05 Julho 2019
A defensora Berta Cáceres, assassinada por defender sua terra, continua incomodando aqueles que a calaram. Atuam por ela uma grande quantidade de mulheres que denunciam que as elites e empresas nacionais e internacionais estão (continuam) esgotando seus recursos.
A reportagem é de Lula Gómez, publicada por Público, 01-07-2019. A tradução é do Cepat.
A maioria são donas de casa e camponesas de El Salvador, Guatemala e Honduras, com numerosas responsabilidades familiares, que não tremem diante de autênticos gigantes. Fazem isso mesmo sem o ativismo não ser bem acolhido em suas famílias (pais, mães, maridos, irmãos ...), nem em suas comunidades, compradas muitas vezes. Tampouco, repetem, contam com o respeito dos movimentos de resistência e organizações: sua voz não é tão valorizada como a dos homens.
Conversamos com duas delas que, apesar de seus diferentes perfis, concordam na essência: a defesa da terra. Estes são os temas que delineamos.
"Sim, porque somos mulheres, somos assediadas sexualmente, gritam conosco, insultam e humilham, nos dizem para ir esfregar, o que é que fazemos demandando nada. E tudo isso ao mesmo tempo em que devemos continuar mantendo as casas e ser o centro dos cuidados. Porque, afinal, somos nós que, além de defender o que pertence a todos, devemos cuidar da limpeza, da roupa, da comida ...", ressalta Sonia Sánchez, líder em El Salvador do Movimento das Mulheres, em Santo Tomás.
Ela vem lutando há anos contra a multinacional Investimentos Robles, uma construtora que cortou mais de 30.000 árvores para construir casas de luxo. Sua particular disputa lhe rendeu duas ações por coação (das quais foi absolvida), difamação e diversas calúnias.
A resposta de Ana Rutilia Ical, catedrática e candidata a deputada na Guatemala é semelhante. Sim, ser mulher e defensora dos direitos ambientais tem um custo adicional por questões de gênero. No seu caso, a batalha contra uma hidrelétrica, Renace, do grupo espanhol ACS, fez com que fosse criminalizada, estigmatizada, difamada e rotulada como "louca". Também a acusam de ser contra o desenvolvimento. "Sim, eu sou contra o desenvolvimento dos ricos e daqueles que se esquecem que 29.000 indígenas vivem neste território", aponta.
"Buscamos um compromisso com os direitos humanos para além do componente econômico. Assim como o capitalismo se globalizou, nós queremos globalizar as lutas dos territórios e visibilizar a vulnerabilidade daqueles que defendem a terra", diz Sonia Sánchez. A política guatemalteca aponta que a defesa do planeta é uma questão universal. "Não temos outro planeta e este está acabando. Não entendem? A Terra não é uma mercadoria".
"É a minha mãe. E minha mãe não se vende, se ama", diz Ana Rutilia. "Fonte de vida", ressalta Sonia Sánchez.
"Isso é algo que devemos explicar. O desenvolvimento deve ser sinônimo do bem viver. Ter um ar saudável, água, rios, saúde e, claro, recursos como a educação e o respeito à vida", afirma a mulher guatemalteca, ao mesmo tempo em que recorda que ela é maia, e explica que a Europa não é a Mesoamérica. A salvadorenha se opõe ao que chama de "mau desenvolvimento" e aposta apenas no que é feito em harmonia com a natureza. "Eu não posso viver sem água. Não sei vocês", aponta. Para ela, a chave é rever a educação que recebemos, a de um sistema capitalista que nos leva a um individualismo absoluto, baseado em uma cultura do consumo. "Dissemos adeus à espiritualidade e aos valores", conclui.
"Não. Já os eliminei", explica a guatemalteca, que pensa que apesar de lutar contra um sistema racista, discriminatório, de classe, patriarcal e machista, há avanço. Sonia Sánchez diz que precisa trabalhá-los, porque, sim, tem medos e angústias (não tanto por ela, mas pelos seus, também atingidos). "Não é fácil enfrentar uma empresa que tem o poder de comprar juízes e até mesmo nossas comunidades", explica.
"Há esperança. Existe um futuro, mas para isso precisam nos ouvir e reconhecer nossos direitos. É necessário também uma formação ambiental, aqui e lá ", opina Sánchez. Ana Rutila não hesita: "Se a Coca-Cola foi detida em determinado momento ... é claro que podemos".
As duas defensoras estiveram na Espanha, convidadas pela ONG Alianza por la Solidarida, que nesses dias lançou a campanha DesTieRRRadas. Com ela, pretende conquistar mudanças na legislação e nas políticas nacionais e internacionais relativas à proteção das mulheres defensoras. A organização também apresentou um relatório a esse respeito.
O documento destaca que em 54% dos casos as defensoras são agredidas por dirigentes políticos, policiais, militares, juízes e promotores, a quem acusam de cuidar mais dos interesses das empresas do que da população atingida por seus projetos. Além disso, 13% são atacadas ou ameaçadas em seus ambientes privados (em sua comunidade, nas organizações e famílias), uma vez que é muito comum as empresas seguirem a estratégia de gerar graves divisões nas comunidades.
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Honduras. As perseguidas “filhas” da líder ambiental Berta Cáceres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU