06 Março 2020
As mobilizações de jovens pelo clima realizadas em 2019, em todo o mundo, deram um forte impulso na difusão da emergência climática. Jovens e crianças se juntaram às vozes de alarma que nós, ecologistas, ecoamos há anos. Entrevistamos Icíar Revilla, ativista do Fridays For Future.
O ano de 2019 se tornou o ano de Greta Thunberg e dos protestos ecologistas de uma juventude que se identifica como a geração “herdeira do colapso”.
A mensagem que lançam é de alerta sobre um futuro incerto e o crucial impacto das ações do presente no meio ambiente. Essa mensagem de preocupação com o mundo do amanhã adquiriu rapidamente uma dimensão global e os protestos conseguiram se sincronizar em diferentes partes do planeta. Como resultado, durante 2019, em apenas um ano foram convocadas quatro jornadas de greve em escala mundial, acompanhadas de manifestações que se tornaram multitudinárias.
Fridays For Future, também conhecida como Juventude pelo Clima, é uma das organizações que convocaram esses protestos e que mais impulsionaram o ativismo juvenil. Este movimento começou no verão de 2018, na Suécia, quando a jovem Greta Thunberg decidiu sentar-se em frente ao parlamento, todas as sextas-feiras, para protestar contra a falta de ação diante da crise climática. Desde então, o movimento se expandiu como pólvora, contando atualmente com delegações em mais de 1.572 cidades do mundo.
Com um ano e meio de existência, já possui, entre outros, um prêmio “Campeões da Terra” da ONU e um prêmio de “Embaixadora da Consciência” da Anistia Internacional à sua fundadora, Greta Thunberg. Também aderiram à campanha By2020weriseup, uma coalizão internacional de movimentos ambientais que se prepara para um ano de mobilização e reivindicam que sejam cumpridas as promessas do Acordo de Paris. Em vista da influência que estão exercendo nos meios de comunicação e à espera de futuros protestos previstos pela campanha By 2020 we rise up, conversamos com uma das ativistas do movimento em Madri, Icíar Revilla.
Icíar Revilla tem 18 anos e é ativista do Fridays For Future em Madri e responsável pelo Escritório de Ecologia, no Instituto Ramiro de Maeztu.
A entrevista é de Marta Portela, publicada por Rebelión, 04-03-2020. A tradução é do Cepat.
Como começou o movimento Fridays For Future em nosso país [Espanha]?
Chegou na Espanha através de Girona, conforme o movimento ia se expandindo pelo restante da Europa. Em Madri, chegou em 28 de fevereiro e em coisa de quinze dias montamos a primeira grande greve. Lembro-me que na primeira reunião havia cem pessoas ansiosas por fazer algo, por criar. Praticamente não cabíamos. A partir daí, foi sendo montada toda a estrutura, com reuniões periódicas locais, nacionais e internacionais, agrupando as propostas e sincronizando as ações com os distintos países. É claro que existem diferenças entre os grupos, mas todos compartilhamos a busca por justiça ecossocial, a de escuta ativa da ciência e da consciência da necessidade imediata de uma mudança no modelo socioeconômico.
Em sua opinião, quais foram suas maiores conquistas nesses meses?
Estamos muito orgulhosas de ter realizado uma Iniciativa de Cidadania Europeia (ICE) para exigir por lei, de maneira vinculante, quatro pontos relacionados ao cumprimento dos limites do Acordo de Paris. Trata-se de um conjunto de assinaturas que, se atingir um milhão de pessoas, poderá entrar à força na agenda da Comissão Europeia e terá que ser abordada. Foi uma conquista e estamos superando o primeiro meio milhão de assinaturas.
Além disso, o fato de muitas campanhas utilizarem nossa imagem para “tornarem-se verde” acho que ajudou a tornar visível o movimento ambiental. Ser verde está na moda e, embora a finalidade não seja essas campanhas, estão divulgando a mensagem e a consciência social.
E, no final, estamos muito felizes com a maneira como as coisas estão sendo feitas. Com uma história tão breve, elaboramos muitas ações e estamos trabalhando duro para o próximo ano, lado a lado com outros grupos, na rede By2020weriseup.
Como impactou em sua vida esse ano tão intenso?
Foi claramente um ponto de inflexão na minha vida. Encontrei espaços para compartilhar, criar e ser capaz de pensar coletivamente. Esses espaços se tornaram fundamentais.
Também tenho transferido coisas dos espaços de assembleias para minha vida pessoal e acho que isso melhorou todas as minhas relações. As assembleias estão cheias de protocolos de cuidado e respeito, levando em consideração os outros, e a transferência para outros contextos é muito rica e torna as relações mais saudáveis.
Em relação à consciência ecológica, vejo que, aos poucos, há mudanças no meu ambiente, talvez por causa do que estou dizendo, do que é lido e do que é visto. Já há mudanças e isso dá esperança.
Ressalta-se muito a diferença geracional. O que há de tão especial em sua geração?
É que somos a geração a qual caberá tudo! Crescemos com a ideia de que o futuro será muito tecnológico e deteriorado. Crescemos pensando que viveremos as mudanças para pior e, a menos que tudo mude, assim será. As previsões apontam para 2030 números aterradores de calor, de incêndios, de secas... e 2030 será quando teremos 30 anos, a flor da vida, e isso será apenas o começo.
Ainda que, por outro lado, sejam os meios de comunicação que estão centrados em reforçar a ideia de nossa preocupação com o futuro que “nos tiraram”. O debate, ao menos em Madri, está em outra parte, está na atualidade, porque a mudança climática já está acontecendo.
Provavelmente não atinja de cheio a nossos avós, mas que tenhamos um futuro catastrófico ou não está em nossas mãos. São as ações de todas as pessoas do presente, independentemente da geração à qual pertencem, que podem mudar as coisas.
O feminismo faz parte de suas reivindicações?
Claro! O feminismo e o ecofeminismo são uma maneira de entender, de forma transversal, tanto o problema quanto a solução.
Do mesmo modo que o patriarcado invisibiliza a tarefa de cuidados - um processo fundamental para a manutenção da vida realizado pelas mulheres -, o capitalismo torna invisível a nossa dependência do meio ambiente, da natureza, fazendo-nos acreditar que não precisamos dela, e não nos permite apreciar nem o seu valor, nem a nossa vulnerabilidade. Para poder enfrentar a crise climática, é preciso mudar esse sistema e é preciso colocar a vida no centro.
Pessoalmente, também acredito que é essencial que esses tipos de pensamentos se ajustem à maneira como atuam os movimentos. No grupo de Madri, iniciamos uma comissão de cuidado e autoanálises, que leva em consideração a importância do tratamento, do respeito e dos tempos nas dinâmicas internas. O que queremos aplicar à sociedade, devemos aplicar a nós mesmas.
Como encara a perspectiva do futuro catastrófico? Você é otimista?
Digamos que temos a responsabilidade de garantir que esse futuro não seja uma catástrofe. Já que sabemos tanto sobre a crise climática e sobre o que virá sobre nós, temos a responsabilidade de expandir a mensagem.
Embora as pessoas não estejam preparadas, a mudança climática está acontecendo. Nesse exato momento, o mundo todo deveria estar muito mais alerta do que estamos. Esse deveria ser o momento de nos reunirmos, pensarmos opções e escutarmos os especialistas.
Sim ou sim, haverá uma mudança no nosso modo de vida, queiramos ou não. Nossa demanda energética está acima dos recursos naturais e em breve estes não serão suficientes para satisfazê-la. É nosso trabalho que a alternativa que surja, quando isso acontecer, seja construída sobre uma base ecofeminista.
A crise climática nos dá a oportunidade de mudar as coisas, de desmantelar os eixos da opressão e construir um novo modelo social de acordo com a vida em todos os seus aspectos.
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“Minha geração vai sofrer em cheio a mudança climática”. Entrevista com Icíar Revilla - Instituto Humanitas Unisinos - IHU