15 Junho 2018
Em mais de 60% dos 719 setores da economia dos Estados Unidos, a cota de mercado combinada das 8 maiores empresas aumentou, entre 2002 e 2012, em uma média próxima a 7%, não longe de 1% anual. 10% das empresas cotadas não financeiras mais rentáveis possuem rendimentos do capital investido cinco vezes mais altos que os da média de seus setores e a lacuna cresce ano a ano. De 1980 a 2015, os lucros das grandes corporações passaram de 6% a 10% do PIB.
A reportagem é de Ignacio Muro, economista especialista em modelos produtivos e em transições digitais, publicada por Economistas Frente a la Crisis, 13-06-2018. A tradução é do Cepat.
São referências dos Estados Unidos, mas extrapoláveis a todo o mundo, dados impressionantes que parece se dar por assumidos, como se fossem neutros e não nos afetassem. Sofremos a desigualdade crescente e nos queixamos dela; percebemos o desprezo ao trabalho que emana da precariedade e ficamos indignados; sentimos o encolhimento do público na saúde, educação e serviços sociais e nos prestamos a lutar para revertê-lo. Mas, não ocorre o mesmo quando nos referimos ao aceleramento da concentração empresarial. No entanto, é o principal indicador do futuro, nos esboça antecipadamente o que nos espera. Mais concentração de poder privado significa um futuro com mais precariedade, mais desigualdade e menos Estado. Por isso, é tão perigoso que fiquem fora de foco do ‘mainstream’ acadêmico. Deve-se agradecer que seja o principal objeto de estudo de Sophie Gilloux-Nefussi, economista do Banco Central da França.
É uma tendência global, mas também local. Caso façamos referência à Espanha, agora que se implanta um governo progressista, convém que vigiemos o comportamento dos organismos reguladores, aqueles que condensam as chaves do futuro. É o momento de vigiar sua autonomia e reverter sua captura pelas grandes corporações.
O que é evidente é que a crescente concentração de poder em companhias globais, com grandes cotas de mercado e altos lucros é um perigo para a economia do planeta. As análises da economista francesa nos advertem que já são a fonte principal da debilidade do investimento produtivo e da perda de peso dos salários no PIB.
Guilloux-Nefussi cita expressamente aos GAFA (Google, Appel, Facebook, Amazon), os gigantes tecnológicos, como símbolo que ilustra “um fenômeno mais geral de concentração que atinge a todos os setores nos Estados Unidos”. Não explica qual é a razão de sua preponderância nesse fenômeno... mas existem.
Na realidade, todas elas simbolizam as vantagens da economia digital, voltada aos processos intangíveis que se caracterizam por ser capazes de gerar economias de escala explosivas. A razão é dupla: não só seus custos marginais tendem a zero, fenômeno que Jeremy Rifkin popularizou em 2014, mas que, submetidas às lógicas de rede, têm a particularidade de facilitar uma percepção de utilidades marginais crescentes ao crescer o tamanho da rede. Esse incentivo para ganhar tamanho faz com que sejam as redes, com mais de 500 milhões de usuários, as que exibem mais vantagens para a intercomunicação e os negócios. E as mais rentáveis.
Suas consequências para o aceleramento da concentração empresarial estão à vista: se a Toyota, nascida em 1933 e exemplo da economia tradicional, demorou quase 80 anos para alcançar a liderança global, Facebook, nascida em 2014, levou apenas 8 anos, dez vezes menos, para alcançar essa meta.
Ainda que Guilloux-Nefussi não cite os setores onde a concentração empresarial se acelerou especialmente, não há dúvida que na lista estão incluídos todos os setores que associamos à economia digital, um fenômeno que, ao contrário do que se acredita, não é recente: está conosco há 30 anos e já transformou, com suas pautas, todos os setores associados aos serviços ao consumo.
Sem dúvida, entre os mais concentrados estarão os incluídos nas indústrias criativas, cinema (Netflix), música (Spotify), livros (Amazon), publicidade (o próprio Google), ou as associadas à comunicação (Youtube, Facebook), ao comércio (eBay, Alibaba), ao turismo (Booking, Airbnb), ao transporte (Uber), à busca de emprego (Infojobs, Linkedin) ou a certos subsetores das finanças (Pypal, Verkami)... e assim dezenas e dezenas de setores de serviços onde a desintermediação corre paralela à integração de processos intangíveis.
Que os reguladores levem isso em conta, porque a mesma lógica, com suas consequências, se transfere agora para o coração do sistema produtivo, a partir da logística, do emprego, das plataformas de comércio B2B ou das finanças (Fintech), através da inteligência artificial e a robótica.
Segundo Guilloux-Nefussi, os fenômenos de concentração excessiva estão por trás da debilidade do investimento produtivo. Se a taxa de investimento líquido comparada com os lucros diminuiu em 12%, a partir do ano 2000, quando se situava em 19% em média no período 1980-2000, deve-se principalmente ao comportamento das empresas líderes em cada setor.
A partir da lógica das rendas monopólicas, boa parte do “esforço de investimento” pode estar se desviando para erguer barreiras à entrada, o que justificaria a crescente importância dos gastos com lobby, para financiar o suborno, que disparou um terço na última década. A laxidão na regulação antimonopólio por parte das agências do governo dos Estados Unidos, nos últimos anos, seria uma de suas consequências. Está permitindo que se formem gigantes empresariais que obstruem o crescimento das médias e pequenas empresas e prejudicam o emprego e a economia produtiva. E disso sabemos muito na Espanha.
Que a diminuição drástica do desemprego nos países centrais não se traduza em um reaquecimento econômico, nem provoque aumentos salariais e inflação, seria, segundo Guilloux-Defussi, outra consequência da crescente concentração empresarial. Esse achatamento da Curva de Philips seria expressão do peso crescente das grandes empresas globais na produção nacional, com preços mais rígidos voltados ao mercado exterior e insensíveis às demandas internas. São elas as que trazem os maiores lucros às rendas empresariais, elas as que achatam a economia produtiva e provocam a perda de contribuição dos salários ao PIB.
São análises abstratas e acadêmicas, mas mostram até que ponto, uma parte dos economistas se esforça, nos esforçamos, em responder aos problemas reais. Mas não nos enganemos, entender o que passa é uma condição necessária, mas não suficiente para a mudança. Até que esses delineamentos não se cristalizem em forças sociais democráticas (mais votos, mais regulação, mais poder), o mundo seguirá sendo regido pela lei do mais forte.
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Google, Facebook... Amazon: regulação ou concentração monopolista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU