05 Mai 2020
Todos nós temos a faculdade de nos revitalizar, inclusive no nível espiritual. Mas essa tomada de consciência geralmente é feita na virada de um evento significativo. O psiquiatra e escritor Christophe André analisa a sua experiência do confinamento.
A entrevista é de Élisabeth Marshall, publicada por La Vie, 30-04-2020. A tradução é de André Langer.
Tão inesperada quanto perturbadora, a crise sanitária nos confrontou, em sete semanas, com a natureza preciosa e frágil da vida, com a realidade da morte, mas também com a força das relações encontradas. Pedimos ao psiquiatra Christophe André, um excelente conhecedor dos mecanismos da alma humana e amigo de La Vie, que nos apresentasse a sua análise das graças e das virtudes do momento. Para melhor se lembrar depois...
As várias experiências que tivemos durante esse mês confinado provavelmente reativam em nós uma experiência interior?
Certamente. O que vivenciamos é tão excepcional que mexe com a totalidade do nosso ser. Mas não se trata apenas de um evento histórico externo; trata-se também do impacto em nós deste acontecimento, do que ele faz surgir ou renascer: medos, inquietações ou esperanças. É por isso que existem tantas reações diferentes, quase tantas quanto os humanos. Com algumas constantes, no entanto. Assim, tanto a epidemia como a contenção tiveram a virtude de abrir nossos olhos.
Primeiro sobre nossa fragilidade: a morte estava no exílio (em hospitais, lares de idosos, serviços de cuidados paliativos), e agora ela volta a andar pelas ruas, com o rosto descoberto (enquanto nós cobrimos o nosso). Uma pandemia nos lembra que a morte não é “planejável” e que ela pode nos atingir a qualquer momento e em qualquer idade; no entanto, passamos nosso tempo esquecendo-nos disso, como observou Paul Valéry: “O homem está inclinado à sua morte como quem fala à lareira”.
Para alguns, essa erupção da “morte possível”, como realidade e não como virtualidade, desencadeou grande inquietação, para eles ou para seus entes queridos. Para outros, ter que pensar na morte não provou ser uma fonte de angústia e, pelo contrário, encorajou-os a amar melhor a vida, a saborear melhor a graça, cada manhã renovada, de acordar vivo. Então nossos olhos se abriram para algumas das nossas necessidades. O confinamento, privando-nos temporariamente de nossa liberdade de deslocamento e de nossos intercâmbios sociais costumeiros, lembrou-nos simultaneamente do seu imenso valor: somos seres de movimentos e de relações.
Poder andar apenas em horários limitados, dentro de um perímetro limitado e com um comprovante, vendo os outros apenas por telas interpostas, isso pode durar apenas algum tempo. Ou, então, isso transformaria profundamente a nossa maneira de ser humanos, se durasse, no caso de pandemias repetidas ou mais devastadoras que essa. Fiquei impressionado ao ver muitos amigos exercendo profissões intelectuais e grandes leitores diante do Eterno, admitir para mim que eles não conseguiam mais ler: faltavam-lhes o vai e vem com as ações, as interações e as andanças no mundo exterior para lhes dar um gosto pela leitura. A leitura não substitui a vida real, mas a completa e a enriquece.
A experiência coletiva de um retorno sobre si mesmo (forçado) contra um pano de fundo de gravidade e urgência da vida pode modificar, momentânea ou duradouramente, a nossa relação com o mundo?
Mudaria se fôssemos sábios, ou pelo menos se estivéssemos permanentemente ansiosos para sê-lo! A verdadeira sabedoria seria não precisar da adversidade para nos comportar de maneira justa: ajudar-nos mutuamente, parar de consumir excessivamente os recursos do planeta e prestar atenção nos perigos que vemos chegando – o risco de uma pandemia era perfeitamente conhecido e previsto, como o risco climático.
Mas não somos sábios, ou pouco sábios, ou não o tempo todo: quando o confinamento e a epidemia terminarem, primeiro saborearemos nossa leveza e nossa liberdade redescobertas. Depois, lembrar-nos-emos de como são boas as oportunidades e as graças. Depois, vamos nos esquecer. A menos que inscrevamos esses eventos na duração de nossa memória: a sabedoria, na vida cotidiana, é um trabalho, uma ascese regular. Uma parte consiste em lembrar a existência de provações, não para se arrepender, mas para se preparar para elas: para transformar nossos desejos em vontade. Foi o humorista mal-humorado Jean Yanne que disse: “Todo mundo quer salvar o planeta, mas ninguém quer tirar o lixo”.
Você esteve sensível, nestes últimos dias, à “presença”, em última análise muito humilde, do cristianismo ao nosso lado, com a impossibilidade de celebrar juntos nas igrejas abertas?
Antigamente as epidemias provocavam um surto de fé, uma vez que eram vistas como punições divinas. Isso não aconteceu para o Covid-19 e isso é ótimo. Mas o confinamento foi uma experiência sem precedentes para os crentes, uma oportunidade para refletir sobre o que é uma religião: uma fé (crenças e esperanças), ritos (orações, culto), uma cultura (valores compartilhados), mas também relações (dentro de uma comunidade). O confinamento retirou a parte viva e carnal dessas relações: rezar lado a lado, agir juntos, encontrar-se após o culto, etc. Mas também nos convidou a cultivar a religião em nós, na nossa casa. A frequentar as Escrituras, descobrir que existem pequenas aplicações (rezar caminhando) que nos ajudam a rezar e a meditar (no sentido cristão) diariamente.
E quanto a você?
Pessoalmente, vou guardar a imagem da minha esposa assistindo a um padre amigo celebrar a missa em sua casa, em sua sala de estar. Parecia uma forma estranha e comovente de clandestinidade. Da minha parte, o confinamento me fez passar muito tempo na janela, olhando o céu. Uma necessidade da natureza, mas também de espiritualidade: “Pai nosso que estais no céu” – eu realmente precisava dirigir meu olhar na sua direção! Como quando você tenta olhar alguém nos olhos para se comunicar melhor com essa pessoa. Infantil, mas reconfortante. Todas as manhãs, portanto, coloco-me diante do céu para ler um Salmo (na tradução de Claudel). O Salmo 30, por exemplo, que começa da seguinte forma: “Você notou, Senhor, esse sujeito desesperado que está esperando?”
Nesse período confinado, os vínculos com os mais próximos assumiram uma nova acuidade, permitindo medir o quanto esse feixe nos constitui e dá todo o seu peso à nossa vida. Você observou isso?
Eu sou um dos sortudos: a contenção nos permitiu fortalecer nossos laços familiares. Nossas filhas estavam confinadas junto conosco e se davam muito melhor que o normal; assim, as adversidades estreitam os laços entre as pessoas que se amam, enquanto o conforto pode afastá-las. E com minha esposa, quando ocorreram tensões ou aborrecimentos – normais em qualquer casal, especialmente em tempos de confinamento –, tivemos tempo e calma para conversar e resolvê-los, quando os ritmos habituais da vida nos deixariam menos tempo e energia para diálogos restaurativos.
Você está familiarizado com o trabalho interior, já praticando uma forma de ascese silenciosa todos os dias com a meditação. Mas o que você extrai pessoalmente desta experiência de confinamento em casa e como que fora do mundo?
Eu redescobri a virtude do exame de consciência na sua versão laica. Percebi que, no confinamento, fui privado dessas trocas reais, desses atritos com a realidade que nos oferecem o encontro com as pessoas que não vivem como nós, não pensam como nós. Confinados, só nos comunicamos com pessoas próximas a nós, tendemos a frequentar mídias ou redes sociais que se assemelham a nós e começamos a ficar mentalmente empobrecidos, porque a realidade não mais nos perturba. Depois de um mês, minha esposa me disse que fiquei menos tolerante com comentários e informações que me incomodavam: comecei por criticá-los, em vez de me forçar para compreendê-los antes de julgá-los. Posteriormente, integrei essa ideia ao programa de minhas meditações e reflexões diárias: aceitar a diversidade do mundo, sem necessariamente aprová-la, antes de julgá-la. E tentarei continuar esse esforço: à medida que envelhecemos, nós nos confinamos em nós mesmos e em nossas certezas!
Também tomei consciência da fragilidade das nossas sociedades democráticas ocidentais. Essa crise as atinge em um momento de grande transição: entre um mundo antigo que ainda não está terminado e um novo que precisa ser quase todo construído. Estávamos deixando o mundo de ontem, o dos Estados-nação povoados por cidadãos da mesma cultura, e, armados com suas certezas, estávamos nos movendo em direção ao mundo de amanhã, mais globalizado, mais misto, ainda em construção e, portanto, ainda confuso.
Essa epidemia revelou egoísmos e narcisismos que poderiam ter acabado com tudo, mas também solidariedade e coragem que, no momento, salvaram tudo. Os grupos humanos também são ecossistemas frágeis: esta crise nos ensina que devemos proteger as culturas, os valores, as instituições... e não somente as pessoas. Que temos deveres para com nossos grupos de pertença, além de nossos direitos como indivíduos. Que esse altruísmo deve prevalecer sobre o egoísmo, que, nas dificuldades, é a colaboração que salva a todos, aí onde a competição salva apenas os mais fortes. E o desejo de não sofrer mais!
Em geral, sou um cidadão obediente. No início, fiquei irritado com a restrição de um confinamento para mim mal conduzido, pelo espetáculo de faltas, erros e mentiras dos políticos – os nossos não são piores a propósito do que muitos outros, sem dúvida menos, e eu tenho bastante compreensão para com eles e a dificuldade de sua missão. Mas não quero colocar meu destino inteiramente em suas mãos novamente. Eu quero agir mais.
Você fala de engajamento. Aqui, também, teremos que aproveitar nossos recursos e nossas forças interiores para enfrentar os problemas (econômicos, humanos, etc.) que estão à frente e iniciar mudanças, tanto pessoais quanto coletivas. Como a psicologia positiva pode nos ajudar? O que ela tem para nos ensinar?
A pandemia não nos ensinou nada de novo que ainda não soubéssemos sobre os perigos associados à negligência ecológica, à ganância financeira, a uma globalização voltada para prazeres e lucros. Só que tudo isso não poderia durar! Agora precisamos de uma convergência de lutas (para retomar uma fórmula sindical) entre o individual, o coletivo e o político. Agir primeiro no meu nível pessoal, ou seja, consumir menos, viajar menos e aumentar ainda mais com minhas palavras, meus escritos e meus gestos a quantidade de benevolência e ajuda mútua presentes neste mundo.
Meus dois principais caminhos de renovação interior, meditação e psicologia positiva, provavelmente nos ajudarão no período pós-crise. A primeira, oferecendo-nos tranquilidade e discernimento para nos envolvermos naquilo que chamo de “ação justa”, calma e determinada, porque as vociferações e as gesticulações não levam a nada. A segunda nos lembra que o gosto pela vida é uma fonte poderosa para agir sobre a duração. Claudel escreveu: “A felicidade não é o objetivo, mas o meio da vida”, sua busca é um dos nossos grandes combustíveis para a ação! O que estamos vivendo é ao mesmo tempo inquietante e apaixonante, e aprendemos muitas lições dessa crise: seremos bons alunos?
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“Eu redescobri a virtude do exame de consciência na sua versão laica”. Entrevista com Christophe André, psiquiatra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU