07 Outubro 2019
Assim como ocorreu na elaboração de sua encíclica Laudato si’, o papa Francisco voltou a recorrer à ciência para entender os riscos atuais à Amazônia. No sínodo que começa neste domingo, 6, pesquisadores brasileiros e estrangeiros estarão lá, entre religiosos, para ajudar a elaborar o texto final que vai sair do encontro. Com o tema Amazônia: Novos Caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral, o sínodo deve trazer um posicionamento forte contra a destruição da floresta, mas também pode sugerir soluções com base no melhor conhecimento científico.
A entrevista é de Giovana Girardi, publicada por O Estado de S. Paulo, 06-10-2019.
Um dos principais climatologistas do País, Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), está no grupo de 12 convidados especiais que terão direito a fazer um pronunciamento de quatro minutos, na abertura.
“O sínodo é um momento propício para não só discutir os riscos, não só revelar a pressão que as populações e floresta vêm sofrendo, mas também passar para o terreno das soluções.” Em entrevista ao Estado, ele discute como a religião pode se tornar uma aliada da ciência na defesa de uma Amazônia preservada e desenvolvida.
Como será sua participação no sínodo?
Fui chamado dentro de um grupo de convidados especiais, que tem 12 pessoas, e cada uma terá o direito de fazer um pronunciamento, de quatro minutos. Neste grupo estão (o ex-secretário geral da ONU) Ban Ki-Moon, o (economista americano) Jeffrey Sachs (da Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da ONU). Essa será a minha participação oficial, mas vou ficar por um semana à disposição.
Qual é a mensagem que o senhor vai passar?
Em um primeiro momento minha intenção era falar dos riscos à Amazônia, mas eu fui um dos revisores do documento preparatório do sínodo e lá já está essa identificação do que está acontecendo, a alta do desmatamento, os riscos para o clima, e os organizadores não queriam que eu repetisse isso, mas lançasse alguma ideia nova. Então eu levo a defesa de que o potencial que existe na floresta, que é a biodiversidade, e o conhecimento das populações tradicionais podem levar a uma nova revolução na economia: uma bioeconomia da floresta em pé. Existe um enorme potencial de usar as tecnologias modernas para isso e desenvolver um novo paradigma que garanta que a floresta vale mais em pé que derrubada. Falo das tecnologias modernas que se tornaram acessíveis, amigáveis para as cadeias de produtos da floresta. E mostro o sentido de urgência que precisa pautar essa discussão. O futuro da Amazônia, das pessoas que vivem lá, depende de abandonarmos o modelo atual que destrói a floresta.
Como essa união da ciência com a religião pode ajudar a lidar com os problemas da região? É uma abordagem que pode ajudar na concepção de um desenvolvimento sustentável?
A igreja, não só a católica, mas também a evangélica, tem uma penetração muito grande na Amazônia, no seio da sociedade, na vida das pessoas da região que, em sua maioria, vivem na pobreza. Um grande potencial inexplorado é a biodiversidade. O fato de a igreja ao menos querem ouvir esse tipo de proposta é positivo. O Brasil quer ser um país de classe média. Como pode conseguir isso? Com a industrialização e com o que temos em abundância, que é a biodiversidade. Vamos juntar isso. Minha intenção é mostrar que podemos inovar, criar uma economia de floresta em pé com altas tecnologias, que podem empoderar a população local em um modelo bioindustrial descentralizado. Já há muitas décadas a igreja defende o direito das populações tradicionais, principalmente as indígenas. O documento que é a base do sínodo mostra um grande respeito pelos valores das populações tradicionais. O sínodo é um momento propício para não só discutir os riscos, não só revelar a pressão que as populações e floresta vêm sofrendo, mas também passar para o terreno das soluções. O papa critica muito o modelo de tecnocracia, em que a tecnologia torna os sistemas econômicos e as pessoas escravas. A nossa proposta é que as populações tradicionais possam ser libertadas por novas tecnologias ao conseguirem extrair valor econômico daquilo que já tem valor cultural para eles.
Que tipo de impacto o senhor espera que o sínodo possa trazer para o momento crítico atual da Amazônia?
Acho que nem o papa Francisco, quando decidiu fazer o sínodo após visitar o Peru e Bolívia, conseguiria imaginar que estaríamos hoje vendo esse recrudescimento do desmatamento e das queimadas em toda a Amazônia e, no caso do Brasil, um discurso político de desrespeito ao direitos e à vontade da maioria dos povos indígenas. Por tudo isso é um momento muito importante. Uma das razões da existência do sínodo é a avassaladora dominância do modelo de substituição da floresta acompanhado da diminuição dos direitos da populações tradicionais. Tira-se a floresta e quem vive da e na floresta. Nesse momento em que a política atual compartilha a visão que floresta não tem valor e que os valores dos povos da floresta não devem ser mantidos, mas integrados aos valores do povos sem floresta, a importância se torna ainda maior.
Há quatro anos, quando o papa lançou a encíclica Laudato si’, muitos cientistas que trabalham com mudanças climáticas receberam o texto com a esperança de que uma mensagem vinda do maior líder espiritual do mundo poderia ajudar a trazer um senso de moralidade para a questão. Ir além da ciência e mostrar que há um imperativo moral em combater as mudanças climáticas. Passados quatro anos, o senhor acha que isso fez diferença?
Acho que a Laudato si’, ainda que seja um texto religioso, extrapolou sua mensagem para além dos fiéis católicos aos trazer a visão da “nossa casa comum”. Acho que sim, fez diferença. A nossa capacidade de comunicar o risco é limitada. Mesmo com todos os relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), mesmo com toda a cobertura da impressa sobre os riscos, sobre o papel das atividades humanas, as emissões de gases de efeito estufa (responsáveis pelo aquecimento global), continuam aumentando. Um setor com tamanha penetração na sociedade, que traga, além da preocupação com a qualidade de vida, mas também com o lado espiritual, é um aliado muito importante.
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‘Sínodo é um momento propício para soluções’, diz climatologista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU