07 Mai 2020
“A situação é grave. A maioria das pessoas está tendo dificuldades econômicas, sociais e emocionais. Uma renda básica não é uma panaceia, mas é essencial e urgente. Se as autoridades não a aplicarem, serão em parte responsáveis pelas mortes e doenças do amanhã. No mínimo, deveriam lançar imediatamente programas piloto, caso não estejam convencidos. A inação é o que não se perdoará, nem se esquecerá”, escreve Guy Standing, professor titular e pesquisador da Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres, em artigo publicado por En Positivo, 06-05-2020. A tradução é do Cepat.
Quando a pandemia finalmente desaparecer, o mundo mudará de forma permanente. Mas, para mudar para melhor, é necessário desenvolver já uma estratégia de transformação econômica. Para isso, devemos ter claro com antecedência quais eram seus defeitos fundamentais.
A economia neoliberal que predominou nas últimas três décadas teve como objetivo reduzir o Estado social e tinha uma inclinação populista a reduzir impostos, particularmente para os ricos e as empresas, que exigiam cortes nos gastos públicos, em teoria para equilibrar os orçamentos.
Foi um modelo enganoso, que produziu um grande fortalecimento do capitalismo rentista - grandes retornos para os proprietários - e o enfraquecimento de bens públicos comuns.
Este último implicava menos casas sociais, serviços sociais reduzidos, menos saúde pública e menos assistência social. Agora, estamos pagando o preço, com mais de 25.000 mortes somente na Espanha. Nossa cobertura de proteção social estava em frangalhos.
Também produziu um saque dos bens públicos naturais - menos espaços abertos, menos peixes no mar, menos ar limpo e água potável, menos parques e florestas bem cuidadas -, bem como das garantias civis, a igualdade e a justiça para todos. Sobretudo, vimos uma perda do patrimônio intelectual público, na medida em que o desenvolvimento de um sistema internacional de direitos de propriedade intelectual permitiu que a plutocracia e as grandes empresas se apoderassem de uma parte cada vez maior dos ingressos gerados.
Por conseguinte, uma parte crucial da estratégia de revitalização deve consistir em desmantelar o capitalismo rentista e reanimar todos os nossos bens comuns. Não devemos aceitar nenhum político e nem partido político que não articule uma estratégia nesse sentido.
A principal prioridade deve ser a construção de um novo sistema de distribuição de renda. Já agora. Precisamos que os Governos e as organizações internacionais introduzam uma renda básica de emergência.
Os governos devem perceber que não existe alternativa que possa alcançar todos os segmentos da sociedade. Alguns Governos alegam que precisam focar a ajuda nos mais vulneráveis e introduzem assistência social e subsídios salariais em função dos recursos. Contudo, acabarão aceitando que quase todo o mundo - exceto os plutocratas que podem se refugiar em seus super iates e suas fazendas -, além de ser vulnerável à pandemia, pode sofrer problemas econômicos, falências e outras doenças.
Buscar selecionar os pobres em um choque sistêmico como o atual é como procurar o homem que está mais prestes a se afogar em um naufrágio e deixar que o resto se afunde. Todos precisamos de ajuda. O processo administrativo necessário para identificar os mais necessitados será caótico, burocrático, cronicamente ineficaz e injusto. E até os políticos podem perceber que pouquíssimos servidores públicos estão dispostos a verificar a renda, a riqueza e a situação trabalhista daqueles que solicitam ajuda financeira.
O que os economistas deveriam saber a esta altura é que planos seletivos, concebidos para alcançar exclusivamente os pobres sem culpa nenhuma, cometem enormes falhas de exclusão. Em outras palavras, não alcançam muitos dos destinatários do plano. É possível que haja 40% ou mais de necessitados a quem não chega. Esse fato foi comprovado repetidamente em todo o mundo, mesmo em países com sistemas administrativos avançados.
Dito de outro modo, os planos universais são mais eficazes que os planos seletivos na redução da pobreza e da insegurança de renda. Os políticos têm dificuldades em entender esse paradoxo e muitos preferem não o entender, pois assim podem continuar com seus programas específicos, com os quais acreditam que economizam dinheiro público. Seria muito melhor proporcionar a todos uma renda básica e aplicar aos ricos um ligeiro aumento de impostos, para que não estejam nem melhor, nem pior.
O que descobrimos com os ensaios de rendas básicas em diferentes tipos de países é que reforçam a resistência pessoal e familiar e fazem com que as famílias e os indivíduos sofram menos pressão e tenham maior capacidade para pagar suas dívidas.
Também melhoram a nutrição, a saúde e a sanidade. E, contrariamente aos preconceitos burgueses, as pessoas com a seguridade de uma renda básica tendem a trabalhar mais - não menos - e a ser mais produtivas - não menos -, assim como mais cooperativas e tolerantes com os outros. Têm menos medo e, portanto, têm menos propensão a votar nas opções de extremismo populista.
O sistema de renda básica teria outras vantagens sociais e econômicas. Nossa sobrevivência coletiva a essa pandemia depende não apenas de nosso próprio comportamento e nosso acesso aos recursos, mas também de que todos os demais tenham os recursos necessários para sobreviver.
Se alguns grupos forem deixados de fora dos programas de ajuda financeira, tenderão a exibir comportamentos que prolongarão a pandemia, ainda que seja só porque, sem recursos, permanecerão vulneráveis ao vírus e outras doenças sociais. Poderíamos até formular uma regra social: quanto mais específico for o sistema de ajuda econômica, mais longa será a pandemia e mais devastadora será.
Do ponto de vista econômico, os políticos deveriam estar conscientes de que, durante muito tempo, sofreremos as consequências de uma profunda crise de demanda. Os pobres não poderão comprar bens e serviços básicos, o precariado não poderá pagar suas dívidas crescentes e os assalariados sofrerão efeitos enormes em sua riqueza, ou seja, a constatação de que perderam muita riqueza, fará com que gastem menos.
Os políticos gostam de apresentar a imagem de que protegem as empresas e os postos de trabalho. Mas o objetivo principal deveria ser impulsionar a demanda por bens e serviços básicos, sem a qual as empresas não podem funcionar. Uma renda básica aumentaria essa demanda e constituiria a pedra angular da nova economia: alimentação, moradia, saúde e educação.
A loucura da flexibilização quantitativa, perseguida após 2008, consistiu em injetar dinheiro no lado da oferta, nos mercados financeiros. Isso levou a uma recuperação muito lenta, como todo espanhol sabe. E enriqueceu aqueles que já eram ricos. Isso não deve ser repetido agora. Mas só será evitado se pressionarmos os políticos e as instituições financeiras e políticas internacionais para facilitar a vida das pessoas comuns.
Outra vantagem de uma renda básica de emergência é que poderia servir como o que os economistas chamam de estabilizador econômico automático. Se adotada, aumentaria a demanda por bens e serviços básicos. Se isso funcionar, a economia começará a se recuperar. Então, o governo poderia reduzir ligeiramente a quantia para torná-la sustentável a longo prazo, enquanto se implementa impostos e outros recursos financeiros para sustentar um sistema permanente. Se a recessão piora devido a forças externas, as autoridades podem aumentar a renda básica, para fortalecer a economia em geral.
A situação é grave. A maioria das pessoas está tendo dificuldades econômicas, sociais e emocionais. Uma renda básica não é uma panaceia, mas é essencial e urgente. Se as autoridades não a aplicarem, serão em parte responsáveis pelas mortes e doenças do amanhã. No mínimo, deveriam lançar imediatamente programas piloto, caso não estejam convencidos. A inação é o que não se perdoará, nem se esquecerá.
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A fase seguinte: uma renda básica. Artigo de Guy Standing - Instituto Humanitas Unisinos - IHU