09 Agosto 2018
No país não africano mais desigual do mundo, os bolsos dos candidatos se tornaram uma questão mais decisiva do que nunca.
A reportagem é de Tom C. Avendaño, publicada por El País, 09-08-2018.
Alguns políticos há meses percorrem o Brasil de comício em comício, esquentando os motores para o dia 16, data do início da campanha às eleições gerais já com a confirmação oficial de quem serão os candidatos aos muitos cargos que estão em jogo, de presidente da República a deputado estadual. É instrutivo ver como viajam. Jair Bolsonaro, o radical de direita que lidera as pesquisas de intenção de voto à presidência, usa aviões comerciais da mesma forma que a próxima da lista, a evangélica Marina Silva, que além disso tenta voltar no mesmo dia para economizar em hotéis: se precisa pernoitar, o faz na casa de algum simpatizante, no que a revista Piauí batizou de Airbnb da Marina. Nada parecido com o plano de João Doria, um milionário que faz campanha para governador de São Paulo a bordo de seu jatinho privado avaliado em 30 milhões de dólares (111 milhões de reais), e que financia o custo de faixas e cartazes com mensagens de “Bem-vindo João”. E entre esses extremos existem incontáveis variações. Das muitas leituras que podem ser feitas dessas eleições, nenhuma é tão evidente como em que no país não africano com a maior desigualdade salarial do mundo, os bolsos dos candidatos se tornaram uma questão mais decisiva do que nunca.
Tudo se deve a uma lei relativamente nova cujo alcance começa a ser vislumbrado agora. Foi aprovada em 2015 e proíbe que as empresas doem a campanhas eleitorais. Sem essas doações, que sempre foram a principal forma de financiamento eleitoral, os candidatos devem se limitar agora ao fundo de dinheiro público que o Congresso divide proporcionalmente ao número de deputados de cada partido. O total é de pouco mais de 2 bilhões de reais a ser dividido entre os 35 partidos que participarão das eleições. Ou seja, nada. “Os custos reais das eleições não foram reduzidos a esses limites legalmente impostos”, diz ao EL PAÍS a juíza Denise Goulart Schlickmann, autora do livro Financiamento de Campanha e assessora do Tribunal Eleitoral para esses assuntos. Em fevereiro, o Tribunal Eleitoral aprovou in extremis uma possível solução: que cada candidato possa pagar a campanha do seu próprio bolso. De repente, as eleições se tornaram mais fáceis aos ricos. É melhor ter um jatinho privado do que o Airbnb da Marina.
Isso pode afetar as que serão as eleições mais importantes na memória recente do maior país latino-americano. Para o bem e para o mal, o pleito marcará o fim de uma era e o começo de outra: é a primeira vez que os brasileiros votam para presidente após a explosão do caso Petrobras, que revelou que praticamente toda a classe política se beneficiava de um gigantesco esquema de malversação de fundos públicos usando a empresa estatal. São as primeiras eleições após o traumático impeachment de Dilma Rousseff em agosto de 2016 e que deveriam colocar fim à paralisia política provocada pelo impopular governo que a substituiu, o de Michel Temer. E após a prisão por corrupção do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eterno candidato ou cabo eleitoral preferido com sobras em todas as pesquisas, as eleições de outubro deveriam ser a grande oportunidade em anos de renovação da política brasileira e deixar o país nas mãos de pessoas se não mais jovens, pelo menos alheias à velha elite política.
Na realidade, entretanto, é a grande oportunidade dos ricos e conhecidos. No Legislativo os nove principais partidos, consultados pelo EL PAÍS, admitem que se centrarão nos mais veteranos do Congresso, porque por já serem conhecidos não precisam gastar tanto em comunicação. No Executivo, o partido no Governo, o Movimento Democrático Brasileiro, confiou seu futuro a Henrique Meirelles, o ex-ministro da Fazenda, em boa parte porque tem uma fortuna pessoal (217 milhões de reais) que pode investir em sua campanha. No final das contas, nas eleições municipais de 2016, quando a lei já estava em vigor, da campanha mais barata em décadas aos cofres públicos saíram 23 milionários eleitos nas 92 maiores cidades do país.
Diante desses empecilhos, certos novos políticos estão testando caminhos alternativos para entrar no impenetrável establishment político. Ailton Cunha, de 28 anos e de uma cidade do interior de Minas Gerais, trabalhava em programas para a juventude em diferentes empregos até que, pouco a pouco, tentou entrar na política. O que descobriu: “Os políticos atuais criaram um modelo para se aferrar ao poder que dificulta a entrada de rostos novos”, lamenta. Mas encontrou amparo na RenovaBR, uma organização que reuniu milhões de reais em crowdfunding e os divide entre 134 brasileiros que, como ele, querem se candidatar ao Congresso.
Nos últimos meses surgiram mais de uma dúzia de organizações semelhantes para ajudar os independentes. “A sociedade quer retomar a política”, diz Eduardo Mufarej, fundador da RenovaBR. “Não acho que teremos uma grande oportunidade de que sejam eleitos, mas o resultado será só o primeiro passo, um ponto de inflexão. Mas é importante. Temos pessoas formadas em Harvard e Yale, algo que nunca foi visto na fechada política brasileira”. Cunha também acha que a renovação virá mais em 2022 do que em 2018, mas não desiste. “Sempre digo que quando vemos alguma coisa que não vai bem temos a obrigação de agir”, afirma. “E estamos em um momento em que era impossível ver a situação desse país e ficar de braços cruzados”.
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O desafio das eleições que favorecem candidatos ricos e travam a renovação do Congresso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU