05 Setembro 2018
Mais de dez dias se passaram desde que o “papiro” de Carlo Maria Viganò, publicado com a ajuda da ala dos jornalistas anti-Bergoglio, desencadeou mais um ataque contra o Papa Francisco. No contínuo vai e volta midiático que se seguiu desde então, o debate agora só apaixona os adeptos ao trabalho mais experientes. O que pudemos observar, a partir da nossa posição como observadores do fluxo de notícias em rede referentes à Igreja, é que o caso desse último golpe contra o pontificado está se contorcendo em uma espiral sem fim, à qual o próprio Vaticano parece fazer uma contribuição.
A reportagem é de Francesco Gagliano, publicada em Il Sismografo, 04-09-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
À luz dos desdobramentos recentes, das novas acusações feitas pelo ex-núncio Viganò e das primeiras declarações que poderiam ser contadas como respostas do Vaticano, parece importante observar os seguintes pontos:
É mais do que nunca urgente uma resposta oficial clara, argumentada e pontual do Vaticano, pelo menos para as questões candentes feitas por Viganò nos seus dois “papiros”. Uma primeira forma foi esboçada há algumas horas pelo Pe. Federico Lombardi, ex-diretor da Sala de Imprensa vaticana, e pelo seu ex-assistente, Pe. Thomas Rosica. No entanto, como os próprios meios de comunicação não hesitam em definir, trata-se de uma “primeira resposta”, percebida ainda como insuficiente, que deve ser confirmada e ampliada, oficializada, de algum modo, pelo Vaticano.
Diretamente ligado a esse primeiro ponto, deve-se sublinhar o completo fracasso de qualquer forma, repensada ou reformada, dos meios de comunicação vaticanos até agora. O fato de ter confiado a Paolo Ruffini a prefeitura do Dicastério para a Comunicação, certamente, iniciará uma série de mudanças positivas no campo da gestão midiática vaticana, a partir daquela “narrativa vaticana” que está faltando há alguns anos. No entanto, deve-se lembrar que o ex-diretor geral do canal TV2000 tomou posse do seu novo cargo apenas alguns dias atrás, no meio da tempestade desencadeada pelo “papiro Viganò”. Para Ruffini, será quase impossível em menos de uma semana preencher o vazio de anos, mas ele certamente poderá oferecer uma contribuição valiosa em um momento tão delicado e decisivo como este.
A recente reflexão do Santo Padre na homilia dessa segunda-feira, em Santa Marta (oração e silêncio), certamente é uma “resposta” medida e cheia de dignidade, útil especialmente para temperar as reações mais extremas e que convida a meditar sobre a qualidade das acusações e a dos acusadores. No entanto, parece-nos importante notar que tal reação, tão semelhante às palavras pronunciadas pelo Papa Francisco no voo de volta da Irlanda, tende a gerar na opinião pública a ideia de que o Vaticano está subestimando a gravidade da operação que está sendo movida, tanto do outro lado do Atlântico quanto na Europa, em ambientes muito mais próximos e, às vezes, bem camuflados. A resposta paciente, superior e voltada a ignorar a baixeza das acusações certamente é um gesto digno de um pastor que é capaz de avaliar a periculosidade das ameaças que pairam sobre ele. No entanto, deve-se levar em conta que o objetivo desse ataque é, além da pessoa do papa, a própria instituição da Igreja: as acusações movidas contra ele não devem ser consideradas puramente pessoais. Onde está Pedro, lá está a Igreja.
Portanto, seria importante para o próprio papa, embora indiretamente, desse uma resposta voltada a restaurar os verdadeiros termos das questões que Viganò distorceu com as suas mentiras, imprecisões e relatos manipulados. Seria particularmente nobre, e se sabe que o papa pensa assim, que se colocassem os pontos nos “is” de Viganò e dos seus amigos em relação à sua abominável operação de se valerem da tragédia dos abusos sexuais por parte de membros do clero para levar adiante as suas lutas de poder e ideológicas. É um comportamento indecente porque ofende gravemente as vítimas.
O conúbio Viganò com alguns jornalistas estadunidenses e italianos é apenas um sinistro “casamento por conveniência”: o ex-núncio põe à disposição títulos e memórias manipulados, palavras e circunstâncias inventadas, para atingir os dois papas que justamente lhe negaram a púrpura cardinalícia, e os jornalistas o usam para levar em frente as batalhas em apoio de uma Igreja semelhante a eles: arcaica, conservadora e fora do tempo. De fato, percebe-se o eco dos ataques habituais, já feitos contra Francisco, de ter arruinado a Igreja semeando confusão doutrinal e esvaziando o papel e a missão do papado.
A situação atual impõe uma grande operação-verdade por parte de toda a comunidade eclesial. A vida desta Igreja tem sido obscurecida por muitas mentiras e silêncios intoleráveis há dias. Calar poderia ter duas consequências: a primeira, fazer passar a ideia de que Viganò tem razão e de que, portanto, é melhor não responder. A segunda é que a Sé Apostólica não tem boas respostas a dar ao ex-núncio e que as suas armas, portanto, estão embotadas, embora o sistema acusatório esteja fazendo água por todos os lados ou, pelo menos, dando origem a muitas dúvidas.
O povo de Deus, a comunidade cristã não é uma multidão barulhenta sedenta de sangue e de vingança. Ao contrário, exige em voz alta verdade e justiça, dois valores evangélicos fundantes da Igreja. Esses valores, além de serem evocados com palavras certas, podem ser demonstrados com ações concretas e corajosas, capazes de trazer de volta a serenidade ao coração de milhões de católicos que hoje estão desorientados e cansados de assistir a um conflito interno – ligado a poderes, prebendas, posições e interesses – que eles não entendem e não compartilham.
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A crise atual na Igreja e algumas reflexões reunidas pelo monitoramento da web - Instituto Humanitas Unisinos - IHU