07 Outubro 2019
O Papa Francisco ordenou Michael Czerny, SJ bispo no dia 4 de outubro, e colocará o barrete vermelho cardinalício sobre a sua cabeça no dia seguinte, dando-lhe o direito de votar no conclave para eleger o sucessor do papa. Enquanto ele se preparava para a sua elevação às fileiras da liderança da Igreja Católica, o jesuíta canadense falou à revista America sobre como ele interpreta esses eventos, o que mais o impressiona no Papa Francisco e quais são, segundo ele, os três principais desafios que a Igreja enfrenta atualmente.
A reportagem é de Gerard O’Connell, publicada por America, 03-10-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quando o Papa Francisco surpreendeu a todos em Roma, no dia 1º de setembro, ao anunciar que ele criaria cardeal o Pe. Czerny – ninguém havia antecipado a sua indicação –, esse jesuíta alto e esbelto de 73 anos estava no Brasil, na Escola Nacional Florestan Fernandes, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, nos arredores de São Paulo. Ele estava participando de um encontro de movimentos populares da América Latina, em preparação para o próximo Sínodo da Amazônia.
O Pe. Czerny ficou totalmente surpreso com o anúncio – ele não tinha nem ideia do que estava por vir –, mas recebeu a notícia humildemente: “Eu agradeço a Deus e agradeço ao Papa Francisco por essa nova missão, esse novo serviço, essa grande honra”, disse ele.
Quando a Rádio Vaticano entrou em contato com ele, ele revelou que os participantes do encontro “acolheram a notícia e, em certo sentido, também me ajudaram a acolher a notícia. Eles receberam a notícia da minha indicação e a do arcebispo Matteo Zuppi, de Bolonha, que é muito próximo dos movimentos populares e dos povos marginalizados, e disseram que sentiram que se tratava de um abraço, de uma carícia por parte do Papa Francisco e de um gesto de acolhida a eles por parte de Deus”. Ele disse que se encontrar, no momento do anúncio, “com as pessoas que estão nas periferias e que muitas vezes absolutamente não são levadas em consideração foi um sinal real, um sinal muito providencial”.
Falando quase um mês depois na Cúria Jesuíta em Roma, o Pe. Czerny confidenciou que experimentou a sua nomeação a cardeal como um apelo a “uma participação aumentada, expandida ou intensificada na missão do Santo Padre, a missão da Santa Sé, no serviço que esse centro da Igreja está chamado a prestar. Pediram-me que eu prestasse esse serviço de maneira mais ampla e mais profunda do que antes.”
Ele interpreta a sua nomeação não simplesmente como um endosso do seu trabalho pelos migrantes e refugiados, mas também como uma expressão de apoio ao “desenvolvimento humano integral”. Ele explicou que “o esforço da Igreja pelo desenvolvimento humano integral” é a história real. Ele “remonta aos profetas, remonta praticamente à criação”, e, acrescentou, “a nossa vocação é ajudar os homens e as mulheres a viverem as suas vidas humanas e a vivê-las ao máximo. Essa é a grande missão. É isso que significa pregar o Evangelho e levar as Boas Novas aos confins da terra”.
De fato, disse, “a história real é a encarnação ou a implementação do Evangelho na sociedade humana e na história humana. É disso que se trata realmente. E, se o fato de me tornar cardeal coloca mais peso sobre isso, ou dá uma foco maior a isso, ou me dá a chance de comunicar isso melhor ou mais eficazmente, então é para isso que ele serve”.
Como ele trabalhou de perto com o Papa Francisco em três grandes iniciativas – a encíclica Laudato si’, a questão dos migrantes e refugiados, e agora o Sínodo da Amazônia, eu lhe perguntei o que mais o impressiona em Francisco.
O Pe. Czerny respondeu imediatamente: “A resposta mais curta é [o compromisso do papa com o] Vaticano II”. Ele explicou que vê o papa profundamente dedicado à “Igreja no mundo moderno e à multifacetada continuidade da missão, que está implícita naquela expressão do Vaticano II: que a Igreja está no mundo, está tentando acompanhar o mundo”.
A Igreja, disse ele, “não está aqui para governar o mundo ou para resolver os problemas mundiais, mas o mundo deveria sentir que a Igreja, que Cristo, que Deus está conosco, com eles, enquanto enfrentamos as grandes dificuldades das nossas vidas e dos nossos tempos”.
Ele disse: “O Papa Francisco intensificou ou acelerou esse amplo sentido da missão da Igreja, para que as pessoas que não se identificavam como católicas, ou mesmo como cristãs, de alguma forma se sintam tomadas por esse desejo, por essa esperança de vida, pela plenitude da vida e pelo fato de lidar com as grandes injustiças e de superar o desespero, a desesperança, a escravidão, a perplexidade, a desorientação que muitas pessoas sentem à medida que a vida evolui de maneira sempre acelerada. As pessoas podem sentir que a Igreja está conosco, que Cristo está conosco, que Deus não nos abandonou, nem desistiu de nós. É isso que Francisco está comunicando a cada momento, de muitas maneiras diferentes”.
Quando perguntado sobre o que ele mais admira no Papa Francisco, o Pe. Czerny parou por um momento e depois ressaltou a “busca incansável” do papa de “onde o Evangelho é mais necessário”.
“Às vezes ele chama isso de ‘periferias’, mas há outras palavras para isso também, como desafios ou encruzilhadas, ou, como estamos conversando hoje em Roma, há esse encontro sobre ‘O bem comum na era digital’.”
Ele explicou que, para Francisco, a busca significa não se limitar a um assunto como o papel do esmoleiro papal e o seu trabalho pelos pobres, ou a Laudato si’, ou o início ou o fim da vida. Pelo contrário, “são todos eles, e é essa constante reorquestração ou re-harmonização, de modo que a Igreja tente estar presente em todas essas pontas, onde as pessoas estão realmente com medo e preocupadas, e por boas razões”.
Nascido em 18 de julho de 1946, em Brno, na Tchecoslováquia (naquela que hoje é a República Tcheca), ele se tornou um refugiado infantil aos dois anos de idade, quando sua família teve que fugir da sua terra natal. Graças a um patrocínio pessoal, eles conseguiram se estabelecer no Canadá.
O seu passado como refugiado afetou a sua perspectiva de vida? “Somente desde que eu trabalho na seção de migrantes e refugiados é que eu estou lentamente descobrindo a resposta para essa pergunta”, disse ele.
“Eu descobri que, quando escuto o Santo Padre dizer que devemos acolher, proteger, promover e integrar [as pessoas migrantes], eu traduzo isso de volta para a nossa experiência como família e percebo a verdade do que ele está dizendo e me dou conta de como essas dimensões foram realizadas para o bem ou para um bem menor em nossas vidas.”
O Pe. Czerny viveu no Canadá por mais de 30 anos, trabalhou em El Salvador por mais dois (após o assassinato dos jesuítas da Universidade Centro-Americana). Ele passou 10 anos no Quênia e quase 20 em Roma.
Questionado se ele se considera tcheco, canadense, africano, latino-americano ou italiano, o Pe. Czerny diz que se vê como tudo isso. “Avançando na vida, é muito difícil interpretar o que cada mudança significa, mas, olhando para trás, lendo a história retrospectivamente, é possível dizer que foram oportunidades para servir. Há um desdobramento providencial, uma preparação. Agora eu tenho 73 anos. Eu pensei que agora fosse desacelerar e parar, mas não foi assim.”
Ele entrou para os jesuítas, disse, “porque eu frequentava um colégio jesuíta e admirava os jesuítas que nos ensinavam. Eu queria servir a Deus e aos outros como eles, e eu gostava da vida comunitária. De certa forma, o Ensino Médio participou ou foi uma extensão da vida comunitária”.
Além disso, contou, “eu tive a sensação de que os jesuítas me encorajariam a desenvolver os meus talentos e a fazer o melhor uso do que Deus me deu. Eu achei isso. Talvez seja algo típico de um refugiado!”.
Quando solicitado a identificar os dois ou três principais problemas ou desafios que a Igreja enfrenta hoje, o Pe. Czerny disse: “Primeiro, a distância, a não comunicação ou a lacuna entre a Igreja – a Igreja organizada, a Igreja institucional – e a geração jovem. Esse é o número um.”
Segundo: “Eu acho que um desafio contínuo é ser mundial e realmente unida, realmente católica, e que cada parte da Igreja se sinta autenticamente parte, e não menos do que as outras. Eu acho que essa unidade é importante, a solidariedade do corpo é muito importante”.
Ele acrescenta um terceiro desafio “muito grande”: a Igreja e as novas mídias. “Eu acho que não começamos a entender realmente a mudança em todo o ambiente humano que as mídias eletrônicas e sociais representam. Isso nos confunde tanto na nossa interpretação do mundo quanto na nossa capacidade de pregar o Evangelho.”
Ao concluirmos nossa conversa, eu perguntei ao Pe. Czerny como ele lê ou interpreta os ataques contra o Papa Francisco por parte de uma minoria na Igreja e na sociedade hoje. A sua resposta: isso significa que “ele está na mira!”.
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Cardeal jesuíta diz que Papa Francisco está realizando o Vaticano II - Instituto Humanitas Unisinos - IHU