25 Junho 2019
Coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil conta que líderes irão ao Parlamento Europeu apresentar dossiê e pressionar por embargos econômicos; “a pressão mais viável é boicotar produtos presentes nos acordos comerciais internacionais”
Sonia Guajajara busca articulação com a União Europeia para promover o embargo a produtos produzidos ilegalmente em terras indígenas. Líder importante no Brasil, ela avalia que a melhor forma de pressionar o governo hoje é pela via econômica. “Neste momento, percebemos que somente a resistência não está sendo suficiente para garantir os nosso direitos, evitar assassinatos”, diz. Originária do povo Guajajara/Tentehar, que habita as matas da Terra Indígena Arariboia, no Maranhão, ela foi a primeira integrante da sua família a ser alfabetizada.
Com o apoio da Fundação Nacional do Índio (Funai), cursou o ensino médio em Minas Gerais. Depois retornou ao seu estado, onde formou-se em Letras e Enfermagem e emendou uma pós-graduação em Educação Especial. Aos 45 anos, destacou-se no ano passado por ser a primeira mulher indígena do Brasil a compor uma chapa para disputar a Presidência da República – saiu como vice de Guilherme Boulos (PSOL).
Sonia conversou com o De Olho nos Ruralistas no dia 6, após discursar no Fórum Tekoa Porã, evento que reuniu indígenas e acadêmicos na Universidade de São Paulo (USP).
A entrevista é de Priscilla Arroyo, publicada por De Olhos nos Ruralistas, 24-06-2019.
O governo de Jair Bolsonaro vem se colocando desde a campanha de maneira desfavorável às causas indígenas. Como enfrentar isso?
Deveria ser desnecessária essa luta pelo cumprimento dos nossos direitos (que estão garantidos pela Constituição). Mas é preciso cada vez mais reagir, cobrar, pressionar, como estamos fazendo ao longo dos séculos. No entanto, neste momento, percebemos que somente a resistência não está sendo suficiente para garantir os nosso direitos, evitar assassinatos. Então estamos buscando novas estratégias.
Quais estratégias?
Pressionar por meios econômicos. Em 2015, lançamos a campanha do boicote aos produtos do agronegócio que são produzidos em áreas indígenas, de conflito, e isso causou muito incômodo na bancada ruralista. E agora, com esse governo que está abrindo tudo para o entreguismo, revertendo leis e invertendo a estrutura do Estado, vamos retomar isso. Como o Brasil não está aberto a ceder e a preservar o meio ambiente, a maneira mais viável de pressão é boicotar esses produtos que estão presentes nos acordos comerciais internacionais. Hoje a terra é o principal objeto de disputa, o governo quer legalizar de qualquer maneira a exploração dos recursos naturais – seja mineração, águas etc. Então vamos agir pela via dos embargos econômicos.
Sobre quais produtos?
Soja, cacau, couro e carne, por exemplo. Em relação à carne, grande quantidade do que é exportado veio da produção de fazendas que estão em territórios tradicionais, muitas localizadas no Mato Grosso.
De que maneira irão pleitear esses embargos?
A ideia é ir até a Europa. Planejamos ir até a comissão das Relações Comerciais, em Bruxelas [Bélgica, onde fica o Parlamento Europeu], no segundo semestre, para questionar a responsabilidade (deles) de manter acordos com um governo que não está cumprindo as leis. Vamos chegar munidos de dados, com uma campanha estruturada, um dossiê para mostrar ao mundo que esse governo está violando direitos. O posicionamento de Jair Bolsonaro, que incita ódio e violência, elevou os confrontos. Somente no mês de janeiro, identificamos que a posição do presidente elevou a tensão em mais de 14 áreas de conflitos. Precisamos dar um basta nisso. Uma forma de agir é mexer com a economia. Vamos pressionar lá fora para forçar a volta da discussão dessa pauta no Brasil.
Existem outras frentes de ação?
Desde o ano passado, motivamos por meio da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) a participação de indígenas na política. Na campanha de 2018, conseguimos articular 130 candidaturas, um número bem importante. No entanto, sabemos que é uma disputa injusta e desigual, porque hoje quem acaba elegendo os parlamentares não é só voto, há também o poder econômico.
Quantas das 130 candidaturas se consumou?
Elegemos a deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RO), primeira indígena eleita para o cargo no país. E conseguimos também a eleição da educadora Chirley Pankará, nomeada primeira co-deputada estadual indígena em São Paulo, em mandato coletivo pela Bancada Ativista, do PSOL. Foi uma iniciativa importante participar desse modelo das candidaturas coletivas, que é uma forma de atuar na mudança do sistema político eleitoral.
A senhora foi a primeira indígena a participar de uma disputa presidencial. Como foi a experiência de ser candidata a vice-presidente na chapa de Guilherme Boulos (PSOL) na eleição do ano passado?
Foi uma candidatura construída a muitas mãos. Como implicação prática, nos aproximou de outros movimentos sociais. A nossa fala chegou a lugares que o movimento indígena, sozinho, não conseguiria alcançar. Essa caminhada política deu visibilidade para a nossa luta, trouxe a pauta ambiental e dos nossos territórios para o centro do debate. Foi um salto e ainda estamos coletando os frutos.
Em quais lugares, por exemplo, essa fala chegou?
Entramos com mais força nas universidades, com o aumento do interesse dos acadêmicos pelas nossas causas. Foi um processo importante, que precisamos intensificar. Para além desse espaço, a resistência não está mais dando conta de manter os nossos direitos e promover justiça. Por isso, optamos também por nos fazer presentes nas três esferas de poder – municipal, estadual e federal. É muito importante marcar posição onde se pensa as leis.
Essa presença já deu resultado?
Sim. Um exemplo foi a vitória que tivemos no Congresso em relação ao retorno da Funai para o Ministério da Justiça, junto com o poder de demarcação de terras. Isso foi resultado das nossas ações, como o Acampamento Terra Livre (que aconteceu de 23 até 27 de abril em Brasília), campanhas populares e também a articulação da deputada Joênia no Congresso, que fez toda a diferença para reverter isso.
[O presidente Jair Bolsonaro editou no dia 19 uma nova medida provisória, a MP 886, que tira a função de demarcar terras indígenas do Ministério da Justiça e a devolve ao Ministério da Agricultura. Nesta segunda-feira, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu a decisão em liminar provisória no âmbito de ações de inconstitucionalidade ajuizadas pelos partidos Rede Sustentabilidade, PT e PDT].
Em relação à luta pelo território, como vocês pretendem se organizar daqui para frente?
Temos de ficar atentos e manter a articulação firme, porque esse governo não inspira confiança. Fala uma coisa hoje e amanhã busca um jeito de reverter o que ele mesmo decidiu. Por isso, a vigilância é permanente.
Em abril, Bolsonaro disse que as terras indígenas devem ser abertas à mineração e à monocultura. Ele apresentou um indígena do povo Yanomami em sua transmissão nas redes sociais como apoiador dessa causa. Como o movimento avaliou este episódio?
Uma das armas que o governo está usando para tirar a força do movimento é cooptar algumas lideranças. E isso é muito perigoso, porque ele vai trazendo essas pessoas para o seu lado, tira fotos e apresenta live dele no Facebook, como se isso representasse a posição dos povos indígenas no Brasil, o que não é verdade. Bolsonaro tenta convencer a opinião pública de que áreas destinadas aos nossos povos são improdutivas, o que gera miséria. Isso é um desrespeito à nossa cultura. O governo quer adotar um modelo único de produção feito por um povo e multiplicar isso para todos. Eles estão estimulando a produção de soja nas nossas terras, querem acabar com a diversidade. Somos 305 povos e cada um tem a sua forma de produzir e gerar renda, que pode até ser criação de gado ou plantio, mas não é o governo vai direcionar ou impor isso.
Como lidar com esses líderes que foram cooptadas?
É fácil ir contra o governo, mas é difícil ir contra os irmãos. Nós estamos fazendo um trabalho de prevenção, orientando e fomentando a realização de mais assembleias locais e regionais para alertar sobre essa estratégia do governo. O objetivo é deixar as pessoas atentas para não caírem nesse discurso. Não são dez lideranças que vão se sobrepor a esse posicionamento coletivo dos povos.
Em linha com a ideia de unir o povo indígena, você está ajudando a organizar a primeira Marcha das Mulheres Indígenas…
Fica o convite para todos participarem da primeira Marcha das Mulheres Indígenas, cujo lema é “Território, nosso corpo e nosso Espírito”, que acontece de 9 até 12 agosto, em Brasília. Depois nos juntaremos à Marcha das Margaridas. É uma maneira das mulheres assumirem o protagonismo da luta. Para nós, fica a mensagem da necessidade de nos mantermos unidos, atentos e não ceder a esse assédio do governo. Para a sociedade, faço um chamado para se conectar com a nossa luta, que tem caráter humanitário, é muito mais abrangente do que a pauta indígena.
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“Vamos mostrar ao mundo que esse governo está violando direitos”, afirma Sonia Guajajara - Instituto Humanitas Unisinos - IHU