23 Setembro 2020
Quer sejamos a favor ou contra o 5G, ou mesmo que não saibamos o que pensar sobre o tema, ninguém parece estar satisfeito com a qualidade do debate público sobre o assunto.
A entrevista é publicada por Alternatives Économiques, 22-09-2020. A tradução é de André Langer.
Por um lado, prefeitos de várias grandes cidades, recém-eleitos, pedem uma moratória à sua implantação, na esteira dos cidadãos da Convenção sobre o Clima que manifestaram o mesmo desejo.
Por outro lado, os promotores desta nova geração de redes móveis apresentam-na como uma evolução lógica ou mesmo natural, em suma, um progresso técnico cujos benefícios evidentes não merecem ser discutidos. A caricatura das oposições conquistou até o Palácio do Eliseu, já que Emmanuel Macron chegou a zombar de seus oponentes ao declarar: “Não acredito que o modelo Amish possibilite resolver os desafios da ecologia contemporânea”, os oponentes do 5G, defendem, segundo ele, um retorno à “lamparina a óleo”.
Há, entretanto, muito a ser discutido, principalmente sobre as consequências ambientais dessa tecnologia. Mas, de acordo com Irénée Régnauld, a maneira de fazer o debate não parece estar à altura. Cofundador da Mouton Numérique – uma associação que destaca os desafios sociais, políticos e ambientais da tecnologia digital e das novas tecnologias – e coautor com Yaël Benayoun de Technologies par tout, democratie nulle part. Plaidoyer pour que les choix technologiques deviennent l’affaire de tous (Tecnologias em toda parte e total ausência da democracia. Advogando para que as escolhas tecnológicas passem a ser assunto de todos, FYP Éditions, 2020), ele discute nesta entrevista como abordar e debater as escolhas tecnológicas.
A implantação do 5G é uma escolha da sociedade?
Toda tecnologia é em si mesma um assunto de sociedade, pois incorpora a validação material de um horizonte político e cultural. As tecnologias não acontecem por si mesmas de acordo com as leis da evolução: sua definição e implantação são objeto de lutas de poder entre diferentes visões políticas. Uma vez implantada, uma tecnologia valida e até amplia o horizonte político e cultural de seus promotores.
Como tal, o 5G representa a longo prazo a sociedade totalmente digital, assim como está se desenhando atualmente. No entanto, nos últimos anos, essa sociedade tem sido cada vez mais desacreditada. Sempre houve críticas às tecnologias, mas desde o caso Snowden [que desnuda o sistema de vigilância generalizado pelas autoridades dos Estados Unidos, nota do editor], essa rejeição aumentou.
Agora, nem todos percebem as vantagens do digital: entre a dificuldade de acesso aos serviços públicos quando estão 100% informatizados, a desinformação das redes sociais ou a polarização do debate que provocam... O 5G tornou-se, assim, um assunto da sociedade, sob o efeito dessa vontade de colocar a “tecnologia” novamente na arena política.
Como debater e abordar uma escolha técnica no debate público?
Em primeiro lugar, convém evitar certas armadilhas. Argumentar sobre o eterno “atraso” da França em relação aos seus concorrentes estrangeiros, responder às injunções para “se adaptar” ao mundo como ele é... Todos esses clichês nos dão, acima de tudo, a impressão de que não temos escolha, que estamos contra a parede.
Na mesma linha, ouvimos muito que o 5G é crucial para a indústria e que vai permitir a realocação de atividades. Não, a realocação da indústria é uma questão de escolha política. Fazê-la depender apenas da presença de uma rede móvel é demonstrar um determinismo tecnológico.
Depois, um debate saudável pede para abandonar todas as formas de desprezo. Ao contrário da declaração do presidente Emmanuel Macron, que qualificou os oponentes do 5G da Amish usando a lamparina a óleo. Isso corre o risco de consolidar e cristalizar as oposições, alimentando inclusive a desconfiança. Tudo o que o presidente arrisca colher ao adotar essa atitude é mais antenas queimadas.
De forma muito pragmática, existem instituições, como a Comissão Nacional de Debate Público, que realizam debates sobre assuntos técnicos e científicos. Ali são realizados desde “fóruns híbridos” a debates públicos, incluindo convenções de cidadãos... Esses formatos permitem que especialistas, políticos, industriais e cidadãos discutam. Eles tendem a conter os desvios conspiratórios e ajudam a elevar o nível do debate.
Porém, com o 5G, esse trabalho democrático já foi feito com a Convenção Cidadã sobre o Clima e foi desprezado. O presidente da República indicou que acolheu todas as propostas da Convenção [com exceção de três, das quais o 5G não fazia parte. Nota do Editor].
Ao implantar essa nova geração de rede, o executivo está voltando atrás em sua palavra e varrendo o trabalho dos cidadãos. É destrutivo para a democracia. E isso indiretamente levanta a questão da utilidade das convenções cidadãs. Por isso, no nosso livro, defendemos a ideia de perpetuar uma assembleia de cidadãos escolhidos por sorteio e dotados de poderes reais.
Alguns agora estão pedindo um referendo sobre o 5G. Penso que é uma ferramenta ruim neste caso, porque induz uma resposta binária a um tema complexo. No entanto, existem várias maneiras de implantar o 5G, e ainda temos tempo para discuti-las. Mas aqueles que exigem esse referendo o fazem porque estão perdendo o juízo. Esta é a última opção disponível para eles.
Os defensores do 5G destacam o progresso que essa tecnologia representa. Como você analisa esse argumento do progresso?
A noção de progresso hoje não quer dizer muita coisa. Duas ideias podem ser distinguidas: o progresso técnico, caracterizado aqui por uma melhoria do que já existe – em suma, a mudança do 4G para o 5G. O progresso social é obviamente muito mais amplo. No entanto, a ligação entre essas duas dimensões não é mais tão clara, como eu disse.
O 5G também cristaliza certa desconfiança em relação à implantação de projetos técnicos realizados pelo Estado. O método dos poderes públicos tem muito a ver com isso: a escolha é imposta de cima, de forma totalmente vertical, sem consulta aos eleitos locais nem aos cidadãos. A escolha tecnológica é, portanto, feita antes da escolha da sociedade. A pergunta sobre o que queremos não é feita, e os meios vêm antes dos fins.
Nós implantamos o 5G porque as previsões sugerem que o consumo de dados móveis está aumentando constantemente. Mas o que se apresenta como inevitável, o aumento do consumo, corresponde mais a “previsões”, para não falar de profecias autorrealizáveis.
Quais seriam as consequências se a França não implantar o 5G?
Não sabemos exatamente. Essa é, de alguma maneira, a pergunta proibida!
Porém, perguntar seria muito útil, porque nos levaria a examinar de perto a noção de “limites”. No entanto, definimos esses limites em outras áreas, como a clonagem ou a proibição de minas antipessoais.
Claro, o 5G não deve ser colocado no mesmo nível, mas de certa forma, ele também questiona nossa busca por poder e nossa relação com a técnica. Não deveríamos ter medo de falar sobre isso.
Exatamente, esse debate sobre o 5G não mascara o debate sobre o impacto ambiental da tecnologia digital já existente? Existindo ou não essa nova rede, a poluição digital está aumentando; não é esse o assunto central?
Se a questão surge hoje nestes termos, é porque nos últimos anos a consideração da pegada ambiental da tecnologia digital tem aumentado. Devemos, portanto, nos questionar se a tecnologia digital, no seu conjunto, contribui para a descarbonização da nossa economia.
Não há uma resposta fácil ou abrangente para essa pergunta. Em alguns lugares, a tecnologia digital possibilita o desenvolvimento de usos virtuosos, como a carona solidária, por exemplo (mesmo que isso possa gerar efeitos rebote[1]). Mas não sabemos realmente como calcular sua contribuição geral. O que sabemos, entretanto, é que as emissões de gases do efeito estufa por conta do digital tendem a aumentar.
A França deve dividir suas emissões de CO2 por um fator 6 até 2050: o 5G está contribuindo para que isso aconteça? Como? É provavelmente assim que a pergunta deve ser feita. A implantação dessa tecnologia sem conhecer exatamente seus efeitos no clima, dado o crescente impacto da tecnologia digital nos ecossistemas, pode legitimamente levantar questões. Devemos reservar um tempo para o debate, um tempo que nem sempre é compatível com o da inovação.
[1] Este fenômeno se verifica a partir do momento em que uma melhoria permite que um produto ou serviço mobilize menos energia: em vez de estabilizar o seu uso e, portanto, reduzir a conta de energia, observamos, pelo contrário, uma intensificação resultando, no final das contas, em um maior consumo de energia.
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5G e suas consequências ambientais: “A escolha tecnológica é feita antes da escolha da sociedade”. Entrevista com Irénée Regnauld - Instituto Humanitas Unisinos - IHU