24 Janeiro 2020
"A morte do filósofo Emanuele Severino tem um caráter particular: de fato, ele frequentemente falava sobre o morrer e refutava o fundamento", escreve o teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Justina, em Pádua, em artigo publicado por Come Se Non, 22-01-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
A morte do filósofo Emanuele Severino tem um caráter particular: de fato, ele frequentemente falava sobre o morrer e refutava o fundamento. O nada é contraditório, para Severino. Tudo o que é, é para sempre. Perante o seu desaparecimento, que nos toca profundamente, encontrei este texto, que apareceu no famoso, ou famigerado, Contra Severino, escrito por E. Salmann em 1996, com a minha contribuição de uma "II Parte", que também incluía este diálogo (179-183), onde a morte é o tema.
"... parece que o aparecimento desse corpo (seu inserir-se no aparecer) primeiro aparece e depois não aparece" (E. Severino, Essenza del Niilismo, 94)
A Filosofia: Há algum tempo, eu tinha a intenção de te propor uma série de perguntas de vital importância. Finalmente te encontro e se tiveres um minuto para me ouvir ...
A Teologia: Estou com pressa, cara colega. Se prometeres não te delongar em demasia, posso parar por um instante ...
A Filosofia: (mais absorta) Mas tu nunca tens tempo! A tua responsabilidade não te deixa livre para ser quem tu és e te impele a ser sempre o que deves ser!
A Morte (à parte, sem ser vista e ouvida): Começas bem, minha amiga! Vamos lá, continues, vamos nos divertir!
A Teologia: Minha cara "acompanhante" filosófica, venceste. Me contes tudo, te escuto.
A Filosofia: O problema é justamente esse. Por que estás sempre com pressa? Por que sempre tens um propósito, uma meta, um fim, um objetivo?
A Teologia: tento fazer da minha vida um dom e as expectativas inevitavelmente são muitas.
A Filosofia: Mas tu mesma crias essas expectativas, que depois persegues ao longo do dia todo, da vida toda.
A Teologia: Sim, também é isso. As disponibilidades criam expectativas.
A Morte (sempre de si para si): Oh, bem, começamos a calibrar o tiro.
A Filosofia: Na realidade, se tu não estivesses disponível, nem mesmo os outros sentiriam necessidade de ti.
A Teologia: Assim exageras, como sempre. Não sou eu quem cria a necessidade: estou apenas tentando responder a uma pergunta.
A Filosofia: Não, ao responder tu crias tal pergunta que nunca teria sido feita.
A Teologia: Penses como quiseres, agora eu tenho que ir.
A Filosofia: Não, mais um minuto e eu chego ao ponto. Tu estás disponível apenas porque na verdade desprezas a todos.
A Teologia: Quando tiveste essa ideia brilhante?
A Filosofia: Primeiro não querias parar, agora fazes ironia?
A Teologia: Eu só quero entender aonde queres chegar.
A Filosofia: A te fazer entender que com a tua palavra envenenas um mundo que seria belo, brilhante e claro por si mesmo.
A Morte (de si para si): Eu gosto deste mundo, e como!
A Teologia: Só porque ajudo a superar o medo da morte e confiar no amor, eu seria culpada desses delitos?
A Filosofia: Isso mesmo: tu queres derrotar o que não existe. Os homens têm medo apenas do que tu lhes colocas na cabeça. Se, ao contrário, estivessem convencidos de que são o que são, então tudo seria diferente ...
A Teologia: Devagar, devagar. Tu estás dizendo que eu os convenço de coisas falsas. Por acaso é falso que o homem sofre e está destinado a morrer?
A Filosofia: Não há nada de mais falso: o homem é eterno e não precisa de um Deus para ser feliz.
A Teologia: Então, se é eterno, a morte não existe?
A Filosofia: Não. A morte não existe.
A Morte (entrando de supetão): Ei, amiga, até que simpatizo contigo, mas agora me parece que estás exagerando.
A Filosofia: Quem és tu e de onde saíste com essa cara?
A Morte: Bem, vai ser difícil te contar assim, de forma simples. Mas lá vai, sou exatamente aquela que tu consideras inexistente.
A Filosofia: Então, finalmente, te vejo, morte minha!
A Teologia: Por que não olhas para mim quando falas? E por que me chamas de "morte minha"?
A Filosofia (se dirigindo à, sussurrando): Por que ela não te vê?
A Morte: Porque é para ela que eu estou aqui.
A Filosofia: Para ela? E eu? O que eu tenho a ver contigo?
A Morte: Tu me negas e eu te apareço. Serve como explicação? Mas agora cuides dela, enquanto puderes. Quanto a mim, sou um não aparente que aparece: eu realmente gosto desse apelido!
A Teologia: Primeiro me paras e agora falas sozinha? Deixa-me ir.
A Filosofia: Para onde corres, aonde vais. Pare um pouco mais comigo. O que eu estava dizendo?
A Teologia: Que a morte não existe, que somos eternos e que sou uma infeliz que acabará perdendo o trem.
A Filosofia: Ouve-me, o nosso encontro me fez refletir. Talvez não seja exatamente como eu pensava.
A Teologia: Uau! De repente mudaste de ideia?
A Filosofia (vendo a morte se aproximar da teologia): Ajoelha-te e reza.
A Teologia (a morte está atrás dela, a poucos centímetros): Mas o que está acontecendo? Agora chega, eu realmente tenho que ir. Estão me esperando na escola, depois tenho que ir visitar um idoso, e também tenho a missa ...
A Filosofia: Há algo de comovente e de ridículo nisso tudo. Eu vejo o que não aparece e tu acreditas no que não vês.
A Teologia: Está difícil acompanhar tua conversa, mas continues, por favor, ainda tenho um minuto.
A Filosofia (vendo que a morte quase está pegando a teologia): O que tu acreditas, afinal, não é diferente do que a mim não parece, pelo menos como norma.
A Teologia: Mas por que agora paraste de me insultar? Por que não me falas mais que são meus discursos que criam o que não existe?
A Filosofia: Adeus, amiga, agora tenho que ir.
A Teologia: Ah, agora és tu que estás com pressa: para onde vais correndo?
A Morte (entre si): Deixes que vá, agora que entendeu tudo ...
A Filosofia: Agradeço, amiga, te agradeço sinceramente.
A Teologia: A vida é estranha, e tu também, mas agora eu realmente tenho que ir ...
A Filosofia: Minha amiga, tu que te consideravas finita és eterna e eu que pensava ser eterna sou finita.
A Morte (para a filosofia, com dureza): Esta está morta, mas tu mudaste. Eu gostava mais de ti antes.
A Filosofia: Certamente, antes, negando o nada, eu afirmava a tua vitória. Agora, afirmando o nada, tirei teu cetro.
A Morte: Eu gostava dessa estranha eternidade em que se morre desaparecendo.
A Filosofia: Eu gostava daquela estranha morte que não tocava a eternidade. Mas agora te conheci e não posso mais te esquecer.
A Morte: Adeus: agora finalmente serás capaz de amor. Sorte tua.
A Filosofia: Adeus, reveladora da miséria humana. Eu não sou um deus. Isso já é alguma coisa.
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Emanuele Severino e a morte: um diálogo de 25 anos atrás - Instituto Humanitas Unisinos - IHU