27 Abril 2020
"Ser sacerdote precisa nos levar a ser servos, a saber, ou pelo menos tentar consolar quem sofre na alma, mas também no corpo. As circunstâncias históricas levaram a Igreja a procurar alternativas que tornassem possível esse serviço, assumindo formas que em outros tempos seriam surpreendentes, até inaceitáveis, mas também renunciando, pelo menos momentaneamente, ao que sempre foi feito", escreve Luis Miguel Modino, padre espanhol e missionário Fidei Donum.
Eu acho que isso nos confortaria, essas foram as palavras que uma amiga da minha família me disse quando, após a morte de sua mãe por coronavírus, ofereci a eles a possibilidade de realizar um funeral para sua mãe através do aplicativo zoom, que dá a oportunidade que os participantes se vejam e todos possam conversar.
Foi a primeira vez que usei esse instrumento para me comunicar, mas também para mostrar proximidade e conforto àqueles que viram como sua mãe, sogra e avó morreu sozinha e foi cremada na frieza com que milhares e milhares de pessoas estão recebendo seus último adeus nas últimas semanas.
A morte de alguém próximo sempre nos deixa com um sentimento de desamparo, aumentado ao extremo quando a distância física nos impede de estar ao seu lado nos últimos momentos de sua vida e no adeus final. O sentimento de ruptura é tão grande que procuramos algo que nos conforte, que nos ajude a continuar contemplando a vida com esperança, confiando, na medida em que temos fé, naquele Deus que sempre se importa conosco e que em Jesus Cristo nos promete um lugar em sua Casa.
Todos os dias eu celebro a Eucaristia através do Facebook, aberta a todos que desejam participar, mas é verdade que existe um grupo mais ou menos fixo que, religiosamente, está do outro lado da tela. Acredito que conseguimos ter um sentimento de Igreja, de comunidade que se concentra todos os dias para orar juntos. Não é a minha missa, é a Eucaristia da comunidade, onde muitos participam com suas respostas, intenções e pedidos, que aparecem passando na tela para que todos possam se sentir, nos sentirmos partícipes. Todos os dias, uma das pessoas que participa da celebração faz as leituras, gravadas e enviadas anteriormente para serem reproduzidas.
É o momento em que pedimos especialmente por muitas pessoas que estão passando por um momento difícil, por aqueles que estão doentes, isolados de todos em uma cama de hospital ou no quarto em casa, por aqueles que morreram e suas famílias, mas também por aqueles que sofrem por muitas outras razões, devido à fome, porque perderam ou podem perder o emprego, devido a problemas de depressão decorrentes de uma situação que está além deles. O importante é que sentimos que estamos fazendo isso como Igreja, como uma comunidade que na distância física se sente unida, talvez mais do que nunca, e engajada em uma oração comum.
Como Igreja e como pastores, estamos vivendo um tempo de grandes desafios, nos quais algumas tentações também estão presentes, o que pode até nos levar a acreditar que somos salvadores da pátria. O que devemos nos perguntar é até que ponto procuramos confortar quem sofre, ou simplesmente satisfazer uma obrigação, uma necessidade ou um gosto pessoal.
Ser sacerdote precisa nos levar a ser servos, a saber, ou pelo menos tentar consolar quem sofre na alma, mas também no corpo. As circunstâncias históricas levaram a Igreja a procurar alternativas que tornassem possível esse serviço, assumindo formas que em outros tempos seriam surpreendentes, até inaceitáveis, mas também renunciando, pelo menos momentaneamente, ao que sempre foi feito.
Voltando ao funeral, ouso dizer que, em circunstâncias semelhantes às que estamos vivendo, pode ser uma boa oportunidade de consolo, que sempre deve ser uma das missões fundamentais de todos os batizados, mas especialmente dos ministros ordenados. Foi uma celebração em que todos tiveram a oportunidade de orar; de fato, foi algo que vi e ouvi, onde havia a possibilidade de se ver, de participar, de agradecer a Deus pela vida de alguém que partiu e juntos orar ao Deus da misericórdia para recebê-la ao seu lado.
É verdade que eu fiz o funeral por causa da proximidade que me une àquela família, a quem eu teria acompanhado no mês passado no batismo de um neto, se as circunstâncias tivessem nos permitido. Já o ofereci a outras famílias nas últimas semanas e admito que o faria com quem me perguntasse, se isso ajudasse alguém a se sentir confortado.
Para aqueles que lutam tanto pela presença física na Igreja, por poderem celebrar pessoalmente os sacramentos, desta Amazônia, onde tantas comunidades são privadas deles, às vezes por um ano ou mais, digo que Deus sempre desafia-nos a buscar novos caminhos, a nos ajudar e a ajudar os outros, especialmente aqueles que sofrem, a ser consolados, confortados. As formas são secundárias, mas não podemos esquecer que tudo o que ajuda a confortar o sofrimento, seja no corpo ou na alma, é de Deus. Sim, daquele Deus que acima de tudo é bom e misericordioso para com todos.
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Um funeral por zoom: tudo que ajuda a confortar o sofrimento é de Deus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU