12 Mai 2020
Hoje, a questão mais importante que a Igreja Católica enfrenta na Nigéria não são as mudanças climáticas nem o aborto, segundo o bispo auxiliar da Diocese de Enugu, no sudeste da Nigéria. A questão mais importante é migração.
A reportagem é de Patrick Egwu, jornalista nigeriano residente em Johannesburg, onde trabalha como pesquisador da Fundação Open Society, associada à Universidade de Witwatersrand, publicada por National Catholic Reporter, 08-05-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
“Considero a migração o tema mais sensível à nossa Igreja e à sociedade”, disse Dom Ernest Obodo à revista EarthBeat. “Os jovens nigerianos estão sendo obrigados, pelas duras realidades econômicas nigerianas, a abandonar o país e migrar para outras nações”.
Ele cita o alto número de jovens nigerianos que morrem ao tentarem fugir do país, bem como a porcentagem impressionante de mulheres e meninas que acabam vítimas de tráfico para exploração sexual.
A classificação dessas questões surgiu no ano passado, quando os bispos católicos americanos debatiam a importância e a urgência relativas das mudanças climáticas e do aborto.
Na sua assembleia de novembro, a Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos adotou uma carta que afirma que o aborto é sua “prioridade preeminente”. Por outro lado, as mudanças climáticas ainda não são consideradas uma ameaça urgente, explicou o então presidente da conferência, o Cardeal Daniel DiNardo, de Galveston-Houston, em entrevista coletiva.
Como Obodo observou, a Nigéria vive uma crise migratória crescente. De acordo com a Organização Internacional para as Migrações – OIM, desde 2017 mais de 10 mil nigerianos que estavam presos na Líbia, Mali e Níger, após tentativas fracassadas de chegar à Europa, foram trazidos de volta. Um relatório da OIM de 2017 afirma que, dos mais de 181 mil migrantes que viajaram pelo mar da Líbia para a Itália em 2016, mais de 37 mil eram nigerianos, com mulheres e crianças desacompanhadas representando 11.009 e 3.040 viajantes, respectivamente. O relatório declara que 80% dessas mulheres e meninas provavelmente serão vítimas de tráfico para exploração sexual.
Obodo culpa essa situação pelo fracasso das autoridades de seu país em oferecer empregos e outras oportunidades, como segurança e bem-estar. Sem essa assistência, segundo disse, os jovens decidem buscar uma vida melhor na Europa e em outras partes do mundo desenvolvido.
Em 2018, a Nigéria superou a Índia como o país com o maior número de pessoas vivendo em extrema pobreza, com cerca de 87 milhões de nigerianos sobrevivendo com menos de US$ 1,90 por dia, em comparação com os 73 milhões da Índia.
“O principal motivo da imigração é a má governança na Nigéria”, afirmou Obodo.
Ele acrescentou: “Com recursos minerais e sua população abundantes, a Nigéria deveria ser um ator importante na economia mundial. Mas desde a independência [concedida pela Grã-Bretanha em 1960], líderes incompetentes frequentemente emergem na Nigéria via processos eleitorais falhos, orquestrados por atividades de certos grupos mafiosos, em conjunto com algumas empresas multinacionais, que bancam a chegada dessas lideranças ao poder, com o motivo egoísta de manipulá-los quando assumem os cargos”.
O religioso afirmou que as riquezas do país africano têm sido sequestradas por grupos poderosos que desejam enriquecer, seus amigos e suas famílias.
“É só na Nigéria que alguns grupos de mafiosos recebem poços de petróleo pertencentes ao país e colhem os frutos deles decorrentes, enquanto o país permanece sem recursos”, disse ele. “Com o enorme dinheiro ganho no setor de petróleo, essas máfias podem controlar o processo eleitoral e, muitas vezes, entronizar quem eles desejam como líderes”.
Por “grupos mafiosos”, Obodo refere-se a indivíduos e políticos poderosos que têm alianças com presidentes, seus antecessores e sucessores. Ativistas vêm pedindo ao governo que revogue os acordos ilegais que resultam no fornecimento de recursos petrolíferos a apoiadores de líderes governamentais. Em uma entrevista de 2016 à BBC, a primeira-dama Aisha Buhari acusou algumas pessoas de sequestrar o poder do marido, o presidente Muhammadu Buhari.
Obodo continuou: “Com suas riquezas ilícitas, estas pessoas podem também manipular os pobres. Eis um importante fator que contribui para a pobreza e o desemprego na Nigéria. Quando não conseguem realizar seus sonhos de autorrealização, os jovens muitas vezes arriscam suas vidas no alto mar, tentando fugir para a Europa e Estados Unidos”.
