cessem de destruir a natureza!”.
A reportagem é de Olivier Nouaillas, publicada por La Vie, 19-05-2020. A tradução é de André Langer.
Para insistir na questão, no início de maio, Christian Walzer, diretor executivo do programa de saúde da WCS, publicou uma coluna na revista científica médica britânica The Lancet, intitulada “Para uma coalizão internacional Covid-19/One Health”. Ele desenvolveu o seguinte argumento central: “As características deste acontecimento mundial residem em sua suposta origem, a interface entre humano, animal e meio ambiente, e em sua rápida explosão para níveis nunca alcançados por causa dos níveis sem precedentes da interconexão humana, da mobilidade dos transportes e do comércio mundial”.
“One Health”? Este conceito inovador, mas pouco conhecido pelo público em geral, que pretende estabelecer um elo operacional entre a proteção da saúde dos humanos, dos animais e dos ecossistemas, nasceu em Nova York durante uma reunião organizada pela WCS, em 2004. Naquele ano, em dois zoológicos administrados pela WCS, do Bronx e do Central Park, foram descobertos casos de febre do Nilo Ocidental entre as aves e, posteriormente, contaminações humanas que chegaram a provocar uma dúzia de mortes. O que é chamado, em linguagem epidemiológica, de zoonose.
Os responsáveis da WCS fazem então um alerta. Em uma declaração solenemente intitulada “Os 12 princípios de Manhattan”, adotada em setembro de 2004, lançaram as bases para o conceito “One World, One Health" (“Um mundo, uma saúde”). Com base nos exemplos da febre do Nilo Ocidental, da febre hemorrágica do Ebola, da SARS ou da gripe aviária, eles afirmam de maneira premonitória que “para vencer a batalha das doenças do século XXI, necessitamos de uma abordagem interdisciplinar”. Pouco mais de 15 anos depois, a epidemia do coronavírus prova tragicamente que eles estavam certos.
Com efeito, se os fatos ainda não estão estabelecidos em 100% e se certas alegações (americanas, mas não comprovadas) colocam dúvidas sobre o funcionamento de um laboratório chinês de virologia, parece cada vez mais provável que tudo tenha começado em novembro de 2019 no mercado de animais em Wuhan, uma cidade de 11 milhões de habitantes localizada no centro da China. Lá, em condições sanitárias deploráveis, animais selvagens e caçados furtivamente (morcegos, mas talvez também pangolins) teriam estado em contato com consumidores chineses, os quais teriam contraído o vírus.
Assim, partindo da China, o coronavírus Sars-CoV2, causador da doença Covid-19, provocou em cinco meses a morte de pelo menos 300 mil pessoas (mais de 85% na Europa e nos Estados Unidos), contaminou mais de 4 milhões de seres humanos em 195 países e, ao mesmo tempo, foi responsável pelo confinamento de 4,6 bilhões de pessoas em todo o mundo. Resultado: uma crise econômica, social e até alimentar de amplitude global sem precedentes…
“Este conceito de ‘One Health’ já havia recebido um impulso quando, em abril de 2010, por iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e da Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) adotaram uma nota tripartite, assinada por 70 países, que os incitava a trabalhar neste sentido”, lembra Stéphane de La Rocque de Séverac, veterinário francês que acaba de ingressar na OMS. “É, de fato, essencial trabalhar em conjunto, especialmente médicos e veterinários, quando sabemos que hoje 60% de todas as doenças humanas provêm de animais e que, ainda mais preocupante, 75% das doenças emergentes são zoonoses”.
A nota tripartite havia estabelecido três campos de ação prioritários: a raiva (ela ainda provoca a morte de 60 mil pessoas por ano, principalmente devido aos inúmeros cães de rua na Índia), a gripe aviária e outras doenças causadas por um vírus influenza (monitorados de perto desde o aparecimento do H5N1 em 2004) e a resistência aos antibióticos (devido ao uso excessivo na medicina, mas também em fazendas industriais de gado, suínos e galinhas). A ideia é desenvolver novos padrões globais com base nos regulamentos internacionais de saúde da OMS e no Código de Animais Terrestres da Organização Mundial da Saúde Animal, fortalecendo assim a detecção dessas zoonoses. Mas, para muitos, é necessário ir ainda mais longe. Principalmente em duas áreas insuficientemente abordadas pela nota tripartite: a proteção dos ecossistemas e o questionamento do sistema agroalimentar industrial.
Quanto à proteção dos ecossistemas, para Coralie Martin, parasitóloga e pesquisadora do Museu Nacional de História Natural e do Inserm, e autora do podcast “Pour que nature vive”, há apenas quatro caminhos: “As causas profundas dessas pandemias podem ser encontradas naquilo que chamo de ‘aceleração do mundo’”. E detalha-as da seguinte maneira: “O desmatamento em geral, devido, entre outras coisas, às práticas agrícolas – a soja brasileira é utilizada para alimentar parte de nosso gado na França –, mas também ao comércio de madeiras exóticas e ao cultivo do óleo de palma, a crescente penetração do homem nessas mesmas florestas que o coloca em contato com os animais, a caça furtiva e a venda de animais silvestres, a urbanização descontrolada e a densificação das megacidades, a intensificação dos transportes – um vírus pode ser transportado por avião para o outro lado do mundo em 24 horas –, etc.”. Basta dizer que é toda a organização de nossas sociedades e dos nossos estilos de vida que devem ser cuidadosamente revistos no “mundo pós”, posições defendidas por grandes vozes da ecologia como a antropóloga, primatóloga e etóloga Jane Goodall ou ainda Nicolas Hulot.
Sobre o segundo ponto, Serge Morand, ecologista e biólogo evolucionista, pesquisador do CNRS e do CIRAD (Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento), presente em campo no sudeste da Ásia, é igualmente categórico: “O modelo agroalimentar que se desenvolveu desde o início dos anos 70 tornou-se inviável. O volume da biomassa dos animais de granja é três a quatro vezes maior que o dos humanos. Com todos os riscos patogênicos induzidos por essa concentração animal. Para dar apenas um exemplo, passamos de 5 bilhões de frangos produzidos no mundo na década de 1970 para 25 bilhões em 2017! Quanto às espécies selvagens, é o contrário: seu número simplesmente diminuiu. Todo o equilíbrio dos ecossistemas é questionado”.
Autor de um livro com o título premonitório La prochaine peste (A próxima peste, Fayard), Morand adverte: “A Covid-19 é o último sinal de alerta da vida selvagem”. Ele lamenta que “o pilar ambiental” seja o elo fraco do tríptico ‘One Health’. “Para fortalecê-lo, seria necessário envolver as agências ambientais das Nações Unidas, como o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) ou a Unesco e sua missão socioeducativa, sugere. Para passar à Global Health, inclusive à Planetary Health, integrando as mudanças climáticas e a erosão da biodiversidade”.
Além disso, para toda essa corrente de pensamento que se expressa cada vez mais fortemente desde o início da crise da saúde, “a solução não pode ser apenas técnica”, como destacou Louis Pizarro, que ensina saúde mundial na Science Po e na Universidade Paris-I Panthéon-Sorbonne. “A pesquisa de uma vacina contra a Covid-19 é certamente fundamental, prossegue este médico. Mas ela não deve atrapalhar uma nova abordagem política, como a do Green New Deal (“Novo Pacto Verde”), que a nova comissão europeia quer criar, com a qual devemos envolver a sociedade civil”.
Louis Pizarro é, de modo especial, o ex-chefe da Solthis, ONG que se empenhou desde o início do aparecimento do HIV no fortalecimento dos sistemas de saúde na África Ocidental. Atualmente, esta organização trabalha na região de Casamance, no Senegal, com Agrônomos e Veterinários Sem Fronteiras (AVSF) em um projeto integrado de agroecologia One Health em uma região de produção de algodão e de vegetais e de criação de animais. O objetivo é diminuir o uso de antibióticos e o impacto de produtos fitossanitários. A AVSF promoveu, em 2005, no norte do Mali várias caravanas mistas de saúde humana e animal compostas por cinco pessoas (médico, parteira, enfermeira, veterinário e zootécnico) adaptadas ao pastoralismo transumano. “Nosso objetivo também é fortalecer a resiliência da agricultura camponesa local frente ao agronegócio”, destaca Manuelle Miller, encarregada de projetos da AVSF.
Mas como fazer passar essas grandes ideias de um estágio embrionário a uma verdadeira dimensão planetária? Não faltam pistas. De acordo com Jean-Luc Angot, ex-diretor geral da OIE e atual presidente da Academia Veterinária da França, é necessário “criar um grupo de especialistas intergovernamentais em saúde humana, animal e ambiental em nível global, à semelhança daquele que foi criado para as mudanças climáticas com o IPCC”.
Para Yann Laurans, diretor do programa de biodiversidade e ecossistemas do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Relações Internacionais (Iddri), “se parece difícil colocar americanos e chineses no mesmo barco, dadas as suas rivalidades geopolíticas atuais e à hostilidade visceral de Donald Trump ao multilateralismo, podemos esperar um movimento da comunidade internacional com uma convenção guarda-chuva das Nações Unidas, como a do clima”.
Mais ainda quando a OMS e o IPCC alertam há anos que o aquecimento global pode favorecer a disseminação de muitos outros vírus e doenças (chikungunya, dengue, zika, malária etc.) devido à extensão da zona geográfica de muitos mosquitos, sem falar de outros vírus que poderiam ser liberados pelo derretimento do permafrost. E Yann Laurans cita três reuniões mundiais cruciais, mas que foram adiadas por um ano, como o Congresso Mundial da Natureza, reprogramado para janeiro de 2021em Marselha, a Cop 15 sobre a biodiversidade, que deve acontecer durante o primeiro semestre de 2021 na China, e a Cop 26 sobre o clima, adiada para o final de 2021 em Glasgow.
E depois há, talvez, energias mais interiores e espirituais a serem implementadas. Assim, o ecologista Serge Morand não hesitou em citar Théodore Monod e a encíclica Laudato Si’ na coluna coletiva “Chegou a hora da solidariedade ecológica”, publicada no início de maio no jornal Libération, um dos muitos textos que assinou desde o início da pandemia de Covid-19. “Sou ateu, no entanto, reconheço que as religiões sempre pensaram a relação com a natureza: o cristianismo, o budismo, o islã tradicional do norte da África, confidencia à revista La Vie. O texto do Papa Francisco é, certamente, o pensamento mais bem acabado que a Igreja Católica tem sido capaz de oferecer sobre esta relação desde a Idade Média”.
E Morand concluiu: “Vamos ter uma grande necessidade de pensadores religiosos para preparar o período pós-crise”. Porque, como mostra ao mesmo tempo o conceito One Health e a encíclica Laudato Si’, tudo está efetivamente interligado...
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Os ecossistemas, humanos e animais, estão todos no mesmo barco! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU