"Bem mais decisivo no que se está sucedendo é algo de que significativamente não se fala em absoluto, a saber, o fim do estudantado como forma de vida", afirma Giorgio Agamben, filósofo italiano, em artigo publicado por Istituto Italiano per gli Studi Filosofici, 23-05-2020. A tradução é de Davi De Conti.
Como havíamos previsto, as aulas universitárias realizar-se-ão online no próximo ano. Aquilo que para um observador atento era evidente, isto é, que a pretensa pandemia seria utilizada como pretexto para a difusão sempre mais pervasiva da tecnologia digital, realizou-se pontualmente.
Não nos interessa aqui a consequente transformação da didática, cujo elemento da presença física, sempre tão importante na relação entre estudantes e docentes, desaparece definitivamente, como desaparecem as discussões coletivas nos seminários, que eram a parte mais viva do ensino. Faz parte da barbárie tecnológica que estamos vivendo o cancelamento da vida de cada experiência dos sentidos e a perda do olhar, duradouramente aprisionado em um ecrã espectral.
Bem mais decisivo no que se está sucedendo é algo de que significativamente não se fala em absoluto, a saber, o fim do estudantado como forma de vida. As universidades nasceram na Europa a partir de associações de estudantes – universitates –, e devem a estas o seu nome. Aquela do estudante, a saber, era antes de tudo uma forma de vida em que certamente era determinante o estudo e a escuta das lições, mas não menos importantes eram o encontro e a contínua troca com os demais scholarii, que frequentemente vinham dos lugares mais remotos e se reuniam em nationes de acordo com o lugar de origem. Essa forma de vida evoluiu de diversos modos ao longo dos séculos, mas era constante, desde os clerici vagantes do medievo aos movimentos estudantis do século XX, a dimensão social do fenômeno. Quem quer que tenha ensinado em uma aula universitária sabe bem como, por assim dizer, sob seus olhos se formavam as amizades e se constituíam, conforme os interesses culturais e políticos, pequenos grupos de estudo e de pesquisa, que continuavam a se encontrar mesmo depois do fim da aula.
Tudo isso, que durara por quase dois séculos, agora termina para sempre. Os estudantes não viverão mais na cidade em que está sediada a universidade, antes cada um escutará as lições fechado em seu aposento, separado às vezes por centenas de quilômetros daqueles que foram antes seus colegas. As pequenas cidades, outrora sedes de universidades de prestígio, verão desaparecer de suas ruas aquela comunidade de estudantes que frequentemente lhe constituíam a parte mais viva.
De todo fenômeno social que morre se pode afirmar que, em um certo sentido, merecia o seu fim e é certo que nossas universidades chegaram a tal ponto de corrupção e de ignorância especialística que não é possível lamentar-lhe e que a forma de vida dos estudantes era em consequência igualmente empobrecida. Dois pontos devem no entanto restar firmes:
1. Os professores que aceitam – como estão fazendo em massa –, submeter-se à nova ditadura telemática e realizar os seus cursos somente online são o perfeito equivalente dos docentes universitários (italianos - nota do IHU) que em 1931 juraram fidelidade ao regime fascista. Como aconteceu então, é provável que apenas quinze de cada mil se recusarão, mas certamente seus nomes serão lembrados ao lado daqueles quinze docentes que não juraram.
2. Os estudantes que verdadeiramente amam o estudo deverão recusar-se a se inscrever em universidades transformadas desta maneira e, como em sua origem, constituir-se em novas universitates, somente no interior das quais, diante da barbárie tecnológica, poderá permanecer viva a palavra do passado e nascer – se nascerá –, algo como uma nova cultura.