12 Junho 2020
“A crise da saúde apenas acelerou o que já existia: a onipresença da morte brutal como possibilidade e a ausência de instituições permanentes para reparar seus efeitos sociais e psicológicos”, escreve Fabien Truong, professor de sociologia na Universidade de Paris VIII, em artigo publicado por Alternatives Économiques, 10-06-2020. A tradução é de André Langer.
Com o progressivo fim do confinamento, multiplicam-se as perguntas sobre o mundo pós-pandemia. Se apresentarmos o vírus como uma ruptura, é sem dúvida uma caixa amplificadora das desigualdades do mundo de antes. Ao observar a crise da saúde nos bairros populares, a parte social do vírus salta aos olhos, exacerbando os problemas que já existiam antes do coronavírus. Vou me limitar aqui a duas observações sobre a morte e a pobreza.
A sobremortalidade estatística é inequívoca: em todos os lugares, os mais pobres pagaram o tributo mais pesado à sua nação. Mas por trás desses números, existem pessoas. No meu modesto nível, a dificuldade de me comunicar com Grâce, uma garota de 25 anos que mora em Ile-Saint-Denis, que eu conheci há vários anos com o cineasta Mathieu Vadepied, como parte de um documentário que está sendo filmado, foi um primeiro choque de realidade. Sem notícias há várias semanas, é assim que se “justifica”, o confinamento obriga a isso, remotamente e por interposição de texto (“Não foi fácil, eu desertei completamente porque perdi muitos entes queridos, mas está indo muito melhor e eu não estava em boas condições...”). Esses dramas não são apenas tragédias pessoais, elas revelam os germes de um profundo descrédito político. Aqui está, por exemplo, o que Aïssata escreveu para sua amiga Nadia, duas professoras que cresceram em Seine-Saint-Denis e agora estão separadas pela vida, depois de informá-la da longa lista de parentes enlutados (duas amigas perderam um irmãozinho, dois pais e uma mãe) em uma correspondência que elas tiveram a delicadeza de compartilhar comigo.
“Eu tinha acabado de fazer compras para a minha mãe quando vi uma família de africanos. No começo, pensei que ela estivesse rindo, pois o tempo estava bonito, mas logo percebi que as duas adolescentes que acompanhavam a mulher de meia-idade estavam chorando. Uma delas estava no chão e a outra estava de pé encostada em um carro... Fui ao seu encontro, perguntei se poderia ajudá-las, preocupada, e a senhora me disse que as meninas tinham acabado de perder o pai... Eu imediatamente ofereci minhas condolências a elas, depois me aproximei para ajudar a mãe a levantar a filha que estava no chão. Ela me agradeceu, depois me disse que era a mãe delas... Muito rapidamente, eu disse a elas que não podiam ficar ali, a chorar na rua, embora a rua estivesse deserta... A mãe me disse chocada: ‘Eu queria fazer compras no Carrefour Market...’, então peguei o carrinho de compras dela e disse: ‘Senhora, você precisa ir para casa, não pode ficar ali... Onde você mora? Eu vou acompanhá-la…’. Eu percorri um longo caminho com elas. Depois de me despedir delas, fiquei muito triste, mas não chorei! Mas senti por dentro que estava mudando, que um processo estava se iniciando, algo em mim estava mudando... Não somos apenas o departamento mais afetado, mas também somos maltratados: como podemos dar notícias como essa para as pessoas na rua sem garantir que as famílias estejam em suas casas...?”.
O sentimento de repugnância que Aïssata tem vem da exasperação, não da surpresa. A crise da saúde apenas acelerou o que já existia: a onipresença da morte brutal como possibilidade e a ausência de instituições permanentes para reparar seus efeitos sociais e psicológicos. Esse fato fundamental é muitas vezes esquecido quando se trata de entender o lugar ocupado pela religião nos bairros das classes populares, na vida de muitos jovens (e se falamos muito do Islã, também deveríamos mencionar a importância assumida pelas Igrejas Evangélicas), e as respostas que elas oferecem às demandas de sentido e de conforto que o mundo social ignora em larga escala. O não acompanhamento e o laissez-faire são estruturalmente históricos.
Como ilustra também o gesto espontâneo de Aïssata, a solidariedade nos bairros das classes populares é feita de mãos dadas, passo a passo. Ela é necessária, mas também perigosa, porque desafia as regras obrigatórias do distanciamento social. Ao observar Amine, um rapaz que nós também acompanhamos no âmbito deste filme, fazer diariamente rondas com sua associação Young Charity, fica claro que a solidariedade rima com proximidade: nos tocamos quando ficamos juntos.
A Young Charity, desde o início da contenção, distribuiu 12 toneladas de frutas e vegetais frescos e 13 mil iogurtes. Nos bairros de baixa renda, o fechamento das escolas significou também o não acesso às cantinas, que permitiam a muitos pais garantir uma refeição equilibrada e regular para os filhos.
Tomemos outro exemplo de Grigny, em Essonne. Dois meses após o início da crise de saúde, o mercado social do município ajuda 2.305 adultos e 2.633 crianças (ou seja, cerca de 1/6 da cidade) e, a cada semana, o número de cestas básicas distribuídas apenas aumenta: 39, 96, 142, 276, 610, 924, 976, 1040... O tempo da crise social será lento e longo.
Hoje, sem dúvida, apreciamos melhor a importância de lugares-tampão regidos pelo poder público que desapareceram com a crise da saúde, inclusive para aqueles que não se apresentam como tais, mas desempenham, de fato, essa função. Estou pensando nas universidades, cujo fechamento representa para os estudantes precários não apenas um problema de “continuidade educacional”, mas também uma perda de segurança material, social e emocional.
Essa fome e insegurança desenfreadas têm algo de obsceno quando a maioria dos habitantes dos bairros das classes populares pertence ao batalhão dos trabalhadores essenciais, esse “pequeno pessoal” dos serviços cujas “grandes ações” eram aplaudidas todas as noites às 20h: enfermeiros, auxiliares de enfermagem, donas de casa, coletores de lixo, trabalhadores da área da logística, motoristas de empilhadeiras, caixas, transportadores rodoviários, etc. Amine era um animador durante o período escolar; agora ele é entregador.
No mundo de antes, a solidariedade de proximidade e uma rede mínima de segurança pública eram gestos barreira. E se uma justa redistribuição das riquezas finalmente funcionasse no mundo pós-pandemia? Pois se uma grande parte da população, geralmente móvel e sem obstáculos, conseguiu permanecer serenamente confinada, isso se deve aos deslocamentos e movimentos forçados e mal pagos de um exército sombrio.
No mundo pós-Covid, devemos ser capazes de desacelerar, cortar, privilegiar a qualidade e os circuitos curtos. Mas, provavelmente, nem todos se “libertarão” da mesma maneira se certa desconsideração, que já estava firmemente enraizada no mundo de antes, sobreviver à pandemia.
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Depois do mundo de antes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU