14 Janeiro 2020
Aqui não vou chamá-lo de Bento. E menos ainda de Bento XVI. Bento XVI (pela graça de Deus, Papa da Igreja Universal desde 2005), porque Bento XVI não existe desde 28 de fevereiro de 2013, quase sete anos atrás.
Bento XVI pode ser citado pelo que escreveu e disse durante aquele período, como é feito com seus predecessores falecidos.
Tendo assinado um livro a quatro mãos com o cardeal Sarah, com o nome de Bento XVI, em que o chamado papa emérito coloca "um chega" sobre o assunto do celibato dos padres, justamente quando está prestes a ser publicada a Exortação Apostólica pós-sinodal da Amazônia do Papa Francisco (em que uma das opções propostas é a ordenação de homens casados para celebrar os sacramentos em áreas com carência de padres por milhares de quilômetros), é uma entrada faltosa, uma falta para expulsão em termos futebolísticos, de Ratzinger.
A reportagem é de Maria Antonietta Calabrò, publicada por Huffington Post Italia, 13-01-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma falta para cartão vermelho, prejudicial não tanto para o Papa Francisco, mas para a própria autoridade do sucessor de Pedro (para quem acredita e Ratzinger deveria acreditar), porque Francisco (gostando ou não) não foi escolhido apenas pelos "senhores cardeais", mas digamos in primis pelo Espírito Santo (sempre para quem acredita).
O mais grave é que a iniciativa editorial da Ignatius Press (lançada ontem pelo "Le Figaro") - além do conteúdo e da tese defendida - gera aquilo que o filósofo Wittgenstein chamaria de "uma armadilha da linguagem" prejudicial para todos, crentes e não crentes. E com essa armadilha do nome (o nome que o então cardeal Ratzinger escolheu quando foi eleito Papa Bento XVI) alimenta a percepção da existência de dois papas, de duas autoridades e acaba relativizando ainda mais a fé, especialmente a popular, sobre argumentos que dizem respeito diretamente à disciplina da religião católica. Mais ainda, na iminência de uma intervenção papal (seja qual for, quem quer que seja o Papa, é bom ressaltar). Caso contrário, recai-se ainda mais na ficção: aquela da série da Sky, de Pio XIII em coma, de Francisco II envenenado e do futuro "new Pope".
Não é, na minha opinião, nem mesmo questão de argumentar que o novo livro mina a própria instituição como se o Papa fosse a Coroa inglesa (paralelo com a série The Crown da Netflix, eficaz, mas puramente inimaginável conforme Massimo Faggioli postou no twitter). E, portanto, todos devem permanecer alinhados com o pontífice reinante, para evitar trazer as rachaduras à tona. Não se trata de nada disso.
Teria sido melhor para Ratzinger seguir os ditames de outra famosa proposição de Wittgenstein: "Sobre algo do que não se pode falar, é melhor calar".
"Não posso calar" – ao contrário escreveu Ratzinger no livro - citando Sant'Agostino. Talvez ele esteja certo, mas isso vale precisamente para o alto eclesiástico sobrevivente (eu uso o termo como se usa para sobreviventes dos abusos do clero) ao papado, no caso Joseph Ratzinger e não para Bento XVI. Mas talvez o livro tivesse muito menos appeal (para hoje e para o futuro Conclave) e venderia menos.
"A filosofia" - e podemos acrescentar a sabedoria - "deve servir para ajudar a mosca a sair da garrafa", escreveu Wittgenstein (que, em comum com Ratzinger, tinha grande admiração pelas Confissões de Santo Agostinho). E para não a tampar lá dentro.
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O ataque de Ratzinger e a armadilha da linguagem - Instituto Humanitas Unisinos - IHU