Como membro da Conferência Episcopal Católica da Nigéria, Obodo participou da Conferência Episcopal Regional da África Ocidental, em Burkina Faso, em maio de 2019 com o tema “A nova evangelização e desenvolvimento humano na Igreja, família de Deus, na África Ocidental”. Mais de 150 bispos, arcebispos e cardeais da África Ocidental participaram, com a migração sendo o tema principal. Obodo está entre os 78 bispos católicos da Nigéria.
“Na conferência, os membros foram convidados a discutir a questão da migração e criar programas que desencorajem os jovens de viajar para o exterior em busca de pastagens mais verdes”, disse. “Muitas dos nossos filhos arriscam suas vidas migrando para a Europa ou Estados Unidos, geralmente por meios ilegais”.
Todos os anos, centenas de jovens africanos que sonham encontrar uma vida melhor na Europa morrem atravessando o deserto do Saara ou o mar Mediterrâneo.
“A Igreja na Nigéria não fica feliz de ver muitos de seus filhos morrendo a caminho de continentes estrangeiros em busca de uma vida melhor”, completou Obodo, que disse que esses jovens são “o futuro de nossa Igreja e da sociedade”.
De acordo com Obodo, muitos dos que conseguem completar a travessia se veem presos em formas inesperadas de subjugação. Ainda segundo ele, os nigerianos que migram para a Europa se submetem à escravidão, às drogas, ao tráfico, à prostituição e a outros crimes cometidos por traficantes brancos que facilitaram a migração.
Mesmo concordando que o aborto e as mudanças climáticas sejam questões que afetam a Igreja de várias maneiras, ele disse que a migração está no topo da lista.
“A vida é um dom de Deus e as leis da Igreja condenam o aborto”, disse ele, citando o Catecismo da Igreja Católica. “O Código de Direito Canônico de 1983 indica a excomunhão como punição para qualquer pessoa que cometa aborto”.
E acrescentou: “A questão do aborto é normalmente uma cultura antiafricana porque os africanos normalmente valorizam a vida”.
O aborto é ilegal na Nigéria e só pode ser realizado para salvar a vida da mulher. Porém, a prática abortista ainda é comum no país, sendo principalmente feita por pessoal médico não qualificado. De acordo com o Instituto Guttmacher, organização de pesquisa em saúde sexual, dos mais de 2 milhões de gestações indesejadas na Nigéria em 2012, uma parcela equivalente 56% do total resultou em um aborto induzido.
Quanto às mudanças climáticas, Obodo lembrou a encíclica de 2015 do Papa Francisco, Laudato Si’ – sobre o cuidado da casa comum.
“Hoje, há uma crise ecológica no mundo que leva às mudanças climáticas”, disse o religioso africano, acrescentando: “Com essa encíclica, o papa entra em diálogo com a humanidade sobre o cuidado da Terra, que é a nossa casa comum. O homem está destruindo o meio ambiente através das muitas atividades relacionadas à poluição ambiental e, assim, destruindo a si mesmo e a seu próximo. O efeito da destruição do meio ambiente pelo homem se tornou tão devastador que, se nada for feito, poderemos destruir a Terra e trazer desastre para nós mesmos”.
A região do Delta do Níger, na Nigéria, com seus grandes depósitos de petróleo, já sente há décadas os efeitos da poluição e queima de gás, práticas que geram mudanças climáticas e problemas de saúde aos que vivem na região. Em 2011, após um estudo dos danos causados pela poluição por petróleo na área, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente recomendou uma limpeza local ao custo de US$ 1 bilhão para restaurar ambientes poluídos e pôr fim à exploração e contaminação de petróleo da região.
“As pessoas têm dificuldades de encontrar água potável e respirar ar fresco, com os consequentes problemas de saúde”, disse Obodo. “A Igreja na Nigéria desaprova a poluição ambiental e se preocupa bastante com as mudanças climáticas e seus efeitos sobre o clima. Ela prega contra todas as ações relacionadas à degradação ambiental”.
Segundo Obodo, o desmatamento é outro problema de mudança climática que o país enfrenta. “Não há muita iniciativa do governo para impor campanhas de plantio de árvores para salvar o nosso meio ambiente. As cidades são planejadas e muitas casas são construídas sem um plano adequado para a arborização”.
Diante de todos estes problemas, a opinião de Obodo sobre a migração permanece firme. Ele disse que o refrão popular ainda vale: “Seja o Oriente, seja o Ocidente, o nosso lar é o melhor lugar”.
“Se tudo fosse igualitário, ninguém sairia de sua casa para ir morar em um país estrangeiro”, disse ele. “A Nigéria perde para países estrangeiros uma parcela grande de sua população jovem. Isso gera um impacto negativo em nosso momento presente, mas especialmente nas gerações futuras. A origem da migração, que é a má governança, é uma grande preocupação da Igreja e devemos fazer de tudo para pôr em ação um bom governo na Nigéria”.
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Bispo nigeriano considera migração como questão maior do que o aborto e o clima - Instituto Humanitas Unisinos - IHU