21 Mai 2019
Costas Lapavitsas (Tessalônica, 1961) foi uma das referências em matéria econômica do partido esquerdista grego Syriza, do qual foi deputado até que deixou a formação para se dedicar ao ensino em Londres. É professor de Economia na Universidade de Londres, de onde escreve para o jornal The Guardian e mantém uma visão muito crítica, a partir de um posicionamento de esquerda, em relação à União Europeia (UE).
Seu último livro, The Left Case Against the EU (Ed. Polity, 2019) ou “A alegação da esquerda contra a União Europeia”, descreve o projeto europeu como uma realidade institucional convertida em uma ferramenta do capitalismo alemão. Isto explicaria, entre outras coisas, o imobilismo do país de Angela Merkel diante das propostas de reformas que chegam a Bruxelas por parte do presidente francês, Emmanuel Macron.
“As instituições e os organismos europeus criados nos últimos dez anos são instituições que tornam o neoliberalismo mais forte e fortalecem as posições hegemônicas da Alemanha”, diz Lapavitsas nesta entrevista ao jornal El Diario, mencionando especialmente os mecanismos anticrise criados após os problemas vividos na zona do euro já quase há uma década. “O que ocorreu constitui uma lição: a UE não pode ser reformada”, segundo Lapavitsas.
A entrevista é de Aldo Mas, publicada por El Diario, 18-05-2019. A tradução é do Cepat.
Fala-se muito, há algum tempo, desta parte do euroceticismo professado pelos partidos de ultradireita na Europa. Mas, também existe uma crítica da esquerda à UE. Por exemplo, a que você formula em seu livro. Em que se diferenciam estas duas críticas?
Não há nada em comum entre a crítica à UE que vem da esquerda e a que vem da direita. Eu critico a UE pelo que provoca nas condições sociais dos trabalhadores e das pessoas pobres, pelo que implica para a desigualdade e pelo que significa para o capital frente ao trabalho. Eu defendo a soberania e a democracia para lidar com estes assuntos. A direita, no entanto, está roubando algumas destas ideias, apresentando-as como próprias. No entanto, na direita, não são contra as negativas implicações sociais da UE.
A crítica à UE é algo genuinamente de esquerda, não de direita. Tradicionalmente, os grandes críticos da UE estiveram na esquerda. Em termos históricos, foi assim tanto na Europa continental como no Reino Unido. Na esquerda, já havia críticos à ideia da União Europeia quando a Europa era basicamente uma aliança de países social-democratas ou países em que a social-democracia era muito forte. Refiro-me aos anos 1960 e 1970. Mas, quando a UE se converteu em algo neoliberal, nos anos 1980, 1990 e 2000, na esquerda europeia muitos se apaixonaram por esse projeto europeu. Isto é um paradoxo histórico de primeira ordem.
Você foi deputado do Syriza na Grécia, um partido que, em seu momento, foi muito crítico à UE. Há outros partidos de esquerda na Europa que criticaram a deriva neoliberal do projeto europeu, como “Unidas Podemos”, na Espanha, “França Insubmissa”, na França, e “Die Linke”, na Alemanha. Qual a sua opinião a respeito do que aconteceu com a crítica destes partidos à UE?
Todos estes partidos são muito diferentes. Acredito que sua relação com a UE é muito diferente. O Syriza foi muito crítico, mas, por fim, essa crítica ficou comprometida com a UE. Die Linke é muito europeísta e sobre Unidas Podemos realmente não posso falar. Em geral, eu vejo que todos esses partidos demonstram uma fragilidade comum que é o fato de que, mesmo que a crítica original à UE venha da esquerda, na esquerda, houve uma mudança para uma posição em conformidade com o projeto da UE. Na minha opinião, um partido genuinamente de esquerda rejeitaria a UE e lutaria para criar instituições na Europa que possibilitariam a luta do mundo do trabalho contra o capital.
Você diz que a UE se tornou um instrumento do capitalismo alemão. O que quer dizer com isso?
Até mesmo na Alemanha e França, países que são o coração da UE, onde estão os grandes bancos e os grandes negócios, a UE não favorece o trabalho em sua relação com o capital, nem os direitos democráticos dos trabalhadores. Mas, além disso, a UE se tornou uma construção onde não há convergência entre países. Ocorre o contrário. Há, agora, muitas periferias na UE, sendo a Alemanha o país hegemônico. A grande indústria da Alemanha e o mundo dos negócios alemão são agora fundamentais na UE.
O que provocou essa hegemonia alemã?
Quando se olha para o mundo, se reconhece que os Estados Unidos continuam sendo o poder hegemônico. Este poder vem de sua própria potência econômica, de seu poder sociopolítico, porque conseguiram criar um certo número de instituições globais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Com elas, a hegemonia dos Estados Unidos pôde se estabelecer e proteger.
Na Europa, no entanto, a hegemonia alemã não se manifesta dessa maneira. O capitalismo alemão não é suficientemente poderoso. Não cria instituições e nem mecanismos para dar lugar a essa hegemonia. O que faz é criar seu poder econômico por meio das instituições existentes na UE. A Alemanha deve respeitar as regras da UE e o europeísmo porque é o modo como mantém seu poder.
Você afirma que a saída que se deu à crise do euro redobrou o caráter neoliberal da UE, com ferramentas como o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEDE). É isso mesmo?
Sim. O que se conseguiu foi fortalecer o neoliberalismo e a hegemonia da Alemanha por meio das instituições europeias. As instituições e organismos europeus criados nos últimos dez anos são instituições que tornam o neoliberalismo mais forte e fortalecem as posições hegemônicas da Alemanha. O que ocorreu constitui uma lição: a UE não pode ser reformada.
Em 2010, quando se iniciou a crise, muitos disseram que era necessário reformar a UE, concebendo a criação de eurobônus, um grande orçamento comum, e mecanismos que transferissem recursos dos países ricos aos países pobres, entre outras coisas. Mas, nada aconteceu. Todas as reformas que aconteceram fortaleceram o regime prévio. As reformas na UE não podem se dar em benefício dos trabalhadores. Isto é algo que a esquerda parece não querer aprender.
Então, iniciativas políticas como a de seu ex-companheiro de partido Yanis Varoufakis, o Movimento DiEM25 [Movimento Democracia na Europa 2025], não têm razão de ser?
Acredito que aquilo que Yanis Varoufakis está buscando fazer é impossível. É uma repetição do que ele e outros procuraram fazer em seus dias no Syriza. Quando Varoufakis era ministro das Finanças, quando então era apresentado como um “radical”, seu argumento era permanecer na União Econômica e Monetária da UE, mas com mudanças e reformas democráticas, para assim conduzir a UE em outra direção. Foi com essa lógica que o Syriza chegou ao poder, mas, em algumas semanas, a UE acabou com esses delineamentos em suas negociações com o Governo grego.
Voltemos ao poder alemão. Para muitos observadores, a Alemanha não conta, de modo algum, com um projeto europeu ou com algo similar às propostas de maior integração formuladas pelo presidente francês Emmanuel Macron, em Paris. Qual a sua opinião a respeito desta passividade?
É preciso entender a relação entre França e Alemanha e a natureza da hegemonia alemã indo para além do que ocorreu na Europa, nos últimos anos. A união monetária da UE resultou na Alemanha emergindo como poder hegemônico na Europa. Contudo, essa união monetária não foi traçada pela Alemanha. Na realidade, quem a esboçou foi a França, país que mais desejava o euro. Nos anos 1980,1990, a França aparecia como a líder da Europa com esse projeto, que estava destinado a submeter a Alemanha, mas a realidade supôs outra coisa.
Quando o euro foi implementado, os mecanismos da união monetária foram em grande parte determinados pela Alemanha, com o Bundesbank e outras instituições alemãs. Sendo assim, conseguiu-se favorecer a competitividade alemã. Tudo isto não foi algo pensado pelos alemães naquele momento, mas não demoraram a se dar conta. Agora, possuem todo o interesse em manter as coisas como estão. A Alemanha sabe que é favorecida pela União Monetária da UE e deseja mantê-la desse modo, apesar de ser problemática e apesar das intenções de Macron.
É dito que o país de Angela Merkel é um “país hegemônico reticente”, segundo a célebre expressão do semanário “The Economist”.
Da Alemanha, assim como de qualquer país hegemônico, se poderia esperar que fosse oferecido um relato, um marco ideológico ou uma espécie de esperança para o restante. Contudo, a Alemanha não consegue fazer isto e é pela história do país e porque, como lhe dizia, a hegemonia alemã emerge dos mecanismos da UE.
Se na Europa fosse dito claramente que faremos isto porque os alemães querem que seja assim, seria necessário esperar muito para que isso ocorresse. Bom, não ocorreria nunca. Mesmo assim, o poder na UE não está em Paris, nem em Bruxelas, está em Berlim. Macron pode falar muito para a Europa, mas em seu país está aplicando leis que a Alemanha está pedindo. Refiro-me às mudanças na legislação trabalhista, a redução de salários, as aposentadorias e a transformação do setor público.
Essa agenda política, ou algo muito parecido, também foi implementada na Espanha, nos últimos anos, com o governo conservador de Mariano Rajoy.
Sim. O que é certo para a França, também é para a Espanha. A Alemanha também surgiu como líder econômico na Europa por meio da opressão de seus trabalhadores. Em seu momento, baixaram muito os salários e deterioraram as condições de trabalho. Essas reformas aplicadas na Alemanha [através da Agenda 2010 do chanceler social-democrata Gerhard Schröder] criaram uma certa ideologia alemã, segundo a qual: “nós alemães fizemos esses esforços e tivemos êxito, o restante tem que fazer o mesmo”.
Isto agora se tornou uma crença compartilhada em toda a UE. É algo muito problemático. Economicamente, em termos teóricos, é incorreto. Em uma união monetária só um país pode fazer algo assim. Não se pode replicar o que já foi feito. Além disso, essa suposição obriga à austeridade em outros países.
Da Grécia, seu país, assim como sobre Espanha e Itália, se diz que pertence à periferia do sul da Europa. Em seu livro, você recorda que há outras periferias, como a periferia central, formada pelos países que estão ao redor da Alemanha. Que papel estes países desempenham na hegemonia alemã?
A UE está criando divergências, não convergências. Essa periferia central é muito importante para a Alemanha porque está integrada na cadeia de produção industrial alemã. Oferece à Alemanha bens que utiliza em sua indústria, também facilita uma mão de obra barata e é, em suma, parte de sua estrutura produtiva, algo que a periferia sul da Europa nunca será. Países como Espanha e Grécia nunca serão isso. Agora mesmo são países condenados a outro tipo de existência na periferia. Mas, tampouco essa periferia central vai muito bem. Tem ficado dependente da Alemanha e qualquer recessão alemã lhe afetará mais.
Qual a sua análise sobre o Brexit?
O Brexit é, ao mesmo tempo, algo importante e ridículo. Importante porque mostra que há um descontentamento popular com a UE e como o neoliberalismo. Mas, também mostra que um país tão importante como o Reino Unido, uma antiga potência imperial, não pode atuar para sair completamente da UE. Isto está ocorrendo porque as grandes empresas e, concretamente, o centro financeiro, que é Londres, não querem o Brexit. Os grandes negócios do neoliberalismo britânico querem estar na Europa e odeiam o Brexit.
Paralelamente, o Brexit causou uma crise política sem precedentes, e a esquerda está totalmente confusa. Em vez de aproveitar o Brexit e propor uma transformação radical em favor dos trabalhadores e a democracia, a esquerda está desaparecida nesse debate sem sentido sobre sair ou ficar na UE. Isto gera confusão e fará a esquerda pagar um preço muito caro.
Refere-se ao resultado das próximas eleições europeias?
Não é uma surpresa que o Partido Trabalhista esteja indo tão mal nas pesquisas. No Reino Unido, também custa à esquerda assumir uma posição clara sobre a UE. Mas, eu não sou pessimista. Acredito que as coisas podem melhorar e, por outro lado, não acredito que os argumentos da ultradireita serão muito persuasivos. Há motivos para ter esperanças no futuro. Contudo, também é verdade que a Europa foi conduzida para uma direção muito difícil por causa da UE.
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“As instituições europeias criadas nos últimos dez anos tornam o neoliberalismo mais forte”. Entrevista com Costas Lapavitsas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU