06 Novembro 2018
A onda global de populismo parece estar a todo o vapor em todo o lugar, exceto na China, onde um governo autoritário protege o país da disseminação de fake news e de falsas soluções.
O artigo é do sinólogo italiano Francesco Sisci, professor da Universidade Renmin da China, em Pequim, publicado por Settimana News, 05-11-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Praticamente apenas horas antes que as eleições de meio-mandato de 6 de novembro dirão aos Estados Unidos e ao mundo o apoio que o contencioso presidente Donald Trump tem em seu país, pode haver um vislumbre de esperança de melhoria dos laços com a China, que vinham piorando há mais de um ano.
Trump e seu colega chinês Xi Jinping trocaram um telefonema e agora ambos dizem que pode haver um acordo sobre a linha tarifária em andamento. Uma reunião está sendo organizada entre os dois no fim do G20 em Buenos Aires, que tem seu encerramento previsto para o próximo dia 1º de dezembro.
No entanto, apesar do anúncio, quase todos os dias, há relatos de uma nova intensificação na luta bilateral entre os Estados Unidos e a China, que aparentemente vai muito além do comércio. Políticas chinesas assertivas no Mar do Sul da China e em Taiwan estão sendo alvejadas pelos militares dos Estados Unidos, enquanto o aumento da repressão aos direitos humanos e à minoria Uigur na região oeste de Xinjiang, na China, desencoraja tanto a direita religiosa quanto a esquerda liberal nos Estados Unidos e em muitos outros países ocidentais.
Mar do Sul da China (Fonte: Voice of America - Wikimdia Commons)
No entanto, qual sistema está funcionando melhor?, perguntam-se as pessoas em Pequim.
No dia 29 de outubro, no mesmo dia em que o controverso candidato Jair Bolsonaro foi eleito presidente no Brasil, Angela Merkel, por 16 anos a âncora de estabilidade e paradigma da boa administração na Europa, anunciou sua renúncia como líder do partido majoritário na Alemanha e, de fato, abriu mão do seu papel como chanceler, embora ela deva realmente desistir de seu governo em 2021.
A onda global de populismo parece estar a todo o vapor em todo o lugar, exceto na China, onde um governo autoritário protege o país da disseminação de fake news e de falsas soluções.
Mesmo assim, o sistema chinês está funcionando efetivamente, ou está simplesmente evitando a próxima rodada de renovação política, social e econômica, assim como a corte Manchu tentou se agarrar aos velhos tempos, quando, no século XIX, o motor da modernização estava se movimentando a todo o vapor, rumo a outro lugar?, perguntam-se alguns ocidentais.
Dependendo, talvez, também dos resultados das eleições de meio-mandato nos Estados Unidos, a China aparentemente tem seis cenários objetivos diferentes. Outras opções podem resultar também da mistura entre eles, mas existem basicamente estas opções.
1. Pequim pode esperar que os Estados Unidos mudem de ideia, se “rendam” à situação e desistam da linha atual com a China antes de novas escaladas. É provável? O próximo acordo Trump-Xi é real? É apenas uma pausa negociada para se reagrupar e repensar?
É difícil prever, porque não há um consenso claro nos Estados Unidos sobre o que fazer com a China, e muitos estadunidenses se opõem a escolhas específicas deste governo contra Pequim. Mas há uma clara hostilidade bipartidária em relação à China, e, nesses casos, os Estados Unidos costumam fazer alguma coisa. Então, acreditar que os Estados Unidos vão mudar de ideia pode ser um sonho impossível.
Além disso, se os Estados Unidos mudassem de ideia e aceitassem que a China, em cinco a dez anos, se tornasse a principal economia do mundo e líder em tecnologia, o que Pequim faria com sua vitória depois? Que tipo de ordem daria ao mundo? Substituiria os Estados Unidos com sua pegada global? Ou continuaria como tem feito até agora, cortando acordos bilaterais e basicamente desconsiderando o que outros países decidem fazer com eles mesmos e com seus assuntos? Que tipo de ordem global um modelo de acordo bilateral traria?
A China nem sequer começou a pensar publicamente sobre isso, algo necessário para preparar o restante do mundo para isso. Então, esse cenário parece ainda mais improvável.
Além disso, será que Pequim tem certeza de que, sem os Estados Unidos na foto, seus problemas com os países vizinhos serão resolvidos, em vez de azedarem? Ou seja, será que Pequim pode dizer com certeza que os Estados Unidos são o paliativo contra os crescentes sentimentos anti-China na região ou contra o acirramento das tensões com a China?
2. Os Estados Unidos e a União Europeia podem desmoronar, absorvidos pelas suas próprias bagunças internas. Afinal, Trump é divisivo nos Estados Unidos, e a Europa está dividida. Nesse caso, a China poderia esperar. A China emergirá como a vencedora nessa comoção, simplesmente se sentando junto ao rio. No entanto, talvez isso comece com pressupostos errados sobre a solidez das democracias. O Reino Unido e os Estados Unidos, atualmente os mais antigos e grandes sistemas democráticos, resistiram a guerras externas, guerras civis, ameaças revolucionárias de todos os tipos: será que vão desmoronar agora sob a onda populista?
A partir de uma perspectiva histórica, pode ser que, após a onda populista, os sistemas estadunidense e europeu voltem mais fortes do que nunca. Se for assim, a atitude da China pode ter sido contraproducente, já que teria perdido um tempo precioso.
3. Outra possibilidade seria a China lutar contra os Estados Unidos. Então, vamos ver o que acontece. Mas é improvável que a China saia ilesa disso. Além disso, embora alguns estrategistas chineses possam pensar que Pequim poderia vencer em um confronto militar porque estão lutando em seu próprio território, é quase impossível que a China não sofreria muito com tudo isso. Também é provável que ela seja derrotada.
4. Exatamente a possibilidade oposta seria se a China, com medo da possibilidade de uma guerra, optasse por uma “rendição” condicional. Ela poderia barganhar a abertura de seu mercado, mas não de sua política. Então, a liderança se salvaria e se tornaria a garantidora da implementação do futuro acordo. Esse acordo pode parecer conveniente e poderia realmente funcionar. Mas e se novas pressões forem feitas por futuros governos dos Estados Unidos, que poderiam se esquivar de acordos anteriores? Isso aconteceu com outros países e outras vezes com os Estados Unidos. Então, o acordo poderia desmoronar, já que novas pressões podem ser aplicadas regularmente, e a China poderia estar em uma posição mais fraca.
5. A China pode tentar combater isso, mas sem confrontos militares. Ela poderia construir uma “coalizão de negócios” contra os Estados Unidos para evitar o confronto estratégico. Poderia conceder uma série de concessões seletivas “aliadas” para países e empresas no mercado chinês. Isso pressupõe que os Estados Unidos irão basicamente lutar contra o mundo por seus interesses comerciais e que as empresas globais vão confiar mais em Pequim do que em Washington. Podemos ver sinais disso no fato de Washington estar recuando em suas promessas de acordos de livre comércio na Ásia e na Europa.
No entanto, também pode haver sinais de que os Estados Unidos estão reconsiderando essa medida e talvez tenham percebido a necessidade de construir blocos econômicos se quiserem confrontar a China. Além disso, os países e as empresas irão confiar na abertura econômica do governo chinês, dada a sua história de concessões seguidas de restrições e, depois, mais concessões oferecidas, tudo sem avisos prévios ou qualquer transparência?
Por fim, para que essa estratégia funcione, deve-se supor que os países poderiam ser comprados com ganhos financeiros de curto prazo, em vez de outras considerações de longo prazo, ou seja, ignorando ou concordando com a ascensão da China e com as suas consequências abrangentes.
6. Uma perspectiva final poderia ser que a China vire a mesa e surpreenda a todos com grandes reformas que abram seu mercado e sua política. Essa medida é muito perigosa. Muitas coisas podem dar errado na transição, e a história do fim da URSS pode provar isso.
No entanto, pode-se argumentar que a China é diferente, e, embora muito arriscada, essa possibilidade pode ser menos perigosa do que todas as outras opções listadas acima, principalmente porque Pequim vem ruminando sobre isso há muito tempo.
Existem poucos sinais disso. A recente fala de Xi sobre o apoio à iniciativa privada pode vir um pouco tarde demais. Além disso, temos que esperar como isso se desenrola, e muitos têm razões para ser pessimistas quanto a isso. Mas, em uma lista completa, todas as opções possíveis devem ser incluídas, e esta é a saída mais antiga e mais pensada.
De qualquer forma, a República Popular da China nasceu a partir de uma grande “humilhação”, embora ninguém nunca a tenha chamado assim.
Estrategicamente, nos anos 1950, em prol do desenvolvimento e da sobrevivência de seu governo, Mao adotou totalmente as regras que Moscou entregou de maneira bastante pesada. Estas diziam respeito a duas áreas: politicamente, o PCC (Partido Comunista da China) teve que seguir a linha soviética, e, além disso, Moscou receberia milhões de quilômetros quadrados de território no norte da China.
Em suma, essas “concessões” políticas e territoriais a Moscou foram possivelmente maiores em extensão territorial e em influência política do que o império Qing permitiu às potências ocidentais após as Guerras do Ópio do século XIX. A China arrancou parcialmente esses legados obtendo o apoio dos Estados Unidos contra os soviéticos nos anos 1970. No entanto, o sistema ainda depende do antigo modelo soviético, e os territórios perdidos ainda não fazem parte da China.
Xi Jinping concentrou muito poder. É difícil dizer se ele tem mais ou menos poder do que Mao, porque a sociedade e o sistema mudaram. Mas, em todo o caso, assim como Mao abriu mão do território e do sistema político da China para a URSS, assim também Xi poderia abrir mão de reivindicações territoriais e fazer concessões políticas e de mercado pela paz e o desenvolvimento.
O recente acordo vaticano poderia ser uma indicação de que alguns em Pequim podem estar dispostos a dar o primeiro passo para uma nova abordagem. Mas também pode ser um jogo de fumaça e de espelhos. A bola está claramente nas mãos de Pequim.
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Seis opções para Pequim antes das eleições de meio-mandato nos EUA. Artigo de Francesco Sisci - Instituto Humanitas Unisinos - IHU