06 Agosto 2019
A influência comercial da China na África e os seus ganhos políticos.
Ao longo das últimas três décadas, a China se tornou em uma das potências econômicas e militares mais formidáveis do mundo, superou Estados Unidos como o maior sócio comercial da África e financiou mais de 3 mil projetos importantes de infraestrutura básica do continente.
No entanto, visto desde o Ocidente, e em particular de Washington, a ascensão da China significa um desafio autoritário para o sistema internacional liberal.
A análise é de Daniel Yang, publicada por Inter Press Service — IPS, 22-07-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Quando lá em 2007, a Assembleia Geral das Nações Unidas votou uma resolução sobre o histórico de violações aos direitos humanos de Coreia do Norte, somente 10 dos 56 países africanos votaram com a coalizão ocidental liderada por Estados Unidos.
A avassaladora maioria seguiu a China, com algum voto contra ou com alguma abstenção sobre a resolução.
Isso nem sempre aconteceu. Três décadas antes, o consequente voto da Assembleia Geral para trocar a República da China (Taiwan) pela a República Popular da China, que suporia o reconhecimento internacional do governo do Partido Comunista de Pequim, se encontrou com a resistência dos Estados Unidos.
Ainda que a resolução tenha sido aprovada, os países africanos não respeitaram nenhum lado.
Ao longo das últimas três décadas, a China se tornou em uma das potências econômicas e militares mais formidáveis do mundo, superou Estados Unidos como o maior sócio comercial da África e financiou mais de 3 mil projetos importantes de infraestrutura básica do continente.
Mais de 10 mil empresas chinesas operam na África e dominam quase 50% do mercado de construção contratado internacionalmente na África.
China passou de provedor mundial de mão de obra barata a um dos principais financiadores do Sul em desenvolvimento com o objetivo de construir pontes, tanto figurativa como literalmente, através da cooperação econômica.
Seu principal projeto de política exterior, a Iniciativa do Cinturão e Rota para a cooperação internacional, que alguns denominam como a Nova Rota da Seda, já conectou 152 países de todos os continentes e facilitou mais de 1,3 bilhões de dólares no comércio.
No entanto, visto desde o Ocidente, e em particular de Washington, a ascensão da China significa um desafio autoritário para o sistema internacional liberal.
Em um discurso sobre a política exterior em dezembro, o assessor de Segurança Nacional dos Estados Unidos, John Bolton, advertiu que a China estave “deliberada e agressivamente” destruindo os interesses dos Estados Unidos, mediante o que classificou de “práticas depredadoras”.
“China usa subornos, acordos opacos e o uso estratégico da dívida para manter os Estados na África cativos aos desejos e demandas de Pequim”, disse Bolton, um dos “falcões” mais proeminentes do governo de Donald Trump. “Tais ações depredadoras são subcomponentes de iniciativas estratégicas chinesas mais amplas... com o objetivo final de promover o domínio global chinês”, acrescentou.
Ainda que Washington esteja cada vez mais alerta sobre África, Pequim ideou sua própria estratégia para África muito antes do século XXI.
Pouco depois da proclamação da República Popular da China, em 1949, grande parte do mundo em desenvolvimento seguia lutando contra o colonialismo e o imperialismo. O então primeiro ministro chinês, Zhou Enlai, viu isso como uma oportunidade para posicionar a China, um país que se considerava triunfante na mesma luta, como líder do mundo em desenvolvimento.
“África sempre foi importante para a China, desde a década de 1950”, explicou Stanley Rosen, professor de ciência política no Instituto Estados Unidos-China, da Universidade do Sul da Califórnia.
“No período anterior, sob Mao Tsé Tsung, foi devido à quantidade de países na África que tinham votos nas Nações Unidas e ao fato de que a China estava promovendo movimentos revolucionários, porque é muito político”, disse a IPS em uma entrevista.
“Pouco depois que começaram as reformas na China, em 1979, a África se tornou mais importante economicamente”, agregou Rosen.
Na década de 1990, o então presidente Jiang Zemin, sob a tese da “tripla representatividade”, lançou um programa destinado a incentivar a presença de seus empresários no estrangeiro.
Com essa estratégia, o comércio sino-africano cresceu 700%. Com a ajuda dos créditos sob taxas do Banco de Exportações e Importações da China, companhias como Huawei encabeçaram a busca de uma nova geração de mercados no exterior.
Rosen assegurou que agora a China busca construir relações mutuamente benéficas com países ricos em recursos, independentemente de sua situação política interna.
Em setembro do ano passado, o presidente chinês, Xi Jinping, prometeu que a China proporcionasse 60 bilhões de dólares adicionais em apoio financeiro à África, durante uma cúpula em Pequim do Fórum para a Cooperação entre China e África — Focac, que impulsiona o investimento estrangeiro direto e os créditos para o desenvolvimento de infraestruturas.
Talvez mais revelador da atração que a China exerce no continente é o fato de que mais países africanos assistiram à Focac que à Assembleia Geral da ONU, realizada no mesmo mês em Nova Iorque.
Xi chega a definir a política externa de Pequim como “a diplomacia de um país importante com características chinesas”, uma doutrina que prioriza a cooperação pacífica que a dominação do poder único, segundo afirma. No entanto, independentemente das intenções de Xi, o investimento da China impulsionou o crescimento econômico africano e ganhou influência política sobre os líderes africanos dispostos que necessitam ajuda técnica e desenvolvimento de infraestrutura.
O que é mais importante, China ter demonstrado que o modelo de desenvolvimento dominante no Ocidente, caracterizado por políticas econômicas neoliberais e princípios políticos democráticos não é a única maneira. Ao fazê-lo, a China está deslocando o olhar dos assuntos mundiais para o leste, para Pequim.
Em junho, 43 países africanos escreveram uma declaração para se opor ao poder de veto dos Estados Unidos sobre a nomeação dos membros do órgão de Apelação da Organização Mundial do Comércio — OMC, o tribunal de comércio mais importante do mundo. Uma vez mais, se colocaram do lado da China.
A China instou a OMC a se opor ao poder de veto dos Estados Unidos desde o início de 2018. Zhang Xiangchen, embaixador da China na OMC, com sede em Genebra, disse que o sistema internacional de comércio enfrenta "sérios desafios", em referência à política comercial do presidente dos EUA, Donald Trump.
"A questão mais urgente que a OMC precisa responder agora é como responder ao unilateralismo e ao protecionismo", disse Zhang. "O mais perigoso e devastador é que os Estados Unidos estão desafiando sistematicamente os princípios orientadores fundamentais, bloqueando o processo de seleção dos membros do Órgão de Apelação”, acrescentou.
Zhang achava que a estratégia de Washington era responsável por levar fatalmente a OMC à "paralisia".
O desafio da China à ordem mundial dominante, liderada pelos Estados Unidos, não se limita à OMC. A China estabeleceu instituições internacionais como o Novo Banco de Desenvolvimento e o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, que consolidam ainda mais sua posição de liderança como ator financeiro do Sul em desenvolvimento.
Alguns, especialmente em Washington, viram essas instituições como possíveis rivais do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional – FMI, enquanto outros são mais cautelosos e pressupõem que a China está tentando mudar a ordem internacional, embora haja falta de clareza em seus processos de implementação das suas estratégias e políticas.
Yuen Yuen Ang, professor associado de ciência política na Universidade de Michigan, argumentou nesse sentido a IPS, que as intenções da China "não são verificáveis".
"Os observadores são livres para especular sobre as intenções da China", disse Ang, mas "o que devemos e podemos saber com certeza é que existe uma lacuna persistente entre a formulação e a implementação de políticas".
Para esse acadêmico, a implementação da nova rota de cooperação internacional chinesa tem sido “fragmentada e descoordenada”, causando confusão para parceiros internacionais e empresas participantes e obscurecendo a visão estratégica de Pequim.
Apesar de suas deficiências, no entanto, a iniciativa Cinturão e Rota está mostrando ao mundo o modo chinês.
No 95º aniversário da fundação do Partido Comunista Chinês, Xi anunciou, para uma audiência de milhares de pessoas, que o povo chinês "tem plena confiança em oferecer uma solução chinesa para a busca de melhores sistemas sociais pela humanidade".
Como a China continua a formar alianças na África e em todo o mundo, aqueles que detêm o poder no Ocidente terão que, em breve, admitir, queiram ou não, a previsão de Xi.
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Como a aliança da China com África está mudando a ordem mundial - Instituto Humanitas Unisinos - IHU