31 Agosto 2020
Agosto está quase acabando. Setembro está quase aí. E para cada vez mais cristãos, essa mudança de meses também sinaliza a chegada do Tempo da Criação.
A reportagem é de Brian Roewe, publicada por National Catholic Reporter, 28-08-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Do que se trata?”, você pode estar se perguntando.
Fique tranquilo, “a” pergunta desta semana encontra todas as suas respostas e antecedentes em um período eclesial que está se tornando mais proeminente para mais cristãos a cada ano e que cada vez mais inclui católicos.
O Tempo da Criação é uma observância orante de um mês que convoca os 2,2 bilhões de cristãos do planeta a rezarem e a cuidarem da criação de Deus. É um momento para refletir sobre a nossa relação com o ambiente – não apenas a natureza “distante”, mas, crucialmente, o lugar onde vivemos – e as formas pelas quais os nossos estilos de vida e decisões como sociedade podem colocar em perigo o mundo natural e aqueles que o habitam, tanto humanos quanto outras criaturas.
O comitê ecumênico que planeja e promove esse período a cada ano o apresenta desta forma:
“O Tempo da Criação é um período para renovar a nossa relação com o nosso Criador e com toda a criação por meio da celebração, da conversão e do compromisso juntos. Durante o Tempo da Criação, nos unimos às nossas irmãs e irmãos da família ecumênica em oração e ação pela nossa casa comum.”
É um momento de oração, contemplação e, cada vez mais, um chamado à ação.
O Tempo da Criação é apoiada por uma série de organizações cristãs importantes, incluindo o Conselho Mundial de Igrejas, a Christian Aid, a Federação Luterana Mundial, a Rede Ambiental da Comunhão Anglicana, o Movimento Católico Global pelo Clima e o Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral do Vaticano. Todas elas fazem parte do comitê do Tempo da Criação.
O Tempo da Criação abrange 34 dias.
Ele começa no dia 1º de setembro, Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, e se conclui no dia 4 de outubro, festa de São Francisco de Assis, padroeiro da ecologia.
Esse período está alinhado com a estação da colheita do outono [no hemisfério Norte] – uma época em que o estado da Terra pode estar na mente de muitas pessoas.
Os cristãos ortodoxos celebram o Tempo da Criação há décadas. Ele começou em 1989, quando o Patriarca Ecumênico Dimitrios I proclamou o dia 1º de setembro como um dia de oração pelo ambiente. Na realidade, esse dia marca o início do ano da Igreja Ortodoxa Oriental.
Naquela época, o foco no ambiente estava aumentando em todo o mundo. Dois anos antes, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento divulgou o seu relatório “Nosso Futuro Comum”, a partir do qual foi desenvolvida a “Carta da Terra” – uma declaração que delineia os princípios éticos para o desenvolvimento sustentável em todo o mundo.
A carta foi o foco central da Cúpula da Terra de 1992 no Rio de Janeiro, que formou a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Em 2015, as negociações decorrentes desse processo deram origem ao Acordo de Paris, que traça um plano global para limitar o aumento das temperaturas do planeta.
Ao longo do tempo, o dia de oração se expandiu para um período inteiro, e o Conselho Mundial de Igrejas desempenhou um papel de liderança. Uma das primeiras celebrações organizadas do Tempo da Criação foi realizada no ano 2000 em uma igreja luterana em Adelaide, Austrália. Em 2003, a Igreja Católica das Filipinas começou a pedir aos católicos que observassem o Tempo da Criação.
Mais recentemente, o Tempo da Criação tornou-se uma celebração mais ecumênica entre todos os cristãos. E os últimos anos viram-no ganhar força entre os católicos. Para isso, você pode apontar para o Papa Francisco.
Poucos meses depois de publicar sua encíclica Laudato si’ sobre o cuidado da nossa casa comum, em 2015, o Papa Francisco acrescentou formalmente o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação no calendário católico como um dia anual de oração. E, no ano passado, ele convidou oficialmente os católicos a celebrarem o período completo.
“É hora de redescobrir a nossa vocação de filhos de Deus, de irmãos entre nós, de guardiões da criação. É tempo de se arrepender e de se converter, de voltar às raízes”, escreveu ele. “Somos as criaturas prediletas de Deus, que, na sua bondade, nos chama a amar a vida e a vivê-la em comunhão, conectados com a criação. Por isso, convido veementemente os fiéis a se dedicarem à oração neste tempo que, a partir de uma iniciativa oportunamente nascida em âmbito ecumênico, se configurou como Tempo da Criação.”
A oração certamente é uma parte central disso.
Nos últimos anos, os organizadores ecumênicos sugeriram temas como uma forma de unificar as celebrações entre as comunidades e de chamar a atenção para os desafios ecológicos que o mundo enfrenta. No ano passado, por exemplo, o Tempo da Criação colocou os holofotes sobre a biodiversidade, em um momento em que os cientistas previam taxas de extinção “sem precedentes”, que poderiam exterminar até 1 milhão de espécies nas próximas décadas.
Neste ano, os organizadores sugeriram o tema “Jubileu pela Terra: Novos Ritmos, Nova Esperança”. Jubileu, em termos bíblicos, refere-se a um período de restauração a cada 50 anos, quando a terra descansa, e a justiça é restaurada. O tema, em parte, é uma referência à 50ª celebração do Dia da Terra, ocorrida em abril.
O fato de a pandemia global do coronavírus ter ocorrido à medida que o planeta se aproxima de pontos de inflexão climática mostra como as realidades sociais, econômicas e ecológicas estão interconectadas, disse o comitê do Tempo da Criação ao explicar o tema.
“Durante o período deste ano, entramos em um tempo de restauração e esperança, um jubileu para a nossa Terra, que requer formas radicalmente novas de viver com a criação”, disse o comitê, incluindo “a necessidade de sistemas justos e sustentáveis” para cuidar melhor das pessoas e do planeta.
O Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral do Vaticano destacou o tema no início deste ano, ao anunciar uma celebração especial de um ano pelo quinto aniversário da Laudato si’. Ele expressou esperança de que a próxima década possa se tornar um “tempo de ‘Jubileu’ para a Terra”, alinhando-se com o prazo que os cientistas dizem ser crucial para reduzir quase pela metade as emissões globais de gases do efeito estufa e colocar o planeta dentro do limite do aumento da temperatura média em 1,5ºC.
Os exemplos são incontáveis.
Ritos especiais de oração e liturgias que refletem sobre a sacralidade da criação são comuns.
Alguns celebram “missas verdes”. Assim como as “missas vermelhas” (para os profissionais jurídicos) e as “missas azuis” (para os agentes da segurança pública), as “missas verdes” homenageiam aqueles que trabalham na proteção e na sustentabilidade ambiental, convocando a todos para o cuidado da criação.
Os bispos irlandeses produziram uma série de podcasts [disponíveis aqui, em inglês], abrangendo a teologia do cuidado da criação, junto com a ciência das mudanças climáticas e aquilo que as paróquias podem fazer a respeito. E a Conferência dos Bispos dos Estados Unidos elaborou um encarte com informações e orações para o período [disponível aqui, em inglês].
Alguns realizam celebrações tradicionais da festa de São Francisco, incluindo a bênção dos animais. A Catholic Climate Covenant produz programas anuais para o dia da festa do santo de Assis, que podem ser usados durante todo o período [disponíveis aqui, em inglês].
E alguns católicos têm usado o Tempo da Criação como um momento para se comprometer a implementar a Laudato si’.
Muitos começaram a plantar árvores, como na Arquidiocese de Indianápolis; Lancaster, Inglaterra; Manila, capital das Filipinas; e Papua-Nova Guiné.
Em 2015, a Igreja filipina usou o período como um momento para coletar assinaturas para um Abaixo-Assinado Climático Católico, que foi entregue no fim daquele ano aos líderes mundiais presentes na cúpula do clima da ONU em Paris. A Arquidiocese de Chicago exortou os católicos a defenderem a legislação ambiental federal.
Alguns grupos católicos têm usado o período para declarar publicamente o seu compromisso de desinvestir financeiramente dos combustíveis fósseis, como a Diocese de Assis, na Itália, e mais de 30 instituições em 2017. E, no ano passado, a Geração Laudato si’, liderada por jovens, junto com outros católicos, uniu-se às greves do clima que ocorreram em todo o mundo.
No Vaticano, Francisco usou a sua mensagem para o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação de 2016 para sugerir que os cristãos acrescentem o “cuidado pela nossa casa comum” às obras de misericórdia corporais e espirituais. No ano seguinte, ele e o Patriarca Ecumênico Bartolomeu divulgaram uma mensagem conjunta, instando os líderes políticos e empresariais a responderem aos apelos pela “cura da nossa criação ferida”. E, em 2019, o papa participou do plantio de árvores nos Jardins do Vaticano antes do Sínodo para a Amazônia.
Em poucas palavras, muito.
O Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral do Vaticano tornou o Tempo da Criação um ponto focal do ano de aniversário da Laudato si’ e encorajou os bispos e os órgãos eclesiais a aumentarem a conscientização sobre o período, “ajudando os fiéis a perceberem que ‘viver a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo de opcional nem um aspecto secundário da experiência cristã, mas parte essencial de uma existência virtuosa’ (Laudato si’, n. 217)”.
O site do Tempo da Criação lista eventos programados em todo o mundo. Como é a norma atualmente, haverá webinars. O primeiro é um rito de oração online. Outros webinars examinarão o que é uma transição justa em diferentes partes do mundo e o investimento ético na África. Um retiro sobre a Laudato si’ está marcado para o dia 12 de setembro, a ser seguido por um rito de oração global inspirado na Laudato si’ no dia 2 de outubro.
Para aqueles que ainda estão pensando sobre os seus próprios planos, o site do Tempo da Criação oferece recursos para várias denominações – anglicana, católica, luterana, ortodoxa e reformada –, assim como para programas ecumênicos e inter-religiosos. Também produziu um extenso guia de celebração, folhetos promocionais e postagens para mídias sociais.
O padre jesuíta James Hug compilou um guia litúrgico do Tempo da Criação [disponível aqui, em inglês], que fornece às paróquias católicas orações e sugestões de cantos para cada domingo. Ele inclui informações básicas para situar o período no contexto das múltiplas crises que o mundo enfrenta hoje.
Da mesma forma, as Irmãs de São José disponibilizaram reflexões diárias [disponíveis aqui, em inglês].
Aqui no EarthBeat, o premiado fotógrafo Paul Jeffrey levará os leitores a refletirem sobre as histórias por trás de algumas das suas impressionantes fotos de todo o mundo, todas as quais nos lembram que cuidar da criação é uma questão de justiça.
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O que é o Tempo da Criação? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU