01 Setembro 2020
Historiadores que revisaram os arquivos vaticanos diferem em suas análises.
A reportagem é publicada por The New York Times e reproduzida por Religión Digital, 31-08-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Quando o Vaticano abriu seus arquivos do pontificado de Pio XII, que se deu durante a Segunda Guerra Mundial, o historiador da Universidade Brown, David Kertzer, estava entre os primeiros da fila. Como outros estudiosos, Kertzer estava ansioso para analisar os documentos de um Papa – há muito tempo sob consideração para ser declarado santo – cuja resposta ao nazismo e ao Holocausto tem sido objeto de acirrados debates.
Alguns colocaram Pio XII como o pontífice que permaneceu vergonhosamente calado enquanto os nazistas massacravam os judeus. Outros argumentam que Pio XII trabalhou fora da cena pública para encorajar a Igreja Católica a salvar milhares de judeus e outras vítimas de perseguição.
Agora, novos documentos estão saindo dos arquivos que oferecem uma visão inicial do que pode emergir de dezenas de milhares de folhas que os acadêmicos clamavam por estudar por décadas. O pontificado de Pio XII durou entre 1939 e 1958.
Em um artigo publicado na última quinta-feira no The Atlantic, Kertzer revelou documentos desconhecidos, que incluem um memorando que recomendava que Pio XII não fizesse um protesto formal quando a Gestapo deteve mil judeus em Roma, em 16 de outubro de 1943, para deportação para Auschwitz.
Kertzer também encontrou uma série de documentos revelando que oficiais do Vaticano instruíram padres na França a resistir à rendição de dois meninos judeus que estavam sob os cuidados de católicos e foram batizados quando seus pais foram mortos em Auschwitz, apesar da decisão do Juiz da França que ordenou a entrega dos menores à sua tia.
O desafio da Igreja ante os esforços de sua tia para ficar com os dois meninos – Robert e Gérald Finaly – ocupou as manchetes internacionais, incluindo a capa do The New York Times. Os documentos mostram que Pio XII estava informado, ainda quando freiras e monges franceses foram presos sob a acusação de sequestro dos meninos.
Os novos documentos citados por Kertzer indicam que a família acabou prevalecendo e os irmãos foram levados para Israel, onde ainda residem. Kertzer sugere que o horror do Holocausto não teve efeito para suavizar a posição do Vaticano.
As autoridades do Vaticano ao terem conhecimento do artigo de Kertzer não responderam aos múltiplos pedidos de comentários sobre o mesmo.
Por outro lado, Kertzer diz que uma nota e um memorando de 1943 – ambos traduzidos e publicados no artigo do The Atlantic – não estão incluídos no volume do Vaticano que trata dos eventos de 1943. A omissão deu origem a “suspeitas de que os quatro acadêmicos jesuítas possam ter reparos em publicar detalhes que possam dar uma imagem desfavorável ao Papa e ao Vaticano”, disse Kertzer em entrevista via Skype de sua casa no Maine (Estados Unidos). “Francamente, isso confirma”.
Matteo Luigi Napolitano, professor de história da Universidade de Molise, que escreveu vários livros favoráveis a Pio XII, argumenta que os acadêmicos têm a obrigação de estudar os arquivos em profundidade. “Não se pode publicar furo após furo só porque ficou na biblioteca por alguns dias”, disse Napolitano, que é membro do Pontifício Comitê de Ciências Históricas. “Não é assim que se trabalha. Não é um método histórico”.
Kertzer trabalhou poucos dias nos arquivos porque a covid-19 obrigou o Vaticano a fechar as portas, embora a investigação com o historiador da Igreja Roberto Benedetti tenha continuado. Os documentos incluem páginas que Kertzer descreve como “carregadas de linguagem anti-semita”.
Quando o papa Francisco ordenou a abertura dos arquivos de Pio XII, em 2019, ele disse: “A Igreja não tem medo da história”. Ele também observou que o pontificado de Pio XII incluiu “momentos de graves dificuldades, decisões atormentadas e de prudência humana e cristã”.
Em um documento sobre as prisões de judeus em Roma em 1943, o reverendo Pietro Tacchi Venturi, um conselheiro próximo, propôs a Pio XII que dissesse que os alemães não precisavam usar violência contra os judeus na Itália porque as leis raciais de Musolini eram “suficientes para conter a minúscula minoria judia dentro de limites apropriados”. Além disso, Tacchi Venturi escreveu: “Não se compreende nem o motivo nem a necessidade de voltar a uma questão que o governo Mussolini considera já ter abordado”.
A proposta de Tacchi Venturi foi rejeitada em um memorando escrito pelo padre Angelo Dell'Acqua, que buscava persuadir Pio XII a não registrar um protesto formal contra a ação nazista e, em vez disso, falar em particular sobre o assunto com o embaixador alemão para “Recomende que ele não agrave ainda mais a situação dos judeus, que já é grave”.
O historiador romano Roberto Benedetti explicou que embora os arquivos tenham sido abertos em março, os acadêmicos não têm acesso total a cada documento porque algumas partes dos arquivos ainda estão em processo de inventário e digitalização. Enquanto o arquivo da Secretaria de Estado está on-line, o que dá amplo acesso aos estudiosos, no arquivo apostólico os pesquisadores se limitam a ver três documentos pela manhã e dois pela tarde. “A documentação é imensa, então imagino que haverá muitas publicações sustentando posições diferentes”, disse Benedetti.
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Qual foi o papel de Pio XII durante a II Guerra Mundial e o Holocausto? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU