22 Abril 2019
“A ideia de crescimento contínuo é uma farsa que não se mantém. Pensar que podemos consumir e extrair recursos, tanto em materiais quanto em valor humano, sem que haja consequências, é um absurdo”, comenta David Hammerstein, o sociólogo e ambientalista que foi deputado no Parlamento Europeu pelo grupo Os Verdes, entre 2004 e 2009.
A entrevista é de Eleuterio Gabón, publicada por Rebelión, 13-04-2019. A tradução é do Cepat.
Afirmou em várias ocasiões que vivemos uma situação global próxima ao colapso.
Estamos em um Titanic e as elites estão deixando o navio em seus botes salva-vidas, são conscientes de que não nos salvaremos todos. O problema é que para manter a paz social, nosso sistema tem se baseado no consumismo individual, fomentando uma cultura de egoísmo e narcisismo pessoal que, por um lado, só gera frustração. Vivemos na ilusão de que podemos elevar o padrão de vida continuamente, sem nos darmos conta do que está acontecendo realmente com o planeta, isso é uma mentalidade doentia.
A ideia de crescimento contínuo é uma farsa que não se mantém. Pensar que podemos consumir e extrair recursos, tanto em materiais quanto em valor humano, sem que haja consequências, é um absurdo. A exploração do terceiro mundo não suporta, nem humanamente, nem materialmente.
O volume do consumo de água, cimento, combustível, produtos químicos, pesticidas não deixam de aumentar e somente são colocados remendos: ciclovias, reciclagem ... A energia solar e eólica representam 1% da energia consumida. Porém, não se trata apenas de uma questão de consumo de energia, falamos de uma crise total, os recursos são cada vez mais escassos, o planeta encolhe, 60% dos mamíferos desapareceram nos últimos 50 anos.
Estamos indo de cabeça para um colapso, a democracia liberal está desmoronando. A frustração começa a ser vista nos protestos, na classe média, na ascensão da extrema-direita. Vamos ver conflitos sociais muito duros quando a tensão social aumentar devido à escassez de recursos. Sociedades tendem a atingir seu máximo desenvolvimento pouco antes de seu fracasso.
Entre as propostas dos partidos políticos, tanto de um, como de outro extremo ideológico, parece que não se questiona, em nenhum caso, o modelo de crescimento.
Em geral, estamos presos. Por um lado, temos os globalizadores liberais, os maiores defensores desse modelo, que até afirmam que lutam pelos direitos das mulheres, dos homossexuais e do ambientalismo de maneira hipócrita. A outra opção é a da extrema-direita que defende os valores tradicionais, exalta a soberania nacional e usa de bode expiatório os migrantes, as mulheres, os homossexuais e as minorias.
Ambas as posições defendem modelos de crescimento, um crescimento baseado na exploração da maior parte do planeta. Os 25% do mundo que mais consomem devem reduzir seus níveis. Os migrantes continuarão chegando, são também refugiados climáticos, ambientais. Os problemas sociais são ambientais e vice-versa. Estamos imbuídos de um pensamento em que acreditamos que todo conflito é ideológico, sem percebermos a base biofísica de tudo.
Precisamos pousar, somos terrestres, dependemos dos ecossistemas. Temos que nos adaptar a uma austeridade solidária, sobretudo nos países do sul global. Para reduzir a pobreza, devemos reduzir a riqueza. Criar um creative commons de tecnologia sustentável, que acabe com as patentes. Devemos mudar os valores do individualismo para valores coletivos e mudar também nosso relacionamento com a natureza. Temos que ser conscientes de que estamos caminhando para um decrescimento, sim ou sim. Ou é minimamente justo, organizado e acordado entre ricos e pobres ou será autoritário, violento e caótico.
O crescimento urbano é também uma das causas do colapso ambiental que você explica. Na cidade de Valência, as políticas urbanas seguem projetando grandes construções, apesar da corrupção e das crises econômicas que trouxeram consigo este modelo. Não aprendemos nada?
O desenvolvimento urbano e a corrupção andam de mãos dadas, do mesmo modo existem laços entre as elites financeiras e os grandes construtores. O desperdício econômico de grandes projetos para seguir a lógica de ser competitivo e globalizante não está sendo realista. Obviamente não aprendemos nada, seguimos com grandes planos, há muitos exemplos: o Parque Central e seus arranha-céus com obras que produzirão poluição durante os próximos 20 anos ou a expansão do porto trazendo terras da Serrania, incluindo Teruel, para ganhar espaço no mar é algo insano.
Temos também o projeto dos 20 arranha-céus do Grao, aqueles não lugares, assépticos, sem qualquer demanda ou o Pai da Benimaclet, que destrói hortas para levantar 1.500 casas que ninguém pediu, apenas os bancos.
E, no entanto, tudo isso é vendido ao público como algo irrenunciável, e mais, é declarado em termos de um pacto fáustico: se você quer no seu bairro um centro social, parques, escolas ..., você tem que aceitar que haja um lucro de 30 % a 40% para empresas imobiliárias e construtoras que estão em parceria com uma holding estadunidense ou inglês, caso contrário, nada. É diabólico. Mas, há mais: os 50 novos hotéis no centro histórico, o Instituto Mediterrâneo de Paterna, o Corredor do Mediterrâneo, o PEC de Cabanyal ... são todos projetos anticlima.
O turismo parece também uma lógica irrenunciável dentro deste modelo
Precisamente, a exigência desses megaprojetos vem do consumismo turístico, não do povo. Por exemplo, a conselheira de turismo e futurista prefeita socialista Sandra Gómez recentemente comemorava por ter 2 milhões de turistas e até 5 milhões de pernoites previstas para este curso. O turista consome mais água, plástico e de tudo que um residente. O modelo turístico de serviços gera grandes quantidades de resíduos, para não mencionar os enormes níveis de poluição de navios de cruzeiro e aviões. Continuando este modelo, Valência enfrenta um delírio doentio de criminalidade ecológica.
Quais são as alternativas que podem ser propostas para frear esses modelos?
Você tem que mudar o chip de que o mercado comanda e qualquer lucro vale. O futuro deve passar por uma certa autonomia e produção própria de alimentos. Um modelo local é a melhor maneira de atuar globalmente para proteger o clima. Devemos apostar em um urbanismo de austeridade, reabilitação, aprender a recuperar a natureza dentro da cidade. Tem que retirar o cimento para tornar a terra permeável para que respire. Em Valência, debaixo do cimento está a horta.
Devemos parar com este pacto público-privado de privatização de terras públicas para sua venda e contrapor um modelo de pacto público cívico ou comum. Que a terra seja do povo, para fazer moradia cooperativa, preservar a horta para cultivar alimentos, diminuir o consumo de recursos, incentivar o artesanato local, aumentar e financiar o transporte público e coletivo.
Em suma, precisamos de uma economia do bem comum, para orientar a atividade pública em direção ao bem comum. Devemos apostar decididamente na austeridade e na autossuficiência, caso contrário, estamos hipotecando a área metropolitana de Valência antes da catástrofe que está se aproximando.
Em Valência, há muitos coletivos que estão agindo nesse sentido.
Absolutamente, e muitos, há anos. Temos a Per l 'Horta, Associação de Bairro da Nazaré, Som Energía, Valência de bicicleta, Valência não está à venda, Cuidem Benimaclet, coletivos veganos, vegetarianos, ecofeministas... No entanto, devemos acabar com aquela visão única da realidade em que só se pode conseguir coisas pactuando com os poderosos. Na política, não é fácil quebrar o modelo de cimento, mas é o que deve ser feito. Você tem que dizer basta. É preciso protestar para sobreviver.
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Desenvolvimentismo Urbano, um modelo anticlimático. Entrevista com David Hammerstein - Instituto Humanitas Unisinos - IHU