Tempo da Criação. “O futuro da humanidade não é homo œconomicus”. Mensagem do Patriarca Ecumênico de Constantinopla Bartolomeu I

Foto: Pixabay

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

31 Agosto 2020

Por ocasião do início do novo ano eclesiástico, 1º. de setembro, que tradicionalmente coincide com o Dia de Oração pela Proteção do Meio Natural instituído pelo Fanar, o patriarca ecumênico, arcebispo de Constantinopla, divulgou uma mensagem sobre a proteção da criação, que publicamos na íntegra.

O texto é publicado por L'Osservatore Romano, 29-08-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis a mensagem.

Caríssimos irmãos hierarcas e amados filhos no Senhor, é uma convicção comum que, nos tempos atuais, o meio ambiente esteja ameaçado como nunca antes na história da humanidade. A magnitude dessa ameaça se manifesta no fato de que o que está em jogo não é mais a qualidade, mas a preservação da vida em nosso planeta. Pela primeira vez na história, o homem está em condições de destruir as condições de vida na terra. As armas nucleares são o símbolo do titanismo prometeico do homem, a expressão tangível do "complexo de onipotência" do "homem-deus" contemporâneo.

No uso do poder que deriva da ciência e da tecnologia, o que se revela hoje é a ambivalência da liberdade humana. A ciência serve à vida; contribui para o progresso, para enfrentar as doenças e muitas condições que até agora foram consideradas "fatais"; cria novas perspectivas positivas para o futuro. No entanto, ao mesmo tempo, fornece ao homem meios extremamente poderosos, cujo uso indevido pode ser transformado em destrutivo. Estamos vivenciando os desdobramentos da destruição do meio natural, da biodiversidade, da flora e da fauna, da poluição dos recursos aquáticos e da atmosfera, o progressivo colapso do equilíbrio climático, bem como outras ultrapassagens de limites e medidas em várias dimensões da vida. O santo e grande concílio da Igreja Ortodoxa (Creta, 2016) decretou de forma justa e acertada que o “científico não mobiliza a vontade moral do homem, que conhece os perigos, mas continua a agir como se não soubesse" (Encíclica, 11).

É evidente que a proteção do bem comum, da integridade do meio ambiente natural, é responsabilidade comum de todos os habitantes da terra. O imperativo categórico contemporâneo para a humanidade é viver sem destruir o meio ambiente. No entanto, embora a nível pessoal e ao nível de muitas comunidades, grupos, movimentos e organizações, existe uma demonstração de grande sensibilidade ecológica e responsabilidade, as nações e os agentes econômicos são incapazes – em nome das ambições geopolíticas e da "autonomia da economia” – de tomar as decisões corretas para a proteção da criação e, em vez disso, cultivam a ilusão de que a alegada “destruição ecológica global” seja uma criação ideológica dos movimentos ecológicos e que o ambiente natural tenha o poder de se renovar. No entanto, a questão crucial permanece: por quanto tempo a natureza suportará discussões e consultas infrutíferas, bem como todo outro adiamento na tomada de medidas decisivas para sua proteção?

O fato de que, durante o período da pandemia do novo coronavírus – covid-19, com as restrições obrigatórias à circulação, o fechamento de fábricas e a diminuição da atividade e da produção industrial, observamos uma redução da poluição e de sua carga na atmosfera, demonstrou a natureza antropogênica da crise ecológica contemporânea. Mais uma vez ficou evidente que a indústria, os meios de transporte contemporâneos, o automóvel e o avião, a prioridade não negociável dos indicadores econômicos e assim por diante, têm um impacto negativo no equilíbrio ambiental e que uma mudança de direção rumo a uma economia ecológica é uma necessidade firme. Não existe nenhum verdadeiro progresso baseado na destruição do meio ambiente natural. É inconcebível que as decisões econômicas sejam tomadas sem levar em conta também suas consequências ecológicas. O desenvolvimento econômico não pode permanecer um pesadelo para a ecologia. Temos certeza de que, além do economismo e da orientação da atividade econômica para a maximização do lucro, existe uma via alternativa de estrutura e desenvolvimento econômico.

O futuro da humanidade não é homo œconomicus. O Patriarcado Ecumênico, que nas últimas décadas foi pioneiro no domínio da proteção da criação, continuará as suas iniciativas ecológicas, a organização de conferências ecológicas, a mobilização dos seus fiéis e especialmente dos jovens, a promoção da proteção do meio ambiente como tema fundamental para o diálogo inter-religioso e iniciativas comuns das religiões, os contatos com os líderes políticos e as instituições, a cooperação com organizações ambientalistas e com os movimentos ecológicos. É evidente que a colaboração para a proteção ambiental cria novas vias de comunicação e possibilidade de novas ações comuns.

Repetimos que as atividades ambientais do patriarcado ecumênico são uma extensão de sua autoconsciência eclesiológica e não constituem uma simples reação circunstancial a um novo fenômeno. A própria vida da Igreja é uma ecologia aplicada. Os sacramentos da Igreja, toda a sua vida de culto, a sua ascese e vida comunitária, a vida quotidiana dos seus fiéis, exprimem e geram o mais profundo respeito pela criação. A sensibilidade ecológica da ortodoxia não foi criada, mas emergiu da crise ambiental contemporânea. A luta pela proteção da criação é uma dimensão central da nossa fé. O respeito ao meio ambiente é um ato de doxologia do nome de Deus, enquanto a destruição da criação é uma ofensa ao Criador, totalmente inconciliável com os princípios fundamentais da teologia cristã.

Ilustres irmãos e filhos amadíssimos, os valores favoráveis à ecologia da tradição ortodoxa, precioso patrimônio dos Padres, constituem uma barreira contra a cultura, cujo fundamento axiológico é o domínio do homem sobre a natureza. A fé em Cristo inspira e fortalece o empenho humano mesmo diante de desafios imensos. Na perspectiva da fé, podemos descobrir e avaliar não só as dimensões problemáticas, mas também as possibilidades e as perspectivas positivas da civilização contemporânea. Pedimos aos jovens homens e mulheres ortodoxos que entendam a importância de viver como cristãos fiéis e pessoas contemporâneas. A no destino eterno do homem fortalece nosso testemunho no mundo.

Nesse espírito, do Fanar, desejamos a todos um novo ano eclesial propício e abençoado, fecundo de ações a exemplo de Cristo, para o benefício de toda a criação e para a glória do Criador onisciente de todas as coisas. E invocamos sobre vocês, pelas intercessões da Santíssima Theotokos, da Pammakaristos, a graça e a misericórdia do Deus das maravilhas.

Leia mais