16 Setembro 2020
Quando um professor gay católico explora o Sacramento da Reconciliação através das lentes de sua infância, seu reflexo espiritual torna-se um veículo para entender como os privilégios heterossexuais e cisgênero operam obstaculizando espaços mais inclusivos para católicos LGBTQ.
A reportagem é de Brian Kaufman, publicada por New Ways Ministry, 15-09-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Em um ensaio pessoal publicado no Medium intitulado “The Heterosexual Cisgender Catholic Privilege Checklist: An Examination of Collective Conscience” (em português: “Uma Checklist dos Privilégios Heterossexuais Cisgêneros Católicos: Um Exame de Consciência Coletiva”. Disponível em inglês, neste link) Tom (ele apenas forneceu seu primeiro nome), um educador de justiça social, articula como o exercício teológico da confissão pode ser aplicado para escavar a marginalização espiritual experimentada pelos católicos LGBTQ na igreja e em nossa sociedade em geral.
Ele explicou que mudou de foco em atos individualizados de arrependimento para um exame de consciência mais comum:
“Aquela experiência [de examinar os pecados individuais], com sua descrição ritualística de erros, reflexão e promessa de cura, veio à mente quando mais uma vez usei uma ferramenta que teve sucesso em minhas aulas de ensino de paz e justiça por muitos anos. Sem dúvida, esta forma de monitoramento de consciência é mais controversa: a checklist de privilégios”.
Tom, então, descreve sua compreensão robusta de “privilégio” como uma realidade vivida por grupos oprimidos de pessoas, em vez de um conceito puramente teórico. Ao fazer isso, ele ilustra como o privilégio se cruza com a raça e a desigualdade social:
“A experiência vivida por muitos em grupos oprimidos, que estão em posição de ver vantagens negadas a eles diariamente, há muito tempo, por necessidade, está muito familiarizada com o privilégio, e não apenas como um conceito. E nas últimas semanas, após as agitações sociais provocadas pela pandemia, os riscos que estão sendo assumidos por trabalhadores essenciais que frequentemente são pessoas de cor e, claro, a violência racial sistêmica contínua que temos visto contra as comunidades negra e de cor, 'privilégio' está chegando um momento. Eu ouço isso sendo falado em lugares inesperados e por pessoas inesperadas, dentro e fora das salas de aula, e enquanto uma forte onda de negacionistas segue resistindo a essas questões, um número crescente de colegas parece estar mais aberto do que nunca à complexidade envolvida”.
Tom aplicou este exame de consciência comunitário para examinar como o privilégio heterossexual e cisgênero causou dano espiritual e sofrimento aos católicos LGBTQ. Ele vê isso particularmente em ambientes educacionais:
“Desde que encerrou o ano letivo, continuo ouvindo os alunos falarem ou escreverem sobre a dor de descobrir que sua orientação sexual ou identidade de gênero não é heteronormativa. E escuto seus temores de rejeição por parte da igreja, nas suas comunidades. E penso que as duas coisas acontecem juntas. Ensinando há tanto tempo, estou bem ciente de que essa dor de jovens e adultos LGBTQ+, particularmente aqueles que vivem em comunidades religiosas, não é nova e resultou em uma forma de vantagem social para um grupo dominante mais poderoso, de forma que os LGBTs são marginalizados ou relacionado à patologia. Está muito longe dos ensinamentos de Cristo”.
O professor desenvolveu uma checklist de privilégios heterossexuais e cisgênero, com 60 diferentes privilégios de católicos heterossexuais e cisgêneros. Alguns exemplos destacam como esse privilégio opera em nossa igreja e sociedade. Cada um desses itens começa com a frase, “Como um católico heterossexual cisgênero....”:
“25. Eu não internalizo a mensagem de que Deus ‘cometeu um erro’ quando Deus me criou. Não acho que minhas decisões de fazer cirurgias de afirmação de gênero estraguem o corpo perfeito que Deus me deu.
26. Minha orientação sexual, identidade de gênero e expressão de gênero não são descritas no Catecismo da Igreja como ‘intrinsecamente desordenada’ ou contra a ‘lei natural’, embora eu as experimente como ordenadas e naturais dentro de mim.
27. Bispos celibatários de diferentes países falam sobre minha orientação sexual, identidade de gênero e relacionamentos com orações e discussões sobre ‘sacralidade’.
28. Esses mesmos bispos não debatem em reuniões ou sínodos sobre minha orientação sexual ou identidade de gênero como evidência dramática e contundente da 'secularização da Igreja', das 'corrupções do mundo moderno' ou que conduzem catastroficamente ao 'colapso da família', da Igreja”.
Para trabalhar contra o privilégio, Tom destaca a importância do diálogo e da conversa como um ponto de partida para cultivar espaços espirituais de afirmação para os católicos LGBTQ dentro da igreja:
“Examinando minha própria jornada espiritual de várias décadas como um homem católico gay, minhas observações de dentro de meus círculos sociais e de 'identificação' e consultando um colega de confiança que se identifica com a comunidade transgênero, eu compus este acréscimo ao cânone de listas de verificação. É como jogar uma pedra na lagoa, uma onda nas muitas ondas que precisam fazer parte do nosso diálogo hoje, se quisermos acordar para os sinais dos tempos e nos arrepender autenticamente por aqueles que ficaram de fora da ‘igreja universal’”.
As reflexões dinâmicas de Tom sobre o privilégio cisgênero heterossexual servem como um recurso poderoso para oficiais religiosos em todos os níveis da igreja, bem como para os paroquianos locais para abordar e combater a opressão sistemática enfrentada pelos católicos LGBTQ. Esta lista não exaustiva, numerada de um a sessenta, deve demonstrar que há muito trabalho a ser feito para garantir que os católicos LGBTQ, como todos os filhos de Deus, sejam abraçados incondicionalmente por quem amam e por quem são, tanto nos bancos das igrejas, quanto no mundo contemporâneo.
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Professor católico gay apresenta exame de consciência coletiva LGBTQ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU