21 Março 2019
"A consciência é o teatro onde se desenvolvem as misérias e alegrias dos seres humanos", diz Enzo Tagliazucchi, doutor em Física e pesquisador do CONICET no Instituto de Física da Faculdade de Ciências Exatas e Naturais da Universidade de Buenos Aires. A pesquisa, publicada na prestigiada revista Science Advances, foi realizada em centros internacionais na França, Bélgica, Estados Unidos e Canadá, e incluiu 159 ressonâncias magnéticas de indivíduos saudáveis, pacientes em estado vegetativo e outros com consciência mínima. Aqui, ele explica o que é a consciência, descreve por que ela pode ser considerada um "todo dinâmico e complexo" e narra as implicações futuras que esses avanços poderiam ter no campo da saúde e da medicina.
A entrevista é de Pablo Esteban, publicada por Página/12, 20-03-2019. A tradução é do Cepat.
O que é a consciência?
É um ponto de vista acerca do mundo, a resposta mais direta frente a pergunta sobre o que é ser um cérebro humano. Em outras palavras, talvez mais metafórico, é uma janela através da qual todos nós olhamos, temos experiências e as sentimos em primeira pessoa. No entanto, ainda é difícil saber como os neurônios e a matéria convivem em uma massa esponjosa como o cérebro e, de repente, desenvolvem uma propriedade única – que nenhum outro sistema físico tem –, sobretudo privado. Essa qualidade, sua privacidade, desperta muita incerteza, de tal modo que poderia nos fazer duvidar em algum momento da mesma possibilidade de estudar de maneira científica a consciência. São geradas grandes lacunas entre o conhecimento disponível e as experiências sensoriais que cada pessoa pode ter. Para o filósofo Daniel Dennett, o objeto de uma ciência da consciência deve ser a subjetividade que os indivíduos manifestam em relação à compreensão de seus próprios comportamentos.
Mas, como dizia Descartes, os sentidos enganam.
Bem, esse é um dos assuntos que as ciências que estudam as subjetividades não conseguiram transcender. É possível tentar descrever um sentimento de dor ou alegria, mas, como dado científico, é bastante difícil de explicar. Existe um trabalho amplamente lido que se intitula "Qué se siente ser murciélago?", cujo autor é Thomas Nagel. Sabe-se que esses animais se movem pela ecolocalização, isto é, calculam a distância que se encontram dos objetos mediante emissão de sons que são refletidos por eles. Podemos examinar seu cérebro para entender ponto por ponto como funciona esse processo, mas não sabemos como se sente. Não sabemos se, se sente, como escuta ou se, pelo contrário, a ecolocalização se parece a enxergar. É uma pergunta que, a menos que você seja um morcego, será impossível responder.
Daí os limites da ciência. É por isso que, talvez, tentar conhecer o mundo é tão fascinante: por tudo que ainda é desconhecido. Ainda mais se nos referimos à consciência.
Exatamente. Hoje, apenas podemos aspirar encontrar os correlatos neuronais da consciência. Diferente de qualquer outro objeto de estudo, aqui, o próprio sistema que estudamos estabelece a pauta de quais são as condições experimentais. De fato, se nas experiências que as pessoas realizam não compartilham sua subjetividade, é impossível avançar. Nos departamentos de física, às vezes, aqueles que estudam a consciência não são observados com bons olhos. Esforço-me para explicar que, na verdade, se trata de um sistema físico extremamente interessante, tão enigmático que desperta novas questões a cada passo.
Vamos falar a respeito de sua última pesquisa. Para onde vai a consciência quando o ser humano está inconsciente?
Trabalhamos com diversas teorias que tentam responder a essa pergunta. A consciência tem múltiplas configurações possíveis, já que a quantidade de cenas sensoriais que podem ser apresentadas é astronômica. A postura dominante nesse campo afirma que cada estado consciente depende de uma disposição física particular do cérebro. Ao mesmo tempo, nós também sustentamos que a consciência determina um todo unificado: o ser humano não tem uma consciência separada para ouvir, outra para ver e outra diferente para cheirar, mas reúne todos os sentidos, pensamentos e funções. Tentar dividir é como tentar dividir os polos de um ímã. Isto origina a teoria do núcleo dinâmico - desenvolvida pelo psiquiatra italiano Giulio Tononi -, que postula que a consciência não constitui um lugar no cérebro (não determina uma área física particular), mas um processo dinâmico em constante evolução. Desta forma, quando uma pessoa perde a consciência - durante um anestésico ou um sono profundo -, o cérebro adota configurações que não permitem serem suportadas. Se manifesta como uma ausência de subjetividade. O mais surpreendente não é que a consciência vá embora, mas que depois ela retorna e a pessoa permanece a mesma.
A consciência como algo unificado que flui no tempo.
Embora a consciência não esteja fragmentada em átomos - como se acreditava no passado -, sustentamos que é possível que ela seja segmentada em momentos bem definidos. Para alcançar a integração, você precisa de um certo tempo, que é essencial para o fluxo de informações. Como é um processo, nunca é instantâneo.
Seu trabalho foi realizado a partir de 159 ressonâncias magnéticas de indivíduos saudáveis e em estado vegetativo ou com consciência mínima. O que você pode dizer sobre isso?
Queríamos verificar se a consciência tinha a ver com a comunicação que se produz entre as diferentes áreas do cérebro. Enquanto em pessoas saudáveis encontramos um rico padrão de conectividade, em pacientes com "consciência mínima" notamos que eles conseguem estabelecer comunicações funcionais esporadicamente. Isso ocorre, por exemplo, quando, em uma situação experimental, pedimos a um indivíduo que pegue um lápis e, talvez, na primeira tentativa, ele não o faça, mas depois de várias chamadas atende a solicitação. Experiências como estas marcam um mundo de diferença com pessoas que são diagnosticadas com um estado vegetativo persistente, aquelas que raramente conseguem se recuperar, pois não exibem, através de ressonâncias magnéticas e outras análises, essa integração que poderia dar conta do surgimento de sensações subjetivas. É muito difícil distinguir pacientes com consciência mínima e aqueles em estado vegetativo, o que é muito sensível porque em muitos países a decisão é tomada (como um recurso humanitário) para descontinuar o suporte de vida.
Trata-se de identificar os traços de consciência no cérebro. Também usaram anestesia geral nos três casos. O que aconteceu?
Quando administramos anestesia geral em pacientes vegetativos, notamos que sua situação não foi modificada porque eles já haviam manifestado um estado de inconsciência de antemão. Já os pacientes de consciência mínima perderam os poucos fragmentos de lucidez que evidenciavam. Enquanto que os sujeitos experimentais saudáveis também demonstraram um padrão de inconsciência. E, então, fizemos outro experimento muito interessante. Seguimos a trilha de Adrian Owen, um cientista britânico que trabalha atualmente no Canadá com pacientes em estado vegetativo. Em um caso, afirmou que os pacientes não podiam se comunicar porque suas vias sensoriais foram cortadas, de modo que foi introduzido um ressonador e lhe pediram para se imaginar jogando tênis e andando em sua casa. Quando ele fez isso, os padrões cerebrais que emergiram eram idênticos àqueles que aparecem quando uma pessoa saudável imagina jogar tênis ou andar em casa. A tal ponto que Owen conseguir se comunicar com o paciente estabelecendo um código que quando ele queria dizer "sim", se imaginava jogando tênis. Nós replicamos esse método e também comprovamos que funcionava.
Incrível. Esses avanços podem oferecer novas pistas para o campo da saúde.
Consciência é o teatro onde as misérias e alegrias dos seres humanos se desenvolvem. Esses resultados mostram conclusivamente que as manifestações físicas de nossa experiência humana nunca serão inequivocamente identificadas com um grupo de regiões cerebrais. A noção de que é possível identificar uma zona do cérebro para cada faculdade humana entra em colapso, pelo menos, no caso da consciência. No campo da medicina, às vezes, é necessário entender que é mais importante ter uma consciência livre de sofrimento do que um corpo que funciona tão bem quanto uma máquina. Acho escandaloso que os pacientes com câncer avançado não recebam a morfina prescrita, porque, embora tenha o potencial de gerar dependência, é cínico não a fornecer para aliviar o peso diante de um estado terminal.
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Seguindo os rastros da consciência no cérebro. Entrevista com Enzo Tagliazucchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU