02 Setembro 2019
Francisco é um Papa que quase não dá respostas diretas, mas depois de discernir o que acontece, ele responde, e ele o faz. Ele é claro sobre onde quer ir e vai dando passos, em ritmos diferentes, inclusive às vezes recuando, porque viu que esse não é o caminho. Há coisas que o tocam diretamente e que poucas pessoas, ou ninguém, até as partes interessadas sabem.
O comentário é de Luis Miguel Modino.
Digo isso pela nomeação dos novos cardeais, que para surpresa de quase todos, pelo momento, os nomes e o dia em que receberão o barrete, um dia antes do início do Sínodo para a Amazônia, tornou público neste domingo, primeiro de setembro, o Papa Francisco. Muitos têm surpreendido especialmente, sobretudo eu, que moro na periferia que se tornou o centro, o foco do mundo e da Igreja, no primeiro caso por causa do desastre das queimadas, no segundo pelo kairós do Sínodo.
Michael Czerny | Foto: Luis Miguel Modino
Nesta semana, participei do encontro da Igreja da Amazônia, onde os mais de sessenta bispos do país que participarão da assembleia sinodal, juntamente com representantes de diferentes dioceses e prelazias, estudaram o Instrumentum Laboris, que deve concentrar o trabalho da assembleia, que acontecerá no Vaticano, de 6 a 27 de outubro. Estava o cardeal Hummes, relator do Sínodo para a Amazônia, e seus dois secretários, Dom David Martínez de Aguirre Guiné, com quem tive a sorte de conhecê-lo e passar alguns dias em sua casa, o convento dominicano de Puerto Maldonado, Peru, e o padre Michael Czerny, um jesuíta bem treinado, quieto e atencioso, subsecretário da Seção de Migrantes e Refugiados do Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral, uma das meninas aos olhos do Papa Francisco.
Algumas vezes, sentei-me à mesma mesa para comer junto com Dom David Martínez de Aguirre e padre Czerny, mais do que tudo para falar em espanhol, porque nenhum deles fala muita coisa em português, algo que repeti durante o jantar de sexta-feira passada, depois de terminar o encontro, com muito poucas pessoas. Os dois esperávamos o avião que no sábado me levaria a Manaus e levaria o padre Czerny a São Paulo. Fiquei surpreso com seu tratamento próximo, vestido com uma camisa vermelha, que agora poderia ser visto como uma premonição da púrpura.
Michael Czerny (à esquerda), Cláudio Hummes (centro) e David Martínez de Aguirre | Foto: Luis Miguel Modino
É surpreendente que alguém que não é bispo seja nomeado cardeal, mas essas são as surpresas de Francisco. Deve ter passado muitos anos desde que, evidentemente, por outras razões, ocorreu pela última vez. Mas o Papa quer que o colégio cardinalício, onde seus homens de confiança devem estar, se torne algo formado por pessoas no estilo do Papa das periferias, de uma Igreja pobre e para os pobres, preocupada com os migrantes e refugiados, como o Padre Czerny, ou com os povos indígenas e o meio ambiente, como Dom Álvaro Ramazzini, bispo de Huehuetenango, Guatemala que conheci e entrevistei em 2015 em um congresso da Ameríndia, onde muitos dos proscritos há uma década estavam presentes, ou da inculturação no mundo islâmico, como o arcebispo de Rabat, Dom Cristóbal López.
O que está claro é que Francisco não quer príncipes perto dele, pessoas em quem deveria confiar, mas vê como o trai um dia atrás do outro, e sim pessoas que trabalham entre os descartados, que apostam em ficar à beira do abismo, nas fronteiras físicas e de diálogo, que buscam uma Igreja mais inclusiva, hospital de campanha. São os novos tempos, os tempos da reforma, da reconstrução da Igreja, o mesmo mandato que oito séculos atrás fizeram com outro Francisco, o de Assis.
Quem se machuca com essas coisas? Aqueles que sempre viam a Igreja como um instrumento de seu próprio serviço, como um lugar para subir, para se impor, para nunca servir a nada além de seus interesses, geralmente espúrios. A propósito, a nomeação do padre Michael Czerny é um novo impulso ao Sínodo para a Amazônia, que recebe mais críticas e insultos todos os dias, de dentro e de fora, mas sempre do mesmo lado, dos que tem o poder. Mas, ao mesmo tempo, desperta mais alegria e esperança entre aqueles que estavam sempre fora do caminho e fora da história, os povos da Amazônia, especialmente os povos indígenas.
Michael Czerny | Foto: Luis Miguel Modino
Nas últimas semanas, o padre Czerny visitou os vários países da Pan-Amazônia para se reunir com as conferências episcopais, membros da Rede Eclesial Pan-Amazónica – REPAM, e representantes dos povos, insistindo fortemente em não esquecer que o sujeito do Sínodo é a Amazônia e seus povos, com uma visão especial aos povos originários. Junto com isso, aquele que é um dos secretários do Sínodo da Amazônia enfatizou que é necessário olhar para os novos caminhos de maneira integrada, que una o eclesial com a ecologia integral, destacando que aquilo que os Padres sinodais proponham, seja algo que eles mesmos possam se comprometer a fazer realidade no futuro.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Padre Michael Czerny, mais uma surpresa do Papa das periferias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU