03 Outubro 2019
"Sempre há alguém pronto para se levantar dizendo que esse próximo Sínodo também é um evento político, que esses não são tópicos que competem à Igreja, que esta deveria lidar com a religião, suas sacristias e que o clima ou o desmatamento não dizem respeito à fé, não dizem respeito a Jesus Cristo e se fantasia sobre supostas heresias para desviar a atenção e criar elementos de distração".
A entrevista é de Luis Badilla e Robert Calvaresi, publicada por Il sismógrafo, 02-10-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Conforme antecipado na publicação de nossa entrevista com Lucia Capuzzi, escritora e jornalista do Avvenire, hoje publicamos a conversa com a outra jornalista do mesmo jornal, Stefania Falasca, também autora de vários livros. As duas colegas assinam um livro, nas livrarias em breve, intitulado "Frontiera Amazzonia. Viaggio nel cuore della terra ferita” (Fronteira Amazônia. Viagem ao coração da terra ferida, em tradução livre).
Nota: No dia 7 de outubro, às 15h, no Marconi Hall da Rádio Vaticano, haverá uma apresentação da obra e será "toda feminina": 5 mulheres, mais as duas autoras, moderadas pela jornalista da Televisa Valentina Alazraki.
Por que um Sínodo dedicado à Igreja e aos povos da Amazônia é importante para a Igreja Católica em todo o mundo?
Porque a primeira e a última razão do Sínodo é a missão. E a missão é uma dimensão universal da Igreja, na medida em que a Igreja é, por sua própria natureza, missionária, de acordo com o mandamento de Cristo de proclamá-la até os confins extremos da terra.
E, portanto, que a mensagem de libertação e salvação do Evangelho possa ser acolhida e encarnada, mesmo por uma única pessoa no meio de uma floresta, diz respeito e toca todo o corpo de Sua Igreja no mundo. A própria Amazônia, aliás, é de importância universal. Não é uma realidade local como outras. Diz respeito a todos. Porque o destino da vida na Terra está em jogo aqui. Porque com a riqueza de sua biodiversidade, multiétnica, pluricultural e multirreligiosa, a Amazônia é um espelho de toda a humanidade e, ao mesmo tempo, é também o emblema de uma economia que mata, porque é o espelho da crise de um desenvolvimento dominante obcecado apenas pelos ídolos do dinheiro e do poder, em nome dos quais o ambiente é reduzido a um aterro e se destrói a vida, as identidades culturais próprias dos povos e sua convivência.
Justamente a partir da realidade desse lugar vital, decisivo e representativo do mundo de hoje, a Igreja é convidada a refletir sobre sua missão à luz do magistério da Evangelii gaudium e Laudato Si’, para que a Igreja possa realizar uma conversão missionária e pastoral em todo o mundo, e para que naquelas regiões seja favorecida uma evangelização encarnada na cultura daqueles povos, porque os valores e formas positivos que cada cultura propõe enriquecem a maneira pela qual o Evangelho é anunciado, compreendido e vivido, uma vez que uma única cultura não é capaz de mostrar todas as riquezas de Cristo e de sua mensagem. Esse Sínodo poderá, assim, ajudar toda a Igreja a se inserir em todas as realidades, não apenas naquela da Amazônia, com respeito, valorizando a riqueza da diversidade e peculiaridades de cada povo e, ao mesmo tempo, assumir a responsabilidade, na perspectiva de uma ecologia integral, para cuidar dos pobres e da casa comum, porque tudo está unido e interdependente. Por isso é importante, porque é somente dessa maneira que a Igreja realiza a sua missão universal.
Na sua opinião, a preparação do sínodo (a agenda e os documentos) corresponde às necessidades e expectativas que você encontrou ao visitar algumas regiões desta área?
A realidade é muito complexa. Inclusive na igreja. Depois, há muitos discursos em torno deste Sínodo, mas acredito que a bússola seja o que o Papa diz na Evangelii gaudium: é necessário nos questionarmos sobre como proclamar o Evangelho. Um dos pontos que encontrei é o de uma certa mentalidade colonialista da qual é preciso se livrar. Indo para as aldeias dos índios Saterè-mawè com um idoso missionário de quase oitenta anos, que há mais de quarenta anos percorre incansavelmente os cursos desses rios e com muita fé, amor e respeito havia entrado em sua cultura, ele me dizia quanto era importante preservar as identidades em vez de homologá-las. “Olhe para a floresta” indicava “não é feita para a monocultura. Uma planta depende da outra para nascer e crescer. Se você tentar cultivar uma única espécie de planta para o cultivo de frutas tropicais ou madeira nobre, o projeto falha. Isso também acontece entre nós, homens de diferentes etnias e culturas. E isso também se aplica à Igreja”. E para a inculturação? eu perguntei a ele. "A noiva de Cristo, por sua natureza não quer a homologação", respondeu ele, "e nós, como missionários, não podemos fazer o cristianismo coincidir aqui com uma certa ideia de tempo e espaço ditada pela nossa cultura europeia. Essas pessoas não provêm da nossa tradição greco-latina, não podem ser dobradas a ela e, portanto, a Igreja de Cristo não pode crescer assim".
Para algumas pessoas, este Sínodo é quase um "evento político". O que pode ser respondido a essa crítica inconsistente, mas persistente?
Basta olhar para Manaus, construída no meio da floresta tropical como uma zona franca, porque todas as grandes multinacionais do mundo têm sua sede ali também para usufruir dos benefícios fiscais com o objetivo de acumular dinheiro. Sabemos que o governo e as políticas estão ligados a essas interdependências financeiras e às multinacionais que exploram esses territórios sem nenhum escrúpulo e sem retorno para as populações locais e em detrimento do meio ambiente. Se todas as potências mundiais fazem seus próprios negócios ali, não surpreendem, portanto, algumas reações exacerbadas por parte dos políticos e dos poderes fortes quando os holofotes são apontados sobre a realidade daquela região. E imediatamente jogam fumaça nos olhos para encobri-la, para que não seja vista e continue nas sombras. Portanto, sempre há alguém pronto para se levantar e dizer que inclusive esse próximo Sínodo é um evento político, que esses não são tópicos que competem à Igreja, que esta deveria tratar da religião, das suas sacristias e que o clima ou o desmatamento não dizem respeito à fé, não dizem respeito a Jesus Cristo e se fantasia sobre supostas heresias para desviar a atenção e criar elementos de distração. Eles são sempre os mesmos esquemas que se repetem quando os sistemas do mal e da iniquidade são revelados. Mas quem não estiver afeito a grave ignorância e perda de memória ou a má fé sabe muito bem qual é o magistério da Igreja a esse respeito, consolidado na esteira da Doutrina Social que remonta aos Padres da Igreja e encontra enunciação completa e realizada na terceira parte do Catecismo. da Igreja Católica. Doutrina da qual surgiram a encíclica Rerum Novarum (1891), de Leão XIII, Quadragesimus Annus (1931), de Pio XI, Mater et Magistra (1961), de João XXIII, Populorum Progressio (1967), de Paulo VI, Centesimus annus (1991) de João Paulo II, Caritas in veritate (2009) de Bento XVI, até a Laudato sì’ do Papa Francisco. E sem nomear os santos e mártires que foram suas testemunhas, também sabe que o interesse no ambiente criado e, portanto, a relação com a própria humanidade, é uma instância de fé bíblica. E esse é nessa esteira que se move o próximo Sínodo.
"Amazônia" indica um nome feminino e isso já deveria por si ser um motivo de reflexão. Qual é o papel e o perfil das mulheres nesta região?
A Amazônia, que com as artérias de seus rios e sua floresta dá vida à Terra e sem o seu batimento se tornaria um deserto, é acima de tudo sagrada. E não apenas para os povos indígenas que a respeitam como uma extensão de seu corpo e o cuidam como uma mãe. A Amazônia é mais do que uma metáfora feminina de vida e de fertilidade. As mulheres que moram lá a encarnam. E refletem a sua força, a capacidade de se regenerar, que é aquela que deveria ser permitida à própria natureza, se quisermos um verdadeiro desenvolvimento sustentável para garantir um futuro.
As mulheres amazônicas têm essa força indomável. Muitos dos líderes das comunidades indígenas são mulheres, sabem sustentar, defender a vida e seus filhos. Mesmo nas comunidades eclesiais que conheci, nas aldeias nos rios, são mulheres que, com coragem e tenacidade, carregam a a Igreja. E elas deveriam ser reconhecidas e apoiadas. Mas justamente as mulheres, como a terra, pagam o preço mais brutal da desfiguração e da escravidão. O comércio de meninas, especialmente indígenas, é um flagelo enorme e sangrento, sobre o qual não é possível ter dados porque é encoberto e silenciado por interesses ignóbeis de todos os níveis. Justamente ao coração e ao rosto desconhecido de uma mulher, Lucia e eu devemos a inspiração para escrever e coletar as reportagens sobre a Amazônia.
Eu estava em Puerto Maldonado em janeiro de 2018, quando o papa, na nascente do Rio Amazonas, quis dar início ao Sínodo encontrando os representantes dos povos originários. Quando saí da arena daquele encontro, uma mulher indígena desceu das arquibancadas e veio até mim, me olhou e me abraçou, sem dizer uma palavra. Aquele sofrimento mudo entrou em mim. Na foto, que atrás de mim bateu naquele momento uma colega presente no voo papal, aparecem seus olhos.
À noite, encontrei Lucia, que já estava no local como correspondente cobrindo o comércio ilícito e o tráfico de pessoas, consequência do extrativismo selvagem. Ela me contou que, bem do lado de onde o papa havia ficado, meninas índias arrancadas de suas aldeias eram vendidas em prostíbulos a mineiros das minas ilegais que envenenam as águas. Nós olhamos e decidimos seguir em frente. E estamos de volta ao Grande rio. No início do livro, como metáfora, escrevemos:
"A Amazônia é uma mulher. Uma mulher estuprada. Tem a cor da noite em seus olhos e cabelos lisos como as falésias dos Andes. Uma Madre de Dios desceu olhando para nós sem dizer uma palavra. Um grito de silêncio. Queríamos conhecê-la, poder olhá-la nos olhos. E fomos. E entramos naqueles olhos. Estas páginas são a sua voz. Porque a Amazônia está perto. Está fora e dentro da vida de todos”.
O que você se propunha, com Lucia Capuzzi, quando decidiu escrever este livro?
"Frontiera Amazzonia" é uma viagem focada na crise socioambiental em andamento nesta região crucial. É um relato ao vivo, seguindo a rota do Grande Rio, recorrendo aos olhos daqueles que vivem neste mundo. A velha regra de ir ao lugar e tentar entender os contextos, confrontar-se e somente depois expressar opiniões, hoje, na era narcisista da blogosfera, inclusive católica, parece algo ultrapassado. Fomos contracorrente e simplesmente quisemos entrar nessa realidade para mostrá-la, possibilitar que fosse escutada e conhecida de perto assim como é, lutando com desafios decisivos para um presente e um futuro que que é o nosso, o deles, de todos.
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“A Amazônia é um espelho de toda a humanidade e, ao mesmo tempo, é também o emblema de uma economia que mata”. Entrevista com Stefania Falasca - Instituto Humanitas Unisinos - IHU