20 Novembro 2020
As fissuras nas respectivas bases de apoio dos dois polos da política brasileira - lulismo e bolsonarismo - parecem cada vez mais difíceis de serem administradas, escreve Altamir Tojal, jornalista, em artigo publicado por Uninômade, 18-11-2020.
Embora a tradição eleitoral no Brasil não autorize projetar com segurança para a política nacional os resultados de eleições municipais, o primeiro turno realizado neste domingo confirmou a expectativa de inflexão da polarização entre bolsonarismo e lulismo. Além disso, mostrou sinais de renovação na esquerda e de fortalecimento de forças de centro, seja de tendências mais à direita ou à esquerda, seja do chamado Centrão, a confederação de partidos dispostos a dar sustentação a qualquer governo em troca de verbas e cargos, como ocorreu nos governos anteriores, inclusive os do Partido dos Trabalhadores, e agora com Bolsonaro.
Os candidatos apoiados pelo presidente da república e por Lula foram rejeitados em todo o país, com raras exceções. As fissuras nas respectivas bases de apoio dos dois polos da política brasileira parecem cada vez mais difíceis de serem administradas. Além de dizer não aos candidatos de Bolsonaro, os eleitores contrariaram a sua cruzada antipolítica. A derrota de Lula não foi maior porque cedeu a alianças com outras forças de esquerda em algumas cidades, como em Porto Alegre, com o PCdoB, e em São Paulo, onde teria ocorrido um acordo de última hora com o PSOL.
No âmbito do governo Bolsonaro, os dias anteriores à votação do primeiro turno testemunharam a explicitação de divergências na área militar com manifestações do próprio comandante do Exército, que foram interpretadas como um aviso ao presidente para não avançar na politização dos quartéis. Incapaz de conciliar e comandar a sua base habitada por liberais, conservadores e extremistas de direita e o apoio de facções policiais e milícias, o presidente passou a receber sinais de setores da forças armadas que parecem suspeitar que a cooptação de oficiais para o governo e o aparelhamento da caserna ameaçam a reputação e a confiança da sociedade na instituição militar em meio ao negacionismo da pandemia, oposição à ciência, destruição ambiental, acusações de corrupção e associação a milícias.
Algumas lideranças militares parecem mobilizadas, portanto, para evitar que ocorra com as forças armadas um processo de controle, desmoralização e consequente perda de relevância semelhante ao que ocorreu nos governos do Partido dos Trabalhadores, quando a cooptação das lideranças de sindicatos e do movimento social resultou na sua domesticação, abandono dos compromissos com as bases e a sociedade e incapacidade de mobilização, a não ser para desestabilizar forças alternativas que tentam se articular para defender a democracia e enfrentar o bolsonarismo.
A atuação de Lula e do PT para se sobrepor ou mesmo conter movimentos alternativos no campo democrático foi percebida em junho passado quando ocorreram manifestações contra Bolsonaro nas ruas, apesar das restrições da pandemia, e cresceram as iniciativas de oposição nas redes virtuais. Naquela ocasião, estas mobilizações, juntamente com a atuação da imprensa e de lideranças políticas, encorajaram e deram sustentação a operações policiais e ações na justiça sobre suspeitas de corrupção de filhos, auxiliares e aliados de Bolsonaro, fazendo com que o presidente interrompesse os ataques contra as instituições democráticas e buscasse sustentação política no chamado Centrão.
Bolsonaro teve de recuar de sua investida em curso contra as instituições, chamada por sua própria base de “autogolpe” para livrar o presidente das amarras do Congresso, das restrições do sistema de justiça, de investigações policiais e das críticas na imprensa e nas redes. E teve então de entregar parte do poder ao Centrão para escapar de um processo de impeachment, sustentado não só pela conspiração antidemocrática como pela dinâmica de investigações policiais e na justiça.
E é exatamente a busca de proteção para as acusações de corrupção e conspiração contra a democracia e da preservação do sistema de poder que domina a política brasileira há séculos que reúne o bolsonarismo e o lulismo, o Centrão, políticos e empresários que fogem da Operação Lava Jato, milicianos e toda a sorte de interessados na drenagem de recursos do estado e na criação de valor a partir da destruição do meio ambiente e do controle crescente dos territórios das metrópoles.
Os resultados deste segundo turno das eleições municipais e a tensão na área militar deverão levar mais uma vez Bolsonaro a um recuo tático no projeto antidemocrático e a tornar-se ainda mais refém da velha política do Centrão, de interesses corporativos na máquina pública e dos setores mais atrasados do capitalismo no país que reivindicam mais restrições a direitos dos trabalhadores e impedem avanços na proteção social mesmo para ajudar a recuperação da economia das perdas causadas pela Covid 19.
A influência do lulismo em busca de proteção abolicionista com relação à Lava Jato e também o viés autoritário e nacional-desenvolvimentista da esquerda, igualmente presentes no bolsonarismo, poderão continuar aproximando os dois polos e alimentando a aposta de ambos na polarização até as eleições nacionais de 2020. Ou seja, a esperança dessa esquerda e de Bolsonaro de se enfrentarem sem dar espaço a novas forças políticas.
Diante da obsolescência acelerada o “novo” oferecido por Bolsonaro em 2018 e das contradições do lulismo, resta saber se as tendências eleitorais do primeiro turno prevalecerão na segunda rodada, daqui a duas semanas E, além disso, se a renovação da esquerda produzirá maior independência em relação a Lula e se as forças de centro fortalecidas serão capazes de gestar uma novidade efetiva e conseguirão se reunir numa frente pela democracia.
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Eleições 2020 e as chances da democracia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU