25 Abril 2018
Narrativa é uma crença compartilhada por atores relevantes demais e com efeitos políticos reais.
O artigo é de Pablo Ortellado, docente do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP; tem mestrado e doutorado em filosofia, publicado por portal Uol, 24-04-2018.
A questão importante sobre o crise política brasileira não é se houve golpe ou se não houve golpe, mas quais foram as motivações do impeachment e que expectativa isso gera nos agentes políticos.
O entendimento da maior parte da esquerda brasileira é que o impeachment e depois a prisão de Lula são o resultado de uma grande orquestração da direita e do establishment para barrar os moderados avanços na política social nos governos Lula.
Essas forças não aceitariam que mesmo um governo moderado e conciliador como o de Lula implementasse políticas sociais que resultassem em sucesso eleitoral contínuo e, por isso, derrubaram a presidente Dilma sob o pretexto das pedaladas fiscais e depois articularam a condenação e a prisão do ex-presidente Lula num processo criminal sem provas.
Assim, continua o raciocínio, se elas não permitiram um governo conciliador e moderado que favoreceu as grandes empresas nacionais e produziu prosperidade geral, elas seguramente não tolerariam um governo que enfrentasse questões mais fundamentais como o sistema tributário e a política de juros altos. A conclusão inevitável é que não há saída pelo sistema eleitoral, o que estaria para ser demonstrado, de uma vez por todas, nas eleições do final do ano.
Não importa aqui que essa narrativa que supõe uma unidade articulada das elites seja altamente inverossímil e contrária a toda a evidência empírica. O fato é que ela é uma crença compartilhada por atores relevantes demais e seus efeitos políticos são reais.
Não há uma só conversa com políticos, lideranças e intelectuais da esquerda na qual não apareça a desconfiança de que talvez não tenhamos eleições em outubro, sobretudo se a esquerda apresentar um candidato viável.
O mundo político que vive fora da esquerda costuma desdenhar e ridicularizar o discurso de que o PT sofreu um golpe parlamentar em 2016, tratando isso como se fosse uma alegação retórica, desesperada e até mesmo engraçada.
Porém, para setores importantes da sociedade brasileira, a democracia não está mais oferecendo uma saída institucional confiável e a simples disseminação desta desconfiança deveria ser motivo de alerta.
Nota da IHU On-Line: Pablo Ortellado estará no IHU no dia 28 de maio de 2018 (segunda-feira), às 16h15min, ministrando a conferência O cenário político e da esquerda no Brasil à luz do contexto latino-americano. A atividade ocorrerá na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros – IHU, no Campus Unisinos São Leopoldo. Saiba mais sobre o evento aqui.
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A esquerda está perdendo a confiança na democracia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU