20 Outubro 2020
A pandemia de Covid-19 que deixou as empresas de joelhos também está tendo um efeito negativo no seu modelo de organização do trabalho. De fato, muitas empresas antes da emergência sanitária haviam começado a desmontar as velhas estruturas piramidais que aumentam a burocracia e engessam os processos, reduzindo o espaço de manobra e a liberdade de iniciativa dos funcionários. Mas agora o coronavírus as está empurrando para um "percurso involutivo", caracterizado por um retorno aos antigos padrões hierárquicos, autoridade centralizada e falta de independência dos trabalhadores.
A reportagem é de Marco Cimminella, publicada por Business Insider, 19-10-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Em um momento de ansiedade e incertezas sobre o futuro como aquele atual, é compreensível que muito mais decisões estejam sendo tomadas por poucos chefes. O problema é quando os funcionários se limitam a cumprir as diretivas vindas de cima, numa dinâmica negativa de desresponsabilização”, explica Giovanna D'Alessio, sócia da Asterys, empresa global de desenvolvimento organizacional. Ela especifica: “Na fase de crise gerada pela covid, que alimenta inseguranças e medos, as pessoas esperam planos de emergência claros vindos dos vértices, é normal, além de correto. Mas é preocupante quando a responsabilidade fica apenas ligada à faixa gerencial: quando os trabalhadores se tornam meros executores de ordens, não participam do processo decisório, não assumem riscos e não liberam seu potencial criativo e operacional que favorece a inovação”.
Uma nova pesquisa realizada pela Asterys destaca justamente o risco de involução que as organizações empresariais correm após a crise sanitária internacional. Mais especificamente, o relatório "Organização 2020, risco involução" baseia-se num levantamento que considera grandes e médias empresas dos maiores países europeus, ainda que se focalize principalmente na Itália: o objetivo da análise foi avaliar, seis meses depois do início da pandemia, os pontos de vista de executivos, manager e funcionários sobre "estrutura, cultura organizacional, processos e tipo de liderança que farão vencedoras as empresas em um futuro próximo". Se por um lado percebe-se uma certa tendência para a agilidade organizacional das empresas, pelo outro, existe o perigo de cair nos velhos esquemas verticalizados, onde os trabalhadores ficam cada vez mais dependentes da orientação de chefes e supervisores.
As expectativas criadas pela emergência da Covid, de fato, levam as pessoas a reagir à situação de incerteza esperando por respostas e um direcionamento estratégico vindo de cima: “É uma reação humana, busca-se pontos de referência. No entanto, acendeu-se um sinal vermelho para nós, porque esta crise pode dificultar o desenvolvimento de uma maior agilidade organizacional das empresas e marcar o regresso a uma forma de trabalho antiga e pouco eficaz”, afirma Stefano Petti, sócio da Asterys.
De fato, como se depreende do estudo, a amostra entrevistada está ciente das características que uma empresa terá de ter no futuro para prosperar mesmo em momentos de dificuldade: trabalhadores responsáveis e network de equipes auto-organizadas; processos decisórios participativos e descentralizados, baseados no consenso; total (ou quase) compartilhamento e transparência das informações; e ciclos de feedback contínuo de graus iguais. No entanto, a mudança em direção a estruturas enxutas e ágeis, com base em autoridade distribuída e visão sistêmica, agora é prejudicada pelos efeitos da pandemia, especialmente o medo e as preocupações que ela despertou, que levam os funcionários a preferir menos as colaborações transversais entre equipes diversas e esperar mais diretrizes dos chefes e procedimentos mais complexos e rigorosos, além de abrir mão da própria capacidade de julgamento e autodireção. “Com um perigo - avisa Stefano Petti -. Se a autoridade fica restrita a poucos sujeitos, quando faltam esses pontos de referenciais da empresa em um momento de incerteza, todas as outras pessoas da parte inferior da pirâmide se sentem perdidas, justamente por não estarem acostumadas a tomar decisões e trabalhar com altos níveis de responsabilidade".
Um dos fatores que corre o risco de ser muito influenciado pela Covid é a colaboração entre diferentes departamentos. O trabalho em equipe transverso nos diversos setores de uma empresa favorece a inovação e melhora o desempenho: uma receita considerada vencedora por funcionários e gestores antes da pandemia, mas que resulta menos popular após a crise de 2020, apesar de ser a escolha considerada estratégica. A crise sanitária alimenta a tendência de limitar a colaboração dentro do próprio departamento: como afirma o estudo, “quanto mais as pessoas sentem medo e preocupação, mais se contrai o raio de relevância do próprio mundo profissional. Resumindo, as pessoas estreitam seu círculo de interesse e influência, perdendo uma visão mais sistêmica”.
Então a colaboração não desaparece, mas é reduzida, pois as equipes focam a atenção apenas no setor de competência, perdendo de vista todo o resto. “Uma lógica que é reforçada pelo trabalho remoto, que não é smart working mas remote working”, acrescenta Giovanna D'Alessio, que explica: “As pessoas ficam em casa trabalhando com as mesmas metodologias, práticas e abordagens adotadas no escritório, caracterizadas pela estrutura hierárquica e controle do chefe. A única coisa que muda são os meios tecnológicos utilizados para manter o contato com os colegas”. Ou seja, as dinâmicas das estruturas tradicionais são transferidas do escritório para a casa: “Nesses contextos, as pessoas, por não encontrarem apoios suficientes nos processos, na tecnologia e na liderança, concentram-se nas modalidades que têm maior capacidade de geração de resultados: a colaboração com os colegas mais próximos e mais funcionais”, recordam os autores do relatório. Assim, em vez de quebrar os “silos”, ou seja, os compartimentos estanques onde estão encerrados os departamentos de uma empresa, estes são reforçados.
De maneira diferente, o trabalho em casa torna-se ágil quando se assiste a uma mudança tecnológica e cultural, que agiliza os processos operacionais. “O smart working não implica apenas a mudança do local de trabalho e as ferramentas tecnológicas adotadas, mas também o repensamento do contrato psicológico com o trabalhador, a quem deve ser reconhecida uma maior autonomia: deve sentir-se livre para administrar tempo e recursos para alcançar o objetivo, sem o controle constante de um cão de guarda. Uma mudança de paradigma que deve estar integrada aos valores da empresa”, explica Giovanna D'Alessio.
Em outras palavras, não serve impor mudanças compatíveis com os esquemas hierárquicos tradicionais: seria uma transformação apenas na fachada, não real. É um curto-circuito que não diz respeito apenas ao trabalho remoto: “Independentemente dos setores, há toda uma série de dinâmicas limitantes que remam contra o bem-estar dos funcionários, a prosperidade e a inovação da empresa: dos compartimentos estanques à burocracia, da falta de autonomia e responsabilidade a um processo decisório centralizado. É preciso uma transformação radical que desmonte esses elementos”, continua D'Alessio, lembrando a importância do papel dos gestores nesse processo: “São necessários líderes visionários e as pesquisas mostram que é justamente o senior management que é mais receptivo à necessidade de desenvolver um maior agilidade organizacional, transformando a empresa em um network coordenado de equipes autônomas que operam e colaboram com base em princípios compartilhados.
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O medo da covid-19 fortalece chefes e hierarquias: assim os trabalhadores perdem autonomia e a empresa não inova - Instituto Humanitas Unisinos - IHU