19 Fevereiro 2020
Com a nomeação como ministro da Casa Civil do general Walter Souza Braga Netto, em substituição a Onyx Lorenzoni, o presidente Jair Bolsonaro chega ao ápice de um projeto iniciado há 14 meses, mas que circulava em sua cabeça há alguns anos: a militarização inabalável do poder executivo no Brasil.
A reportagem é de Victor David López, publicada por Público, 18-02-2020. A tradução é do Cepat.
Entre os vinte e dois ministros e o vice-presidente, são listados até nove oficiais militares de alto escalão. Quase 40%, incluindo os quatro que ocupam junto com ele o Palácio do Planalto, sede central do governo, em Brasília. E isso sem contar as dezenas de conselheiros reunidos em cada ministério.
A tomada de decisão do governo brasileiro passa inevitavelmente por esse núcleo ao qual acaba de se juntar Braga Netto: o vice-presidente, general Hamilton Mourão, Defesa, general Fernando Azevedo, Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, que substituiu o general Santos Cruz, Secretaria Geral da Presidência, o major da Polícia Militar Jorge Oliveira, Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque, Infraestrutura, capitão Tarcísio Gomes de Freitas, e Ciência e Tecnologia, tenente-coronel Marcos Pontes.
Braga Netto toma posse nesta terça-feira, 18 de fevereiro, e Bolsonaro, que entrou na reserva como capitão, comemorou comentando em uma visita de estudantes no Palácio do Planalto que o terceiro piso já “estava completamente militarizado”. Sendo assim, 100% dos ministérios que o rodeiam no principal centro de operações - Casa Civil, Gabinete de Segurança Institucional, Secretaria de Governo e Secretaria Geral - são liderados por oficiais de alto escalão do Exército.
O vice-presidente Mourão, a cabeça pensante de toda a rede militar, tratou o assunto com maior delicadeza. “Essa é uma preocupação que temos desde o início de nosso governo”, reconheceu o general. “Devemos deixar claro que as Forças Armadas continuam do lado de fora, apesar de contarmos com a presença de elementos do meio militar. As Forças Armadas estão fora, nas mãos de seus comandantes”.
O general Braga Netto, que provém da Chefia do Estado Maior do Exército, é amplamente conhecido no Brasil por ter sido anteriormente o comandante do Comando Militar do Leste, o grupo que liderou a intervenção federal na segurança pública no estado do Rio de Janeiro, de fevereiro a dezembro de 2018, sob o governo de Michel Temer.
A intervenção federal comandada por Braga Netto foi vendida como um êxito por parte das Forças Armadas e pelos espectros mais conservadores do país, no entanto, o Observatório da Intervenção, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), da Universidade Cândido Mendes, publicou um relatório final devastador. “É impossível falar em êxito”, aponta o documento, “nas favelas e regiões periféricas devido ao altíssimo número de pessoas mortas pela ação policial, pelo aumento exponencial no número de tiroteios e pelo fato de que os interventores não tenham conseguido priorizar a proteção à vida, repetindo erros históricos”.
Os dados do relatório explicam claramente no que consistiu a estratégia de Braga Netto. Das mais de 6.000 mortes violentas ocorridas no Rio, durante os 10 meses de intervenção federal, em 2018, 22,7% foram causadas por policiais e militares. No restante do país, a média foi de 8,1%, no ano anterior. “Foram 1.375 mortos de fevereiro a dezembro, valor 33,6% maior do que registrado no mesmo período do ano anterior”.
Além das cruas estatísticas, o Comando Militar do Leste, do novo ministro de Bolsonaro, está sendo investigado pelo chamado caso da Sala Vermelha: sete denúncias de tortura em dependências do Exército brasileiro, na Vila Militar de Deodoro, no mencionado período de intervenção federal.
Essa realidade, que em outros lugares causaria impacto, indignação e, ao menos, alguma controvérsia, no Brasil causa, no máximo, piadas. O país vive no limite e esse limite inclui um alto grau de admiração pelas Forças Armadas, as mesmas que impuseram sua mão dura no Governo, com o golpe de Estado de 1964 até 1985. A ditadura militar terminou quando a população pressionou mais e melhor, mas foi gerida exatamente como o Exército desejou, incluindo a Lei de Anistia. Ninguém foi julgado.
Hoje, os brasileiros consideram as Forças Armadas a instituição mais confiável de todas. Segundo a última pesquisa publicada pelo Instituto Datafolha, há dez meses, 45% dos entrevistados confiavam muito nas Forças Armadas e outros 35% confiavam um pouco. Ninguém faz sombra sobre eles em termos de simpatia dos cidadãos, nem a equipe ministerial, nem a Câmara dos Deputados, nem o Senado Federal, nem o Poder Judiciário. Os brasileiros preferem os militares ao invés dos meios de comunicação, e muito antes que o Supremo Tribunal Federal. Jair Bolsonaro sabe disso. Pode não se dar bem com a Câmara dos Deputados e com o Senado da República como gostaria, mas sabe perfeitamente a direção que deve tomar em um voo adiante.
As pesquisas também apontam que, após uma crise em meados do ano passado, os índices de popularidade de Bolsonaro recuperam certa força. Tem uma avaliação positiva (muito boa e boa) de 34,5%, uma avaliação regular de 32,1% e uma avaliação negativa (ruim e muito ruim) de 31%, segundo dados publicados pelo MDA Pesquisa. Apesar das polêmicas e das dezenas de medidas antissociais de sua política de extrema direita, seus seguidores o acompanham em cada movimento e valorizam os três pilares sobre os quais anunciou que iria construir seu mandato: o combate à corrupção (com 30,1% da avaliação), a economia (22,1%) e a segurança (22%), são as áreas que mais agradam os cidadãos.
O presidente brasileiro aproveitou o fim de semana para tomar um banho de massa em um megaevento neopentecostal na praia de Botafogo (Rio de Janeiro). Diante de mais de 100.000 fiéis da Igreja Internacional da Graça de Deus, e cuidando como somente ele é capaz de fazer desse outro gigantesco nicho de votos, Bolsonaro mostrou sua boa sintonia com Marcelo Crivella, prefeito do Rio, candidato à reeleição nas eleições municipais do próximo outubro, e pastor evangélico.
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Bolsonaro chega ao ápice da militarização do Executivo brasileiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU