13 Março 2020
A redescoberta da autoridade do presente e do futuro para instituir plenamente a experiência da tradição me parece ser o maior ganho eclesial desses sete anos.
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma. O artigo foi publicado por Come Se Non, 12-03-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Às 20h11 desta sexta-feira, 13, terão passado sete anos desde aquela bendita noite de 13 de março, desde aquele evento inesperado que nunca poderemos esquecer. Um balanço do pontificado de Francisco, pelo que vimos até agora, nos compromete com um julgamento que deve tentar ir ao coração do evento.
Depois de ler o livro mais bonito que foi escrito até agora – Ghislain Lafont, “Piccolo saggio sul tempo di papa Francesco. Poliedro emergente e piramide rovesciata” [Pequeno ensaio sobre o tempo do Papa Francisco. Poliedro emergente e pirâmide invertida], EDB, 2017 – encontrei, no site Settimana News, a bela introdução que Marcello Neri escreveu para uma coletânea, que está sendo publicada para a ocasião, intitulada “Profezia di Francesco. Traiettorie di un pontificato” [Profecia de Francisco. Trajetórias de um pontificado], pela EDB.
Neste texto introdutório breve, mas denso, Neri diz algo de grande importância, e a partir da qual gostaria de começar para oferecer algumas considerações a mais.
Marcello Neri concentra a sua atenção naquilo que podemos identificar de específico nesses sete anos de pontificado. E expressa assim:
“Porque o ponto de ruptura em relação aos seus dois antecessores não está tanto, ou não apenas, na visão da Igreja, mas, acima de tudo, na consciência histórica do fim de alguns processos seculares e do início de outros que estão levando a transformações profundas da socialidade humana e da antropologia moderna.”
Isso implica inevitavelmente uma profunda mudança, que encontra em Francisco o seu início e que pode ser bem descrita com estas palavras:
“Em comparação com João Paulo II e Bento XVI, Francisco não pensa e não age mais como se a modernidade ainda existisse; e, portanto, começa a delinear uma visão da Igreja e do catolicismo coerente com a efetividade histórica dentro da qual eles projetam a sua fidelidade ao evangelho do Reino e à criação desejada por Deus. Fidelidade que não pode mais ser unívoca e uniforme, a mesma e idêntica onde quer que a fé se encontre sendo vivida no cotidiano dos homens e das mulheres de hoje.”
Tudo isso implica, como consequência, uma “reescritura” da tradição, uma tradição que renuncie a alguns dos “lugares comuns modernos”, que, depois de Trento, haviam se imposto a tal ponto que se identificaram com a própria essência da fé:
“A decisão de Francisco é exatamente esta: apoiar a saída da Igreja Católica da luta contra os moinhos de vento da modernidade, reativando, no coração institucional da Igreja, a dinâmica original da notícia evangélica de Deus. Por muito tempo, a condição histórica permitiu que o catolicismo latino (aquele que se espalhou por todo o mundo) construísse um aparato conceitual, institucional, canônico e pastoral que podia renunciar formalmente ao corpo a corpo cotidiano com as Escrituras testemunhais.”
Esse é o quadro de compreensão que M. Neri delineia como basilar no pontificado, pelo menos nos seus primeiros sete anos de exercício. Parece-me que se trata de uma análise muito lúcida e convincente, da qual faria derivar, quase como corolários, duas consequências bastante importantes: por um lado, a superação do “dispositivo de bloqueio” que havia caracterizado a época de João Paulo II e de Bento XVI; por outro, a afirmação de um “novo equilíbrio” entre magistério positivo e magistério negativo.
Para ser preciso, esclareço que utilizo as expressões “magistério negativo” e “magistério positivo” em sentido “técnico”: ou seja, como aquele magistério que consiste em “condenar proposições errôneas” ou em “definir proposições de fé”. O primeiro é “negativo” porque nega erros, o segundo é “positivo” porque faz proposições de verdade.
O primeiro aspecto do magistério de Francisco que é bom enfatizar é o fato de que, desde o início, ele se move em vista da recuperação urgente de um conceito “dinâmico” de tradição. Muitas das expressões mais características da Evangelii gaudium, ainda em 2013, derivam precisamente dessa leitura “não estática” da tradição.
Nessa intenção, Francisco não faz nada mais do que retomar a grande intuição do Concílio Vaticano II, que, ainda no fim do papado de Paulo VI, mas principalmente durante os pontificados de João Paulo II e Bento XVI, havia sofrido um drástico redimensionamento, até encontrar, indiretamente, a sua negação na implícita teorização de um “dispositivo de bloqueio” mediante o qual a Igreja só podia encontrar a tradição no seu passado, despojando-se de toda autoridade sobre o novo.
A redescoberta da autoridade do presente e do futuro para instituir plenamente a experiência da tradição me parece ser o maior ganho eclesial desses sete anos. A relevância do tempo sobre o espaço e da realidade sobre a ideia – de acordo com dois dos famosos princípios introduzidos pela Evangelii gaudium – são a tradução mais clara dessa perspectiva, precisamente, que reage com autoridade contra a tendência à espacialização e à idealização da tradição.
A resistência e a oposição a Francisco ao longo desses sete anos podem ser compreendidas como a inércia de uma visão da Igreja em que o “controle do espaço” exclui a relevância do tempo e em que a “defesa da ideia” imuniza da realidade. O fato de ter dado uma nova evidência aos “sinais dos tempos” e à “força do real” no anúncio do Evangelho é o primeiro dado qualificador do exercício do magistério desses sete anos.
O segundo aspecto que gostaria de destacar e que está conectado com o primeiro implica uma reavaliação da “forma magisterial”. Para entender bem, é preciso uma premissa.
Ao longo da história, o exercício do “magistério pontifício” foi caracterizado pela predominância de um “magistério negativo” sobre o “magistério positivo”, de acordo com o significado dos termos que já esclareci acima. De fato, foram poucas as “formulações dogmáticas”, mas muito numerosas as “condenações”. E isso não era apenas um limite do exercício clássico do magistério. Um magistério que “condena proposições” condena apenas estas. Nada mais. Deixa um espaço de liberdade muito grande. Até o Concílio Vaticano I, assim se moveu o magistério.
Com os dois Concílios Vaticanos, as coisas mudam radicalmente, até a emergência, com o Vaticano II e depois dele, de uma predominância absoluta do magistério positivo sobre o magistério negativo. De fato, um dos fenômenos mais interessantes, a partir dos anos 1960, é a progressiva extensão da competência positiva do magistério, que se torna até “invasivo”. E esse não é um fenômeno desprovido de limites.
Poderíamos dizer que, paradoxalmente, a extensão do magistério positivo não é apenas um fato positivo. Porque isso modifica profundamente as lógicas eclesiais, determinando uma relevância desproporcional do magistério pontifício em relação às outras formas de exercício de autoridade eclesial. E é, no fundo, a sombra longa da lógica ordenamental imposta pelo Código de Direito Canônico de 1917, assim como em 1983.
Criou-se, assim, depois do Vaticano II e até Bento XVI, um “sistema” em que o magistério papal absorvia em si toda a autoridade, até se definir não apenas positivamente, mas também negativamente: onde não se reconhecia autoridade, não havia outra autoridade.
Com Francisco, mudam ambos os fronts dessa composição institucional e ideal. Por um lado, de fato, o magistério positivo de Francisco é interpretado com nova liberdade, tanto linguística quanto institucional. É evento linguístico e evento experiencial.
Por outro lado, ele assume o elemento “negativo” não mais em termos de “condenação de proposições errôneas” (de acordo com a solução clássica), mas nem mesmo em termos de “exclusão de autoridade” (de acordo com a solução predominante no pós-Concílio), mas como que se referindo a “outras entidades” (e isso parece ser evidente – e, por isso, embaraçoso – especialmente na Amoris laetitia e na “Querida Amazônia”).
Um “magistério papal” que “não deve resolver todas as questões” é uma leitura “clássica” da função magisterial, que reconhece seu próprio limite, ao qual, porém, não estávamos acostumados há pelo menos dois séculos. Parece-nos uma revolução, ou uma subversão, somente porque somos todos cristãos e católicos de memória curta.
Assim, eu poderia dizer que, ao longo desses sete anos cujo aniversário ocorre nesta sexta-feira, conhecemos gradualmente uma forma nova e antiga de exercício do magistério papal, que está se renovando tanto do ponto de vista do exercício do “magistério positivo”, quanto do ponto de vista do exercício do “magistério negativo”.
Não é de se surpreender que essas novidades não apenas deixem o corpo eclesial com algum constrangimento, mas também encontrem uma objetiva dificuldade de serem elaboradas de modo plenamente eficaz. No entanto, é preciso reconhecer com gratidão que o horizonte está aberto, a linguagem está inaugurada, os gestos são fortes e bonitos, e os princípios de implementação não faltam.
Esses sete anos foram não apenas “o início de um início”, mas também, e talvez ainda mais, um “ponto de não retorno”. Com o qual podemos nos alegrar. Mesmo que, imediatamente, esse “início” crie para todos apenas uma complicação, por mais maravilhosa que seja.
De fato, ela implica a reavaliação de um aparato conceitual, institucional, canônico e pastoral, ao qual nos dedicaremos – começando por nós mesmos até os nossos bisnetos – por pelo menos um século.
Esses sete anos de graça têm o dedo apontado para pelo menos quatro gerações vindouras: assim funciona o primado do tempo sobre o espaço.
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Sete anos de Francisco: novo magistério, positivo e negativo. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU