Por: Ricardo Machado | 29 Agosto 2018
Diante de uma plateia de aproximadamente 80 pessoas, Pedro Herculano de Souza, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, foi metódico ao desconstruir lugares comuns quando o assunto é desigualdade no Brasil. De cara já largou, “O Brasil não é o país mais desigual do mundo. A questão da desigualdade é multifatorial.” Segundo os dados trazidos pelo pesquisador do IPEA, cerca de 1,5 milhão de pessoas detêm um quinto de toda a riqueza nacional, o que corresponde a 1% dos habitantes adultos. Nesse sentido, o que os dados do Imposto de Renda demonstram é que “durante o Estado Novo e na Ditadura de 1964 foram os pontos de alta do aumento da desigualdade, cuja reversão, ainda que pequena, tenha ocorrido nos períodos democráticos”, descreve.
Os dados foram apresentados durante a conferência Determinantes da desigualdade social e da riqueza no Brasil, realizada na noite da segunda-feira, 27-8-2018, na sala Ignacio Ellacuría e Companheiros – IHU. O evento integra a programação do II Ciclo de debates Desigualdades no contexto econômico brasileiro.
Pedro Herculano em conferência no IHU (Fotos: Ricardo Machado/IHU)
Por ser um tema corriqueiro, a desigualdade tende a ser percebida sem o rigor que a torna um problema concreto, razão pela qual quatro eixos precisam ser articulados na análise: desigualdade entre quem; desigualdade de quê; como resumir as informações em dados; de onde vêm as informações. A análise apresentada pelo conferencista foca, contudo, na desigualdade de renda, não de riqueza ou de patrimônio, a partir do Coeficiente de Gini.
Outra confusão comum é pensar a pobreza e a desigualdade como coisas unívocas. “Pobreza tem a ver com uma linha de corte (que vai ser estabelecida por alguém), que, naturalmente, pode ser alcançada sem redução da desigualdade. Basta, portanto, que todos cresçam à mesma taxa, de modo que se o mais rico cresce junto com o mais pobre, nada muda em termos de desigualdade”, explica.
No Brasil, os dados sobre a desigualdade são coletados de duas formas:
1) por coleta em domicílio, como faz o IBGE, mas isso pode ter dados subestimados porque pessoas que ganham bem tendem a informar dados mais imprecisos (até porque nos condomínios de luxo os porteiros sequer deixam os técnicos do IBGE acessarem as residências);
2) dados do Imposto de Renda.
Reprodução apresentação Pedro Herculano que demonstra que a desigualdade cresceu nas décadas não democráticas
“Desde o final dos anos 1990 a desigualdade no Brasil começa a cair e a partir dos anos 2000 há uma queda muito constante, algo que nunca havia sido visto no Brasil”, avalia. “Em 1995 houve estabilidade na renda média, mas a partir de 2001 tem um crescimento bastante rápido da renda e uma queda da desigualdade, o que justificou a animação sobre a entrada do Brasil em uma nova fase, que, certamente, mudou depois de 2013”, complementa.
É ilustrativo, sobre a desigualdade no Brasil, que em 2018 estejamos no mesmo patamar dos EUA durante a Segunda Guerra. Contrariando o slogan do governo anterior, “Estamos muito longe da renda dos países ricos. Não existe país rico com as desigualdades do Brasil”, critica.
A desigualdade brasileira decorre da concentração de renda no topo em função de um sistema tributário regressivo. Some-se a isso uma alta nos impostos após a nova Constituição, atingindo o patamar de 30%. “Qual o problema da carga tributária no Brasil? A composição. Aqui o peso do imposto de renda é muito mais baixo que a média dos países ricos. Isso significa que o imposto do consumo e do serviço são os principais fatores que mantêm os níveis de desigualdade. Não precisamos aumentar a taxa de impostos, mas recompor as alíquotas, cobrando mais no imposto de renda, sobretudo dos mais ricos, e reduzindo do consumo. Os tributos indiretos são um problema”, discute Souza.
O jeito acadêmico de Souza não permite romantismos, razão pela qual ele foi enfático ao sustentar que uma reforma tributária não resolveria todos os problemas, mas, sim, poderia ajudar bastante. Não significa que isso mudaria tudo, mas pode ajudar bastante. “Há disputas federativas em jogo. Além disso existe um círculo vicioso de juros muito altos. A capacidade institucional de dizer ‘não’ é evidente no Brasil e percebemos como certos lobbies são pouco justificáveis”, aponta.
Diferente dos países da Europa, por exemplo, que nas décadas seguintes à Segunda Guerra mantiveram uma curva de redução das desigualdades, o Brasil nas décadas de 1960 e 1970 aprofundou ainda mais as desigualdades, abriu mão das reformas de base que eram necessárias e deixou o bonde da história passar. Ficamos para trás. “Houve demora para o Estado responder às demandas e necessidades nacionais. Mais do que isso, a forma como historicamente respondeu a esses desafios aponta para uma dificuldade de quebrar privilégios estabelecidos”, completa.
Pedro Herculano de Souza é graduado em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio, é mestre em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do RJ - IUPERJ e doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília - UnB. Recebeu o prêmio O Brasil que sai do Censo, da Fundação Ford/ANPOCS e o Prêmio Tesouro Nacional 2012, com o terceiro lugar no tema "Economia e contabilidade do setor público". Realiza pesquisas na área de desigualdade social e políticas sociais. Atualmente estuda os determinantes da desigualdade e da riqueza em diversos países.
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Na contramão dos países ricos, o Brasil perdeu o bonde da história e viu a desigualdade subir a ladeira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU