25 Abril 2019
Em frente ao prédio da Agência Nacional de Mineração, três filas foram formadas em torno de contêineres e de um caminhão pipa. Com toalhas e sabonetes na mão, indígenas de diversas etnias do Brasil aguardavam sua vez para o banho no final da tarde desta quarta-feira em Brasília. Desde a madrugada, o concreto modernista da cidade abriu espaço para centenas de barracas e lonas que formaram o 15º Acampamento Terra Livre (ATL), realizado anualmente na capital federal para chamar a atenção para as pautas indígenas.
A reportagem é de Marina Rossi, publicada por El País, 25-04-2019.
Logo pela manhã e já sob um sol forte, lideranças que montavam suas barracas em frente ao Congresso Nacional foram surpreendidas por policiamento pesado, com cavalaria, helicóptero e dezenas de agentes. Embora preparados, tendo a tensão como pano de fundo do encontro depois que o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, autorizou o uso da Força Nacional nas intermediações do evento, os organizadores não imaginavam que o ato repressivo ocorreria logo na manhã do primeiro dia.
Um coronel da Polícia Militar atravessou a rua que separava o lago do Congresso do gramado do acampamento para explicar, contudo, que tratava-se apenas das solenidades de abertura da Operação Tiradentes, iniciada nesta quarta-feira para reforçar a segurança em todo o país, e teoricamente, sem relação com o encontro indígena. Pediu que ninguém se alarmasse. Passado o susto, iniciaram-se as negociações. Até a manhã desta quarta, o local onde ocorreria o acampamento não havia sido divulgado, por questões de segurança. Enquanto indígenas fincavam as estacas no gramado, lideranças negociavam com autoridades, que não queriam que o evento ocorresse ali.
A proposta dos oficiais era que o encontro fosse no Memorial dos Povos Indígenas, a quase cinco quilômetros dali. As lideranças não queriam ir para um local tão longe. “Queriam jogar a gente lá no memorial, mas ali não tem visibilidade”, afirmou, mais tarde, Paulo Tupiniquim, do Espírito Santo. Após quase uma hora de conversa, o consenso foi que o encontro ocorreria atrás do Teatro Nacional, a menos de dois quilômetros dali. Pacificamente, os índios levantaram acampamento e levaram suas barracas até o novo local.
No caminho, o cacique Bruno Guajajara contou que a tensão deste ano estava maior do que nas edições anteriores do evento. “Desta vez, não trouxemos nem as crianças e nem idosos”, disse. “Em 2017 já foi bem tenso e depois disso decidimos não arriscar mais”. A tensão era consenso entre os participantes. “A gente não vai se render à ameaça de governo autoritário nenhum”, disse a líder Sônia Guajajara, que foi candidata a vice-presidenta na chapa do PSOL no ano passado. “O mundo está de olho no Brasil e nos povos indígenas. Fomos os primeiros a serem atacados em janeiro de 2019, mas também fomos os primeiros atacados em 1500. Vamos resistir”.
Antes da abertura do encontro, lideranças se reuniram com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e a frente parlamentar mista em defesa dos direitos dos povos indígenas. Na audiência, os indígenas entregaram um pedido para que o Congresso Nacional não aprove a Medida Provisória (MP) que tira da Funai a competência de demarcar terras e passa para as mãos do ministério da Agricultura. A MP também tira a Funai da estrutura do Ministério da Justiça e a coloca na pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Essa é uma das principais reivindicações do ATL deste ano.
Realizada a cerimônia de abertura do acampamento, as danças e cantos de diversas etnias por todo o país — e após o banho — uma marcha seria realizada até o Supremo Tribunal Federal (STF). Ali, está programada uma vigília com danças e rituais. Nesta quinta-feira, é a vez de a Câmara dos Deputados receber uma audiência com as lideranças. Os organizadores esperam que cerca de 4.000 índios passem pelo acampamento, que termina na sexta-feira. Embora o decreto que permite o uso da Força Nacional tenha sido assinado na semana passada, nenhum oficial participou do policiamento neste primeiro dia e a patrulha foi feita somente por policiais militares.
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Indígenas em Brasília: “Desta vez, não trouxemos nem as crianças e nem idosos” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU