10 Mai 2020
As manchetes da imprensa religiosa e secular no início desta semana repetiram um tropo que se tornou familiar ao longo dos últimos anos: o Papa Emérito Bento XVI se pronunciou de forma surpreendente.
Publicamos aqui o editorial da revista America, 07-05-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Bento XVI teria dito que a Igreja está ameaçada por “uma ditadura mundial de ideologias aparentemente humanistas”, usando o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o aborto e a fertilização in vitro como exemplos e vinculando-os ao “poder espiritual do Anticristo”.
Seus comentários eram muito mais extensos e matizados, é claro, mas a cobertura das mídias sociais e da imprensa muitas vezes fazem-nos soar como se ele tivesse acabado de realizar uma coletiva de imprensa para denunciar alguma coisa – ou alguém.
Embora após a sua renúncia ao papado, há sete anos, Bento XVI tenha dito que permaneceria “escondido do mundo”, os últimos comentários, de uma entrevista de 2018 incluída em uma nova biografia dele, seguem uma série de declarações semelhantes do ex-pontífice nos últimos anos, a maioria das quais apareceram em livros ou cartas.
Ele também escreveu um artigo em abril de 2019 sobre os abusos sexuais, que foi divulgado logo após uma cúpula vaticana em fevereiro de 2019 dos chefes das Conferências Episcopais do mundo sobre esse assunto.
Bento XVI é um teólogo renomado, cuja reputação de estudos e análises perspicazes havia se estabelecido muito antes de ele se tornar papa. Tendo sido perito do Concílio Vaticano II, professor universitário e bispo antes de sua mudança para a Congregação para a Doutrina da Fé, com o Papa João Paulo II, ele sempre teve um domínio formidável sobre a história teológica da Igreja.
Não é de se surpreender que ele tivesse contribuições a fazer ao discurso eclesial contemporâneo, ou que católicos de todo o mundo desejassem ouvi-lo.
Ao mesmo tempo, é impossível separar tais declarações do fato de que ele é o ex-papa e um símbolo poderoso no imaginário dos católicos em todo o mundo. É razoável perguntar, então, se, neste novo papel de papa emérito, o comentário público de Bento está contribuindo para a vida e a unidade da Igreja, especialmente quando seus comentários tocam em assuntos (incluindo os abusos sexuais e o celibato sacerdotal) que são questões desafiadoras e candentes para o seu sucessor e para os católicos de todas as paróquias.
Não atribuímos motivos indignos ao papa emérito. Bento XVI também pode não estar ciente do modo como seus comentários podem ser descritos ou mal interpretados por indivíduos cujas motivações não são tão confiáveis quanto as dele (a revista America normalmente os vincularia a exemplos específicos de terceiros, mas não temos nenhum interesse em dirigir nossos leitores para aquilo que é essencialmente desinformação).
As palavras de Bento são usadas regularmente como um cassetete por parte daqueles que não escondem seu desejo de impedir as reformas e as ênfases pastorais do Papa Francisco. Por exemplo, o Papa Francisco disse em 2013 que uma ênfase excessiva nos ensinamentos da Igreja sobre a sexualidade humana corre o risco de enfraquecer os esforços evangélicos da Igreja. A esse respeito, a publicação ininterrupta dos comentários de Bento sobre questões sociais como o casamento gay, o aborto e o celibato o retratam como uma correção do seu sucessor e como alguém que toma partido em favor de um catolicismo mais linha-dura.
É claro que estamos em uma situação histórica singular: nunca antes a Igreja teve que discernir o papel apropriado de um papa emérito.
Em outra citação dos trechos da entrevista desta semana, Bento disse que sua amizade com o Papa Francisco “não apenas resistiu, mas cresceu” nos sete anos desde que Francisco foi eleito papa, uma indicação de que nem Bento nem Francisco subscrevem a noção de que Bento está tentando minar Francisco.
Mas, respeitosamente, sugerimos que seria um poderoso sinal externo de unidade se o papa emérito e aqueles que o aconselham procurassem evitar situações nas quais seus comentários públicos serão inevitavelmente mal utilizados para sugerir uma divisão que Bento nunca desejou.
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Discernindo quando e como um papa emérito deve falar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU